A democracia exige ‘cautelas e caldos de galinha’!

Nas suas palavras nada meigas, o Presidente Marcelo fez ainda questão de sublinhar, com elogios subtis ao discurso de Carlos Moedas, a importância de um Governo forte, não em resultado de ter uma maioria absoluta, mas sobretudo porque tendo-a, pode e deve exercê-la a governar para os interesses de médio e longo prazo de Portugal…

1. No seu discurso do 5 de Outubro, o Presidente Marcelo deu uma lição de história, ao mesmo tempo que relembrou o Governo que, em democracia, todos os governos são efémeros, como bem reconheceu António Costa, imediatamente após o discurso disruptivo daquele que até aqui tem sido o seu grande aliado. De vez em quando, é fundamental que se relembre que as maiorias absolutas, como a deste Governo PS, não se possam confundir com ditaduras disfarçadas, resultantes ou de abusos de poder ou de desnortes governativos como tantas vezes tem sucedido nestes meses, transmitindo sentimentos de impunidade.

Nas suas palavras nada meigas, o Presidente Marcelo fez ainda questão de sublinhar, com elogios subtis ao discurso de Carlos Moedas, a importância de um Governo forte, não em resultado de ter uma maioria absoluta, mas sobretudo porque tendo-a, pode e deve exercê-la a governar para os interesses de médio e longo prazo de Portugal e não apenas para satisfação momentânea das clientelas. Os recados ficaram dados, mas saberá Costa ouvi-los?

2. Os tempos que se avizinham na Europa são claramente de crise, esperando-se uma recessão económica nos países mais industrializados, nomeadamente Alemanha, França e Reino Unido, destinos significativos das exportações portuguesas. As razões são por demais conhecidas, entre uma inflação que já preocupava mesmo antes da guerra da Ucrânia e a própria guerra que fez disparar o preço da energia, a afetar inúmeras indústrias, com consequências económicas e sociais seguramente devastadoras.

Conhecedor desta realidade e preocupado pelas consequências terríveis que iremos sentir nos tempos mais próximos, o Presidente Marcelo há muito iniciou a sua cruzada de alertas em vésperas de se conhecer o OE 2023, insistindo para o Governo divulgar os seus pressupostos. Costa, que vinha fazendo orelhas moucas, tão instado que foi que adiantou acreditar num crescimento da economia, se bem que modesto, como que a tranquilizar o povo português. 

Ao mesmo tempo, quiçá fustigado pelas perdas de popularidade nas sondagens, não se encolheu a divulgar os aumentos salariais da função pública, gerando, contudo, insatisfações sindicais, até porque, no seu cerne, entra em contradições quando tanto apregoa que aposta na melhoria das qualificações, mas aproxima os salários dos administrativos aos dos técnicos. 

Sobre este tema de aumentos, esquecendo justiças ou injustiças, porque repor vencimentos deteriorados pela inflação é da mais elementar justiça, recordo-me e preocupam-me exemplos passados em que o seu financiamento foi feito pelo incremento da dívida pública. Francamente, este é o meu receio atual, perante tantas incertezas macroeconómicas dado que, seguramente, não será o incremento da produtividade que os irá suportar, apesar dos fundos do PRR fortemente aplicados na reestruturação dos serviços.

Adicionalmente, insistindo em aumentos anuais generalizados até 2026 de 5,1% como base de negociação para o setor privado, Costa vem demonstrar estar afastado da realidade das PME’s e lança o pânico nas confederações empresariais, já de si apavoradas com as certezas das reduções de consumo e com os aumentos dos preços da energia e das taxas de juro. Ou seja, em vez de optar por discursos de prudência, Costa aparenta uma insensibilidade para o enquadramento socioeconómico, não sendo de excluir, porque já existem sinais muito preocupantes, a possibilidade de falências de muitas empresas em 2023 e 2024, com todos os custos inerentes para o erário público.

3. Ainda não se tinham esgotado as notícias sobre o ataque informático à TAP, em que dados de 1,5 milhões de clientes terão sido capturados por ‘hackers’, quando nova bronca estala, desta vez sobre a renovação da frota automóvel dos seus quadros superiores. Com algum estrondo, a comunicação social anuncia que se optou por uma marca topo de gama, seguramente para massajar os egos supostamente feridos com os cortes salariais que foram e continuam a ser necessários. Aos ataques que se seguiram de todos os quadrantes, reiteraram, numa primeira fase, a mais que discutível opção ao referirem poupanças de 630 mil euros, incluindo benefícios fiscais.

Quando li esta notícia, instintivamente lembrei-me de dois exemplos na minha vida profissional, que passo a contar. O primeiro, um grande Senhor, líder de um grupo empresarial privado português que quando viajava de avião na Europa, optava sempre pela classe económica. Dizia-me ele que há uma enorme diferença entre gastos necessários e gastos supérfluos… O segundo, outro gestor de uma pequena empresa, andava com um carro de 8 anos e mais de 260 mil kms, referindo-me que, em todas as circunstâncias, mas sobretudo em tempos de crise, os exemplos vêm de cima…

Regressando ao tema da frota, a realidade é que, perante a revolta generalizada dos sindicatos e, sobretudo, da sociedade, escassos dias volvidos, anuncia-se que, afinal, os gestores decidiram manter a atual pelo período máximo de um ano. Desconhecemos o que se terá passado, que pressões terão existido, mas a verdade é que houve um recuo em toda a linha. Costuma dizer-se que tudo está bem quando acaba em bem. Mas não creio que seja assim porque sobra a convicção da necessidade de foco na gestão da TAP, pelo menos no que toca a decisões de investimento, seguramente mais parcimoniosa no supérfluo (como a frota) e mais dispendiosa no essencial (como a segurança informática). 

P.S. -Já não nos bastava a Seleção ficar de fora da fase final da Liga das Nações em resultado de uma exibição atemorizada contra a Espanha e em que um conjunto de jogadores de alta valia nos seus clubes parece que ficam tolhidos quando envergam a camisola da Seleção. Agora, soubemos que a Autoridade Tributária considerou que o contrato celebrado entre a FPF e o selecionador configurava uma evasão fiscal e todos vimos Fernando Santos ser tributado adicionalmente em mais de Eur 4 M em IRS. Dada a exposição pública das personagens, pergunto: havia necessidade?