Finalmente, o Campeonato do Mundo estava ali ao nosso alcance. O dia 25 de abril de 1965 tornava-se inesquecível. Sobre ele, escreveu assim Alfredo Farinha, o enviado especial de A Bola: «O jogo com os checoslovacos foi, para nós, que o vimos, o vivemos, o sofremos e, por último, gozámos a inefável sensação de euforia que o resultado final nos proporcionou, um jogo extraordinário; mas, para aqueles que não tiveram a felicidade de o presenciar, ficará para sempre incompletamente descrito, porque é inimaginável, porque era preciso ter estado cá para ser possível apreciá-lo em toda a sua amplitude e grandeza».
António Simões estava lá: «Foi épico! Muitos disseram e escreveram que, em Bratislava, fiz o melhor jogo da minha carreira. Não sei. Deixo para os outros essas palavras» (OK, fui à procura de algumas: «Deslumbrou pelo seu estonteante domínio de bola e pela sua vivacidade. Brilhante!». Confirma-se. Não que eu duvidasse do meu amigo, era o que faltava!, mas fiquei curioso).
Fernando Mendes estava lá, ele que não está entre nós desde 2016, um dos mais elegantes cavalheiros que tive a felicidade de conhecer no futebol e ter como amigo: «Foi logo no início. Tentei opor-me ao remate de um jogador checo, ele acabou por tocar-me no joelho com força, percebi logo que não ia conseguir continuar, tive de recolher às cabinas. Foi dramático porque pouco joguei a partir daí e até ter abandonado de vez em 1969, no Atlético». Mais 13 jogos em três épocas pelo Sporting; mais 12 na Tapadinha. Era tão importante para o grupo que o selecionador Manuel da Luz Afonso o levou a Inglaterra, à fase final do Mundial, como ecónomo…
Não havia substituições. Portugal jogaria o resto da partida com um a menos contra a Checoslováquia, vice-campeã do mundo – perdera a final do Mundial de 1962 frente aoBrasil. Contra a intempérie e contra a infelicidade, os dez homens que ficaram em campo (José Pereira, Festa, Germano, José Carlos, Hilário, Coluna, José Augusto, Eusébio, Torres e Simões) seriam os protagonistas de um dos momentos mais refulgentes e sensacionais da história do futebol português. José Augusto recuou para o lado de Coluna, e o ataque ficou entregue ao esforço de Torres, ao azougue de Simões e à grandeza de Eusébio.
Mais de 60 mil pessoas em redor. Urrando!
«O terreno estava húmido, mas ainda assim praticável. Para mim acabou por ser uma vantagem. A bola deslizava muito e eu desequilibrava adversários com facilidade. Depois do jogo saímos, demos uma volta e, na cave do hotel, havia uma banda a tocar. Estava lá oMasopust, que fora considerado o melhor jogador da Europa. Deu-me os parabéns pelo que havia feito. Era um jogador extraordinário!», conta António Simões, um dos heróis desse 25 de Abril.
Em 2005 a seleção nacional voltou a jogar em Bratislava para as eliminatórias do Mundial, agora contra a Eslováquia.
Dei, lado a lado com Eusébio, a volta a meio Slovan Stadion e o povo enlouqueceu só de vê-lo ali, coxeando, 57 anos mais tarde. Levantou-se como se fosse um só e o aplauso foi de fazer estremecer os alicerces de qualquer homem sensível.
Um raio fulminante!
Aos 21 minutos, Eusébio ganhou a bola a um adversário junto à linha de meio-campo e começou a correr em direção à área checa; Pluskal e Popluhar foram em sua perseguição, mas não conseguiram deter a sua força extraordinária; descaído sobre a direita, quase sem ângulo, dispara um remate fortíssimo e colocado: a bola entra junto ao poste, por alto, impossível de defender por Schroiff. Eusébio sempre afirmou que tinha sido uma dos melhores golos da sua vida. O estádio emudeceu com a sua potência física que conseguira arrasar dois dos mais poderosos médios-centro do mundo. A Pantera Negra misturou-se com a tempestade e desferiu um raio fatal.
À avalanche adversária que se seguiu, responderam os portugueses com uma serenidade extraordinária na defesa. António Simões desdobra-se incansavelmente em funções defensivas e ofensivas e é um perigo constante para a defesa contrária graças aos seus dribles e simulações. José Carlos e Hilário tornam-se imponentes. Mas há ainda um minuto fundamental: o minuto 43. Kvasnak entra na área portuguesa, leva Festa a seu lado; o jogador do FC Porto estica a perna, talvez tenha tocado primeiro na bola, mas derruba o seu opositor. Penálti!, diz o árbitro Atanas Stavrev, que veio de Sófia, na Bulgária.
Os portugueses reclamam, mas não há nada a fazer. A vitória está agora nas mãos de José Pereira, a quem chamam o Pássaro Azul, apenas internacional pela primeira vez na semana anterior, em Istambul. E é ele quem a segura.
O remate de Masny destina a bola junto ao poste, mas o Pássaro voa em sua direção e sacode-a. A luta irá continuar por toda a segunda parte, mas a vontade lusitana é cada vez mais inquebrantável. «Épico!», resume António Simões. E para que ninguém esqueça, eu recordo-o aqui…