por José Maria Matias
Recentemente o Parlamento Europeu aprovou um relatório em que concluía que a Hungria já não poderia ser considerada uma democracia, mas antes, uma autocracia eleitoral. O relatório teve 433 votos a favor, 123 votos contra e 28 abstenções. O ato foi simbólico, isto porque o Parlamento Europeu pedia ao Conselho Europeu para agir contra um Estado Membro por este estar a ir contra os valores fundacionais da União Europeia.
Apesar de não surpreender, é de assinalar o atrevimento das instituições europeias nos últimos tempos, em particular com a Polónia e a Hungria. A UE foi fundada debaixo dos escombros que o nazismo deixou na Europa e perante a ameaça do comunismo soviético. Tanto a Polónia como a Hungria resistiram a ambos os momentos. Ambas foram capazes de sobreviver às mais perversas ideologias, contra tudo e todos. Representam, provavelmente, o melhor que existe na Europa. São dois países que até pelo seu passado recente escolheram a Europa, com todas as letras. São europeístas.
No entanto, não deixa de ser interessante perceber que para a UE, a democracia-cristã de Orbán atenta mais contra os valores europeus do que, por exemplo, dois partidos comunistas terem suportado um governo socialista em Portugal durante 6 anos, ou um partido de extrema-esquerda, como o Podemos, fazer parte do governo espanhol. Também, praticamente, não temos palavras da UE quando, por ano, entre 8% a 10% do nosso PIB nacional é perdido para a corrupção. Mas irritam-se quando os húngaros decidem querer proteger a vida humana desde a conceção, ou que tenham definido o casamento como uma instituição realizada entre um homem e uma mulher. Bruxelas transformou os temas que eram considerados fraturantes, porque dividiam a sociedade ao meio, em novos dogmas europeus incontestáveis. Mas também já não é só isso.
A UE vive numa encruzilhada. É praticamente impossível conseguirem unanimemente darem passos em frente na integração europeia. Quando muito, poderiam conseguir unanimidade para dar os passos atrás suficientes que salvassem o projeto europeu. Orbán tornou-se a figura maior dessa evidência. Tem em abundância aquilo que mais falta às instituições europeias: legitimidade. Ganhou consecutivamente eleições desde 2010, sendo que, na última, contra todos os seus adversários políticos que se tinham unido numa coligação inédita de 6 partidos da esquerda à direita, contando também com muito apoio de Bruxelas. Contrariamente a todas as expectativas, até do seu partido, não só venceu como reforçou a maioria parlamentar que já tinha obtido anteriormente. É uma figura incontornável da sociedade húngara e um dos rostos da queda da União Soviética.
Os fundadores da UE pensaram numa integração económica que levasse progressivamente à integração política. No meio de uma Europa em escombros no pós-guerra, a cooperação económica seria a chave para o desenvolvimento do vínculo entre europeus e para a paz. Em algum momento isto deixou de correr bem. Hoje, em nome do dinheiro, forçam desenvolvimentos políticos numa UE fragmentada e desarticulada dos seus cidadãos. O Brexit, a pandemia e a resposta da UE a estes demonstraram essa mudança. Os políticos europeus quando, no princípio do século, rejeitaram referir o cristianismo num projeto de constituição europeia, já demonstravam não conhecer a identidade europeia, mas principalmente, mostravam como faltava identidade à UE. Perverteu-se o espírito inicial da UE e 2024 corre cada vez mais o risco de ficar para a história como o ano no qual tiveram lugar as últimas eleições europeias.