No sábado, tudo parecia correr bem. Eduardo e Catarina (nomes fictícios), de 81 e 76 anos, respetivamente, saíram da zona das Mercês, em Sintra, seguiram para o Continente Modelo da Tapada das Mercês e, depois de terem ido às compras, algo inesperado aconteceu: foram alvo de uma tentativa de burla. “Nós fomos ao Modelo e, quando saímos do supermercado, no estacionamento não havia ninguém perto de nós, simplesmente seguimos em frente”, recorda Eduardo, em declarações ao i.
“Quando entrámos na estrada, na direção da Rinchoa, um fulano fez um sinal. Pensava que tinha deixado alguma porta aberta. Ele buzinou. Quando chegámos aos semáforos, fez luzes e lembrei-me de uma história que ouvi na piscina que frequento. Devia ter parado ao pé da Polícia de Segurança Pública (PSP), mas parei num sítio mais ermo, junto de uma pastelaria onde há muito movimento”, lembra, explicando que abriu a porta do veículo e o suposto burlão lhe disse de imediato: “O senhor não deu conta de que, quando fez marcha atrás, fez mossa?”. Já a desconfiar daquilo que se passava, Eduardo respondeu: “Não caio nessas coisas e vou chamar já a PSP”. “Dirigi-me para o carro, peguei no telemóvel e ele avisou: ‘Não vale a pena. Mas, para a próxima vez, tenha mais cuidado, senhor!’. O meu erro foi não ter tirado a matrícula do carro, mas devia ter uma falsa. Era um carro de gama alta e estava impecável”, avança. “É assim que eles atacam e, quando ‘rebobinei’, recordei-me daquilo que tinha ouvido na piscina. Isto está a acontecer com muita frequência porque a conversa desse senhor na piscina foi na semana passada”, afirma, dizendo que o idoso que ouvira falar perdeu quase 300 euros devido a este esquema.
“O golpe funciona assim: quando alguém sai de um estacionamento ou de outro sítio, o criminoso segue o carro, faz sinal de luzes, manda encostar, a pessoa pára e ele diz que quando fizemos marcha-atrás fizemos uma mossa no carro. As pessoas vão a ver e eles põem um autocolante para parecer que realmente ficou mal!”, exclama. “Dizem que o carro é de uma empresa, que não é preciso ir para o seguro, pedem dinheiro e o fulano vai embora. No meu caso não aconteceu isso, provavelmente, porque me apercebi logo da burla”, sublinha.
“Quando cheguei a casa e parei, fui ver a parte de trás do carro e não encontrei nada. Ora, se eu tivesse batido no carro dele, também teria algum sinal, certo?”, questiona. “A PSP, se calhar, não faria nada porque tem muitos problemas em mãos, mas vale a pena o tema ser abordado pelos órgãos de informação”, destaca, sendo que este esquema não parece constituir uma novidade para as autoridades portuguesas, na medida em que já emitiram variados comunicados acerca do mesmo.
Por exemplo, no passado mês de agosto, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP veiculou, nas redes sociais, um alerta aos automobilistas, alertando-os para que tomassem cuidado quando fossem confrontados com o modus operandi associado a quem pratica este esquema. “Por norma, os suspeitos selecionam as suas vítimas em situações de transito, buzinam insistentemente e tentam que estas parem para iniciar um diálogo”, começa por indicar a PSP, sendo que, depois, os burlões “acusam as vítimas de provocarem danos nas suas viaturas (por distração ou durante a realização de manobras), exercendo pressão e tentando intimidar, com o intuito de que lhes seja dada uma certa quantia em dinheiro para arranjo dos danos (supostamente provocados pela vítima)”, escreveu a força de segurança.
De seguida, esclareceu que os alegados criminosos “tendem a alegar que estão com pressa e que não podem esperar pela polícia ou pelo preenchimento de declaração amigável” e explicou que as viaturas dos suspeitos “apresentam realmente os referidos danos” e, por vezes, “para dar credibilidade à sua história, causam alguns danos nas viaturas das vítimas”, indo, deste modo, ao encontro da perspetiva transmitida por Eduardo. Assim, a autoridade decidiu emitir três alertas para que os condutores se mantenham atentos: “Não entre em acordo com alguém que pede dinheiro. Em caso de dúvida, chame as autoridades”, “tome sempre nota dos dados da viatura (matrícula, marca, modelo e cor) em que o(s) suspeito(s) se faz(em) transportar (quando em situações de burla, os suspeitos abandonam o local quando é referido que se vai chamar a polícia” e “denuncie sempre que seja vítima de burla ou de tentativa de burla”.
Casos relatados nas redes sociais Mas Eduardo e Catarina, infelizmente, não são os únicos a terem passado por esta experiência assustadora. Nas diversas redes sociais, encontramos comentários e publicações que se alinham com as informações que transmitiram ao i. “É verdade. Aconteceu ao meu pai. Dois homens de nacionalidade brasileira, no centro de Famalicão. O meu pai estava a sair de um parque de estacionamento e, de repente, ouvi um carro a buzinar, mas não ligou e seguiu a vida dele. Quando chegou a casa, viu que os indivíduos o seguiram, pararam em frente à casa dele, que fica a 6km da vila”, lê-se num comentário, feito há seis semanas, numa publicação, no Facebook, que alertava os automobilistas para este perigo. “Começaram logo a dizer que o meu pai, ao sair do parque, tinha batido no carro deles e pediram 150 euros para o arranjo. O meu pai, com 82 anos, disse ‘Ponde-vos no c… Que eu parto-vos o focinho. Mas rápido, porque não sabem com quem é que se estão a meter. Já para o c… E, graças a Deus, foram”.
Contudo, importa salientar que existem relatos de situações experienciadas há mais tempo. No final de junho de 2020, na mesma plataforma, uma utilizadora redigia: “Hoje, pelas 19h, na zona do nó de Sacavém/Bobadela, no acesso à Ponte Vasco da Gama, passei por dois carros encostados na berma. Mais à frente, no IC2/A30, um desses carros encosta-se a mim e a condutora, com a janela aberta, manda-me encostar avisando-me de que lhe tinha batido no carro e fugido. Incrédula, fui obrigada a encostar na berma porque atravessou-se à minha frente e saiu do carro (um Nissan antigo, cinza prata), veio em direção ao meu, ficando sempre com as mãos no capô”.
“Gritava para eu sair do carro porque senão chamava a polícia. Faço marcha-atrás e vejo que estou trancada com o outro carro (uma carrinha cinza prata recente) com um condutor homem, numa tentativa de fugir dali e correndo o risco de passar com o carro por cima dela entro na faixa de rodagem e o carro que estava atrás de mim tranca-me na lateral do meu lado, para eu não sair. Por sorte, ele ficou no meio da faixa de rodagem e os carros começaram a buzinar. Teve de sair dali e estacionou na berma logo a seguir ao outro carro”, acrescentou, rematando: “Acelero e tento pôr-me no meio da via, mas ela não saía da frente do meu carro. No meio deste filme de terror, e apesar do pânico, consegui ter sangue frio para buzinar sem parar e apontar o telemóvel para ela. Começou a afastar-se, creio que com receio de que tirasse uma foto”, raciocinou. “E sem carros atrás de mim, faço marcha-atrás e longe dela acelerei e ela não teve coragem de se atravessar à minha frente”.
Na ponte, “e em segurança”, contactou a PSP, expôs aquilo que acabara de viver e foi informada de que “é usual ameaçarem senhoras sozinhas ou pessoas idosas, simulando que lhes bateram no carro e que chamam a polícia, para lhes extorquir dinheiro”. “Foi assim que aconteceu. Sei que para tudo há uma primeira vez, mas nunca estamos preparados para uma coisa destas em plena luz do dia. Manter o sangue frio e conseguir raciocinar ao mesmo tempo é muito difícil. Acho que o balanço foi positivo, mas podia ter corrido muito mal”, considerou na publicação que conta com quase 9 mil reações.
Nesse mesmo mês, lia-se numa notícia do Correio da Manhã: “Um homem de 26 anos, que tentava burlar idosos, foi detido pela GNR de Penafiel. Abordava num espaço comercial e dizia ter sofrido acidente com o carro, alugado, no estacionamento. Assumia a culpa mas pedia dinheiro para pagar a franquia à empresa de aluguer de automóveis. Tem antecedentes por outras burlas”.
Por outro lado, numa notícia sobre um alerta que a PSP emitiu, em agosto de 2019, um utilizador publicou: “Isto é verdade porque eu já assisti a um caso destes com duas senhoras… Elas buzinaram até a condutora parar e, depois, quando ela parou, saiu o pendura do carro. Enquanto saía do carro, ele riscou o pára-choques para incriminar a senhora. Quando cheguei junto dela e disse-lhe para chamar a polícia, eles fugiram deixando o carro riscado”. Nesse primeiro alerta da força de segurança lia-se que “os suspeitos selecionam as suas vítimas em parques de estacionamento, seguindo-as quando iniciam a sua marcha”, quando se encontram em perseguição às vítimas.
“Após alguns instantes, seguindo atrás das vítimas, buzinam insistentemente e tentam que estas parem para iniciar um diálogo. Acusam as vítimas de provocarem danos nas suas viaturas (por distração ou durante a realização de manobras), exercendo pressão e tentando intimidar, com o intuito de que lhes seja dada uma certa quantia em dinheiro para arranjo dos danos (supostamente provocados pela vítima)”, era divulgado, sendo adicionado que tendem a “alegar que estão com pressa e que não podem esperar pela Polícia ou pelo preenchimento de declaração amigável”. Assim, tal como atualmente, a PSP pediu aos condutores para “não entrarem em acordo com um individuo que pede dinheiro” na ausência das autoridades, até porque a presença de uma força de segurança acaba por dissuadir os supostos criminosos, que abandonam o local sem prolongarem a tentativa de burla.
Contactadas pelo i, a PSP e a GNR asseveraram que disponibilizarão os dados acerca deste esquema com a maior brevidade possível.