A direita italiana está em ascensão, numa coligação encabeçada por Giorgia Meloni, surpreendendo os mais desatentos às sondagens. Ao longo dos últimos anos, Meloni tem tentado de alguma forma suavizar a imagem do seu partido, à semelhança do que fez Marine Le Pen em França.
Levando a que os seus aliados, como o senador Renato Schifani, do Força Itália de Silvio Berlusconi, se gabassem que os resultados deste domingo foram “uma vitória para toda a centro-direita”, uma leitura partilhada por alguns jornais como o ABC e o El Mundo. Chocando outros na imprensa internacional.
“Uma política de extrema-direita está prestes a tornar-se a primeira líder mulher de Itália”, escrevia o Washington Post. Tendo o seu partido, os Irmãos de Itália, conseguido a confiança dos italianos apesar das suas “raízes neofascistas”, nas palavras da Times.
A vitória eleitoral da líder nacionalista italiana – que se antevê que fique com cerca de 26% dos votos, ainda estando os resultados finais por apurar, batendo o Partido Democrático, de centro-esquerda, bem como os populistas do Movimento Cinco Estrelas – também foi motivo de jubilo para figuras como Le Pen, que saudou um a eleição de “um Governo patriótico e soberanista”, ou por Viktor Orbán.
O primeiro-ministro húngaro, que tem estado em constante choque com Bruxelas, mostrou-se satisfeito por ganhar aliados em Roma, após a governação de Mario Draghi, um tecnocrata que liderara um Governo de unidade nacional, procurando afirmar-se como europeísta.
“Nestes tempos difíceis, precisamos mais do que nunca de amigos que partilhem uma visão comum e uma abordagem aos problemas da Europa”, escreveu no Twitter Balázs Orbán, conselheiro do primeiro-ministro húngaro, saudando uma “vitória bem merecida” de Meloni. No entanto, tanto em Washington como em Bruxelas se ouviam receios quanto à posição do próximo Governo italiano no que toca à guerra na Ucrânia.
É que, se Meloni nunca mostrou em público posições semelhantes às de Orbán, visto como o grande apoio de Vladimir Putin dentro da Europa, o mesmo não pode ser dito dos seus dois grandes aliados, Berlusconi e Matteo Salvini, o líder da Liga. E ganhar apoios tornou-se crucial para Budapeste, dado que a guerra na Ucrânia teve como efeito colateral afastar Orbán do seu antigo maior aliado, o Governo polaco, dado este ser dos mais resolutos amigos de Kiev.
Salvini, em tempos, foi tão fã do Presidente russo que até se deixou fotografar com uma camisola com a sua cara estampada. Já Berlusconi, um magnata e antigo primeiro-ministro que sempre teve excelentes relações com Putin, ainda esta sexta-feira veio explicar que perante as câmaras da televisão italiana que o seu velho amigo fora “pressionado pelo povo russo” a invadir a Ucrânia. Segundo Berlusconi, o Kremlin não pretendia mais do que criar em Kiev “um Governo de pessoas decentes”, garantindo que depois disso “Putin abandonaria a Ucrânia na semana seguinte”.
“Estamos prontos a dar as boas-vindas a qualquer força política que seja capaz de se mostrar mais construtiva nas relações com a Rússia”, reagiu o porta-voz do Kremlin, Dimitri Peskov, citado pela TASS.
A posição da líder dos Irmãos de Itália talvez seja a maior incógnita no tabuleiro geopolítico. Em entrevista ao Nascer do SOL, esta condenou a “brutal agressão russa contra a Ucrânia”, mostrando-se favorável às sanções, pedindo apenas que tanto a UE como o resto da NATO “se dotem de um fundo de compensação para apoiar as economias mais afetadas pela guerra”, com o objetivo de “manter um amplo apoio às sanções”.
Ainda assim, “a União Europeia sustém a respiração enquanto espera para descobrir a verdadeira identidade política de Giorgia Meloni”, avaliou Patrick Wintour, editor para os assuntos diplomáticos do Guardian. Notando que apesar dos Irmãos de Itália “terem alterado a sua imagem nos últimos anos para assumir uma posição pró-NATO”, há grandes dúvidas quanto à sua sinceridade, já para não falar dos seus aliados de coligação. E que será por isso que a liderança do eixo franco-alemão tem mantido uma postura reservada quanto à mudança política em Roma.
Há muito se alertava que o aumento do preço do gás natural e dos alimentos, causando uma crise do custo de vida, pudesse dar nova vida a movimentos populistas, céticos quanto a pagar parte da conta do apoio aos ucranianos, com analistas a apontar que isso até fazia parte da estratégia de Putin, daí que estivesse à espera do inverno. Agora, perante os resultados eleitorais italianos, “a Ucrânia pode ter motivos para se preocupar quanto à mudança de ventos nas democracias ocidentais”, avisou o Washington Post.
Notando que há o risco de uma “falta de perseverança na defesa da Ucrânia, devido à preocupação crescente com os preços da energia e a velhas suspeições quanto ao establishment liberal em Bruxelas e Washington”.