Por Felícia Cabrita e Maria Moreira Rato
Ainda a 10 de setembro, Dom Ximenes Belo, ex-bispo de Díli, celebrou uma missa na capela da residência Dom Bosco dos Salesianos – continuando a conviver com os menores do colégio. Mas ontem, de manhãzinha, as notícias sobre alegados abusos sexuais de crianças e jovens, denunciados por um jornal holandês, deixaram-no alerta. Num ápice, as suas malas acumulavam-se à porta do quarto da residência na Rua Saraiva de Carvalho e, até agora, o seu paradeiro é desconhecido.
Fontes contactadas pelo i dizem que a mudança foi repentina, sem que nada a fizesse prever. Dom Ximenes Belo saiu de Timor em 2002, mas não devido às explicações que deu. A resignação do cargo de Bispo de Díli apanhou então todos de surpresa. Na altura, em comunicado, o antigo bispo anunciou a sua resignação alegando problemas de saúde e a necessidade de um longo período de recuperação.
A sua obra em prol dos timorenses foi reconhecida quando, juntamente com José Ramos-Horta, foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz em dezembro de 1996. Contudo, viria a abandonar o cargo por ordens do Vaticano exatamente devido a denúncias de abusos sexuais de menores, como confirmou o i junto de um padre jesuíta em Timor.
Tal como confirmou Marco Sprizzi, representante máximo do Papa e do Vaticano em Timor-Leste, à agência Lusa, nesta quarta-feira, explicando que o caso está com os órgãos competentes da Santa Sé, não indicando se o prelado foi ou não investigado.
“Eles estão a examinar este artigo e o seu conduto e de outros que estão a ser publicados neste momento e, a partir disto, qualquer resposta virá diretamente da Santa Sé”, explicou, acrescentando que “a Igreja local e a Nunciatura não têm mais competência direta”, referindo-se aos testemunhos de supostas vítimas que foram publicados pelo jornal holandês De Groene Amsterdammer.
Este órgão de informação asseverou que entrevistou vítimas que terão sido abusadas sexualmente nas décadas de 1980 e 1990, assim como vinte pessoas com conhecimento do caso, incluindo “individualidades, membros do Governo, políticos, funcionários de organizações da sociedade civil e elementos da Igreja”. “O Paulo e Roberto”, as duas alegadas vítimas entrevistadas para o artigo, “conhecem outras vítimas”, referia o jornal, um dos principais da Holanda.
Inclusivamente, sabe-se que o início da investigação remonta ao tempo em que um timorense denunciou que o seu irmão havia sido violado.
Colégio “despista” jornalistas “Mais de metade das pessoas conhecem pessoalmente uma vítima dos abusos e outros têm conhecimento do caso. O De Groene Amsterdammer falou com outras vítimas que recusaram contar a sua história nos media”, escreveu a jornalista Tjirske Lingsma.
Mas o Colégio dos Salesianos de Lisboa, que prepara um comunicado à imprensa, “despista” os jornalistas. A própria telefonista, ao ser-lhe pedido que encaminhasse a chamada para a direção, garantiu relativamente ao desaparecimento: “Já sei que me vai perguntar se Dom Ximenes Belo está aqui. Não, não está” e lamentou não “ter mais informação” para avançar.
Já em 2020, em declarações à Lusa, um elemento superior da Igreja Católica em Díli, que pediu que a sua identidade não fosse revelada, escusou-se a revelar se houve ou não uma demissão formal de Ximenes Belo pelo então Papa João Paulo II.
Por outro lado, a 27 de novembro de 2002, o Vaticano confirmou, por meio da gazeta L’Osservatore Romano, que “o Santo Padre aceitou a renúncia do ofício de Administrador Apostólico ‘Sede vacante et ad nutum Sanctae Sedis’ de Díli (Timor Oriental), apresentada por sua excelência reverendíssima, monsignor Carlos Felipe Ximenes Belo, bispo titular de Lorium, em conformidade com o cânone 401.2 do Código de Direito Canónico”.