Aquele inverno

No discurso do estado da União Europeia, de 14 de setembro de 2022, a presidente da Comissão Europeia apontou alguns caminhos para a transição energética.

por Jorge Ribeiro Mendonça
Of-Counsel da Cerejeira Namora, Marinho Falcão

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse num discurso no Fórum Estratégico de Bled, no final de agosto, que «não podemos substituir dependências antigas, por novas dependências», referindo-se à substituição da dependência da energia russa por energia proveniente de outros países.

Esta devia ser uma daquelas frases que os responsáveis europeus deviam ler e interiorizar. É, aliás, útil em qualquer contexto. Seja na política, na gestão de um negócio, ou na vida pessoal, vencer uma dependência antiga não deve ser substituída por outra dependência. A regra será sempre e em qualquer contexto: diversificar.

A imagem do gás natural, queimado pela Rússia por não existir capacidade de armazenamento e por terem sido cortados os abastecimentos à União Europeia, e o vídeo da Gazprom mostrando a Europa a gelar, ameaça tornar-se simbólica da guerra energética que estamos a viver.

A espiral inflacionista não nasceu com a guerra, mas foi por ela naturalmente agravada. É, por isso, necessário combater a inflação e as suas causas, sendo insuficiente apenas aliviar os seus efeitos.

O famoso pacote designado de ‘apoio às famílias’ foca-se no combate aos efeitos da inflação, não contribuindo para a sua mitigação e, consequente, controlo dos efeitos. Trata-se, pois de um conjunto de medidas que visam o imediato, pondo dinheiro nos bolsos sem curar do amanhã.

Aliviar o sufoco imediato é essencial, mas a crise inflacionista irá prolongar-se para lá da imediatez destas medidas. É por isso necessário um pacote de ataque à inflação, um pacote reforçado que procure medidas substanciais.

No setor energético a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) publicou em agosto passado o relatório ‘Global impact of war in Ukraine: Energy Crisis’ onde identifica algumas medidas que poderão ser levadas a cabo no curto prazo, bem como, no médio e longo prazo.

Nas medidas de curto prazo encontram-se aquelas que possam reduzir ou racionalizar a utilização de energias, reduzindo a procura de energia ou apelando à mudança de comportamentos. Reduzir consumos alterando hábitos, obter mais eficiência energética, suprimir gastos desnecessários. É preciso decidir e avançar!

Nas medidas de médio e longo prazo as políticas energéticas do Governo e os investimentos devem alinhar-se com as metas de desenvolvimento sustentável e com o Acordo de Paris. Estamos, sem dúvida, perante uma oportunidade de acelerar o investimento em energias verdes e em tecnologias sustentáveis económica e ambientalmente.

No discurso do estado da União Europeia, de 14 de setembro de 2022, a presidente da Comissão Europeia apontou alguns caminhos para a transição energética. Apontou caminho para a criação do banco de hidrogénio, tendo em vista mudar completamente a inovação na Europa. Referiu que se está a trabalhar na aprovação da lei para as matérias-primas críticas, sublinhando que haverá um momento em que o lítio será mais importante do que o gás e o petróleo. Destacou, ainda, e mais uma vez, o compromisso da Europa com as energias renováveis, aproveitando o atual contexto para uma verdadeira mudança de paradigma.

Quando tudo muda, não mudar é ficar para trás. Com a invasão da Ucrânia, os equilíbrios entre blocos económicos mudaram definitivamente. O caminho só pode ser, pois, olhar em frente. Insistir em receitas antigas, com a ilusão de que as velhas dependências do passado poderiam conter escaladas inflacionistas e garantiriam um inverno sem sobressaltos, seria o cenário que nos hipotecaria o futuro.

Em todo este contexto, Sanna Marin, a primeira-ministra da Finlândia, disse no Parlamento Europeu, a 13 de setembro de 2022, a seguinte frase lapidar: «Vamos sobreviver à chantagem da Rússia e ao longo Inverno que se avizinha. Mas para isso precisamos de unidade, determinação e coragem. Podemos contar o custo da guerra em euros, mas os ucranianos contam-no em vidas humanas. Não se trata apenas da Ucrânia, mas dos valores europeus e de todo o sistema internacional baseado em regras.»

Há sempre a certeza de que o inverno terá um fim. Ao investir nas reformas certas, a Europa ficará mais bem preparada para enfrentar os desafios de sustentabilidade económica e climática, protegendo o seu modelo democrático e social.