Por José Miguel Pires e Sara Porto
A força do sol, o movimento nas ruas, o trânsito das estradas e a afluência de turistas, dá-nos a impressão de que estamos no verão. Na estação do Rossio, o pensamento é invadido por todos os ruídos que envolvem o espaço: as vozes das pessoas, as buzinas dos carros, as sirenes das ambulâncias. Mas o cheiro a castanhas lembra-nos de que já entrámos no Outono. É meio-dia e meio. Aqueles que trabalham, parecem correr para aproveitar da melhor forma possível a sua hora de almoço; já os turistas deambulam atentos, contemplando o centro da cidade. Em frente ao teatro D.Maria II, um pequeno círculo de pessoas chama a atenção. Ao nos aproximarmos deparamo-nos com uma pequena mesa de campismo preenchida por conjuntos de cromos reunidos por elásticos, organizados em filas. Ao seu redor, quatro pessoas ditam uma quantidade infindável de números, marcados em pedaços de papel.
O senhor, que se nota ser o responsável pela banca, sorri: “Eu sou conhecido como o Rei dos Cromos! Sou o único vendedor aqui!”, afirma António Matias, de 70 anos. O Mundial 2022, no Qatar, arranca a 20 de novembro e termina a 18 de dezembro e, por isso, a “febre” das coleções de cromos já se começou a fazer sentir, com os colecionadores ansiosos por completar as suas cadernetas. E se estes procuram desejosos os números em falta, os vendedores torcem por ser na banca deles que os encontram. Há quem não faça ideia daquilo que acontece neste “universo” que une muitos aficionados pela bola. Mas a verdade é que a realidade vai desde coleções de 10 milhões de cromos, à compra e venda a três mil euros (ver págs. 16-17). E há mesmo quem já tenha sido “salvo” pelo dinheiro do negócio.
O “único” vendedor do Rossio António Matias trabalhou durante muito tempo com escapes de automóveis, na construção civil e chegou mesmo a emigrar para França, em trabalho. Apesar de se lembrar de, em pequeno, já os colecionar e colá-los com farinha, foi apenas aos 59 anos, depois de se reformar, que resolveu entrar no negócio dos cromos. “Fui visitar um estádio ao Algarve e trouxe alguns. Percebi que podia fazer negócio. Já conhecia um senhor que vendia aqui no Rossio – dava-lhe alguns -, e decidi começar a juntar os meus molhos e a vendê-los e trocá-los também”, recordou.
Começou a vendê-los na estação do Rossio, mas os problemas com a gerência do espaço começaram a afetá-lo. “A equipa que controlava a estação não achava graça e acabava por chamar a polícia que nos multava por não termos licença. Ainda éramos alguns! Cheguei a pagar 199 euros de multa por ter lá duas malas. Paguei para eles não me levarem as coisas”, revelou. Para não haver chatices, passou para o lado do teatro e agora paga a licença de um banco. “Fui à Junta de Freguesia e autorizaram-me! Pago 79 euros. Fui o único a quem eles passaram licença”, exclamou com um certo orgulho no olhar.
Segundo o mesmo, atualmente, os colecionadores “procuram cromos mais famosos”, como os do Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar. “Segundo aquilo que sei do Brasil, o Neymar em ouro, anda à volta dos 10 mil euros. Só o cromo! Cá, já vendi um por 300 euros e vendi o Cristiano Ronaldo por 500”, contou, acrescentando que não sabe se essas pessoas os compraram para de seguida vendê-los por muito mais. “Eu vendi sem saber os preços. Agora já sei! Tenho muitos guardados em casa. Não os tenho aqui porque me esqueci deles, mas costumo andar sempre com eles. Qualquer pessoa que aqui chegue e me quiser comprar, eu vendo! São chamados os cromos extra que não servem para serem colados. São 80 e tal cromos de ouro, prata, bronze e bordô”, explicou. Além disso, há também quem compre coleções. António Matias diz já ter vendido oito completas.
Deste mundial para os outros, o vendedor acredita que tem havido mais procura “porque há locais em que as caixas de cromos estão esgotadas”. “Quando foi o campeonato do mundo do México também foi muito bom… Estas coisas acontecem de vez em quando. Às vezes tenho grandes filas aqui”, acrescentou. Em Loulé, por exemplo, a febre dos cromos é tal que os colecionadores são obrigados a ir à Quinta do Lago comprá-los. “Não há em lado nenhum”, comentava uma colecionadora no Quinta Shopping,.
No que toca à distribuição que é feita pela Panini para os locais de venda – na Argentina, pequenos comerciantes acusam a empresa de beneficiar as grandes superfícies como supermercados e bombas de gasolina (ver págs. 16-17) -, António Matias não sente a diferença. “Não faço negócio diretamente com a Panini, compro diretamente nos quiosques. Cada caixa custa 50 euros. Já é a segunda vez que eu compro 10 caixas de uma virada. São logo 500 euros, não é? Eu tenho de recuperar esse dinheiro. Os cromos dourados estou a vender a um euro, os normais a 25 cêntimos”, afirmou.
Interrogado sobre o momento de “parar”, os seus olhos encheram-se de lágrimas: “Não sei se paro. Acho que isto vai comigo para o caixão. É mesmo uma grande paixão. A minha casa é um museu!”, exclamou emocionado. Durante o tempo em que o país esteve confinado, devido à pandemia da covid-19, juntamente com a sua esposa, António Matias, preencheu uma parede da sala com “cromos todos cortadinhos”: “Tenho tantas gavetas e malas cheias de cadernetas… Toda a gente que vai lá a casa fica fascinada com a parede. É um espetáculo! Atualmente, em Portugal, acho que sou o que tem mais cromos!”, acredita.
QUEM É O REI? Mas ao subir da rua que dá para a Avenida da Liberdade, um cartaz colado no vidro de um quiosque, confunde-nos: “Vende-se e troca-se cromos! Rei dos Cromos!”. “Tem o Neymar, o Messi ou o Cristiano Ronaldo?”, interroga Ricardo, que já havia estado na banca do senhor António Matias à instantes. “Esses estão com uma procura louca, pah! Você já levou daqui alguns! Eu tenho de organizar isto! Isto consome-me a cabeça toda! Eu vou dormir à uma da manhã, acordo às 5h. Não durmo nada! Eu sou o Rei dos Cromos mas não vendo só cromos!”, exalta Albino, dono do quiosque. “Então e você não compra os extras? Aqueles extras tipo Ronaldo?”, continuou o colecionador. “Os lendários? Uma vez saiu-me um e eu vendi-o por 50 paus! Mas eles na internet já estão a pedir 7 500 euros pelos dourados. Esta merda…Estou farto disto! Isto dá muito trabalho a meter em ordem”, reclamou o vendedor enquanto procurava o cromo 00 e os de Espanha.
Tanto António Matias como Albino, afirmam ser o “Rei dos Cromos”. Contudo, a luta pela coroa não fica pelos dois. Uns passos à frente, num quiosque exatamente igual mas singular pela enorme pilha de livros que sai do seu interior, encontram-se Joaquim Antunes e Maria Clara, dois irmãos na casa dos 60 anos. Antes de se dedicar aos cromos, Joaquim vendia raspadinhas. Quando iniciou o negócio, o seu local de venda era precisamente a estação do Rossio, perto do senhor António Matias. “A minha irmã vendia-os aqui porque este quiosque sempre foi da família. Depois passei para cá porque houve um senhor que arranjou forma de lá ficar sozinho”, lamentou. Para si, as coleções são uma paixão, apesar de já não as fazer. “Fascina-me o futebol e os jogadores, mas só isso”, frisou.
Já Maria Clara herdou o gosto da mãe, tal como o negócio. “A minha mãe já tinha este quiosque e trocava e vendia cromos. Eu vinha para cá em pequenina”, recordou. Aquilo que mais gosta na atividade é de ver a cara satisfeita das pessoas quando encontram os números que procuram, principalmente as crianças que a tratam por a “Rainha dos Cromos”.
Infelizmente, segundo a mesma, as coisas já não são como antes. A pandemia da covid-19 veio fazer tremer o negócio e a procura diminuiu muito. Mesmo assim, a senhora garante ser contra o aumento do preço dos cromos. “Eu não sou a favor de vender os cromos muito caros. O máximo foram 5 euros por cromo e eram cromos muito específicos. Acho que é uma estupidez venderem-nos por balúrdios. Qualquer dia nós não vendemos… Aqueles que vendo ou são um euro ou 30 cêntimos. A troca é três por um”, esclareceu.
Ao descer a Baixa, num outro quiosque, duas crianças compram uma mão cheia de saquetas. Eduardo Carrilho, de 61 anos, sorri satisfeito. “Eu não vendia cromos há 30 anos. Este ano decidi voltar a vendê-los”, afirmou, acrescentando que quando o seu filho tinha 12 anos, fazia as coleções todas. “Quer dizer, eu é que fazia tudo, ele não fazia nada! Fartei-me e disse para mim: ‘Tenho de acabar com isto!’. Deixa se ser negócio quando temos um filho que quer cromos e cromos e cromos… Não podia sustentar isso!”, explicou. Contudo, para si, “esta coleção é incrível”. “Os brasileiros vêm de passagem turística para comprar cromos. Aliás, sinceramente, pelos portugueses, não vendia metade do que costumava vender”, revelou, partilhando que ouviu que no Brasil é “a loucura total”, que em qualquer sítio na rua “fazem uma banquinha para vender cromos”. Segundo o mesmo, “aqui ainda é cedo para isso”. “Ainda não chegou a altura das trocas”, sublinhou.
Interrogado se sente diferenças agora que voltou ao negócio, o vendedor admite que antes se vendiam “muitos mais”. “Não tem nada a ver. As pessoas chegavam ao quiosque e compravam caixas inteiras”, lembrou. Quando começou vendia os cromos na estação do Rossio, e fazia trocas. Atualmente, só vende saquetas. “Mas falam para aí que saem cromos com o valor de 100 euros, 200 euros. Eu fico espantado. Há quem me diga que, se pesar as saquetas e se houver alguma com mais de 6 gramas, traz as douradas. Mas não sei… Agora, um cromo custar mil euros, isso para mim é tudo treta”, disse.
O fascínio pelos cromos Mas nem todos os vendedores e negociantes têm bancas no centro da capital. E há mesmo colecionadores que já viveram apenas para a atividade, tendo esta lhes metido o pão na mesa durante mais de um ano. Pedro Costa, de 42 anos, é um desses exemplos. Segundo o mesmo, é “o maior colecionador do país”.
Tudo começou com um quiosque em Lisboa, perto das Amoreiras, que passou de geração em geração até chegar a si. “Trabalhei nesse sítio durante 25 anos e foi precisamente aí que começou a minha grande paixão por cromos. Em pequeno fazíamos muitas trocas”, começou por contar ao i. Mas em 2020, o inesperado aconteceu. “Quando fomos obrigados a ficar em casa devido à pandemia, fechei o quiosque e nunca mais voltei a abrir”, continuou. Nos dois anos seguintes, esteve desempregado e, por isso, passava muito tempo em casa. Nessa altura, vivia praticamente dos cromos. “Comprava, trocava, vendia… Foram os cromos que me suportam, que meteram comida em cima da mesa”, revelou, explicando que há um cromo que é o “supra-sumo dos cromos” (procurado por toda a gente): o de 2002/2003 do Cristiano Ronaldo. “Se o cromo estiver em bom estado estamos a falar de valores muito elevados… Vi um anúncio uma vez no Facebook e estive uma semana de volta do rapaz. Ligava-lhe às duas da manhã, quatro da manhã. Acabei por ir buscar o cromo por 670 euros a Montemor-o-Novo e depois vendi por bem mais. Garantiu-me a vida durante uns tempos. Foi a mesma coisa do que aquilo que uma pessoa ganha em três ou quatro meses. Foi o que me deu mais margem de lucro”, detalhou. Pedro Costa dormiu com o cromo na mesa de cabeceira durante duas noites. “Aquilo não é um cromo, é uma peça de arte”, exclamou.
Aos cinco anos, saia da escola diretamente para o quiosque do avô, abria as saquetas, via o que lhe interessava… “Na altura haviam os brindes que valiam uma bola. A paixão pelo futebol sempre foi muito grande. Lembro-me de ter o bichinho de negociar… Trocava o Manuel Fernandes, o Bento, o Jordão… Nunca mais parei. Depois fui crescendo, mas não passava um dia sem que eu mexesse nos cromos. Fazia coleções, andava à procura. Claro que hoje é uma coisa muito mais fácil. As redes sociais ajudam muito”, garantiu. Para si, é fascinante relembrar figuras das quais tem boas lembranças: “Se fez um golo aqui, uma grande defesa ali. Fica sempre qualquer coisa. O Paulo Futre, o Luís Figo… Ao olharmos para os cromos vemos como eram antes e como estão agora. As alegrias que nos trouxeram”, acrescentou.
Interrogado sobre a quantidade de cromos que tem, Pedro Costa admite ser muito difícil contabilizá-los, contudo, segundo o mesmo, deve ter por volta de 10 milhões. “Toda a gente do mundo dos cromos me conhece e há um grupo de 200 ou 300 pessoas em Portugal que faz isto todos os dias. Agora, quando é um Mundial ou Europeu as coisas aumentam exponencialmente e aparece muita malta nova que depois dá trabalho”. Sabendo disso, Pedro põe os cromos em leilão. “Todos os dias faço leilões de cromos. Quem der mais fica com aquele lote!”, contou ainda.
Mas o tempo passa e a paciência diminui. Atualmente, já lhe aborrece colar cromos e, mesmo para abrir as “carteirinhas”, pede aos filhos, ou a alguém da família. “Na verdade, eles já não podem ver cromos à frente. Como faço isto em casa, a mesa de jantar, por exemplo, transforma-se num escritório. E tenho cromos em todas as partes da casa. Para a minha mulher, isto é um filme, mas quando o dinheiro entra na conta, percebe que é paixão e trabalho”, lamentou, afirmando que quando não tem nada para fazer, “coloca-se a ver as cadernetas e a relembrar os cromos”.
Para Pedro Costa, o mais fascinante é mesmo a troca, o convívio e a comunidade que se cria em redor da atividade. E são inúmeras as histórias caricatas que já lhe aconteceram. “Quando estava no quiosque e ajudava as pessoas a acabar coleções, tive ofertas de tudo e mais alguma coisa”, brincou. A dada altura, uma senhora – estávamos no Mundial 2018 -, que não fazia coleção e só queria ter os cromos da seleção e do Brasil, apareceu e pediu-lhe que lhe vendesse esses. “Tudo muito bem! Muito simpática deu-me 10 euros pelos cromos todos. Fui tomar café com ela em frente e – eu malandro -, meti-lhe os cromos todos no envelope, menos o Neymar, para ela me voltar a contactar”, contou. Assim foi… No dia seguinte a senhora ligou a pedir-lhe o cromo. “Eu disse-lhe que era um cromo difícil e que ia tentar arranjar, mas eu tinha dois ou três”, continuou gargalhando. A senhora disse-lhe ser massagista e ofereceu-lhe uma massagem em troca do cromo. “No dia a seguir fui fazer a massagem e dei-lhe dois Neymars. Claro que agora, cada vez que vejo o Neymar, lembro-me da massagem que levei”, rematou.
De troca em troca Tal como Pedro Costa, Filipa Cardoso, de 46 anos, formada em Química Aplicada/Biotecnologia, gosta de cromos desde pequena – paixão incutida pelos pais que lhe compravam cadernetas dos mais variados temas. “Lembro-me particularmente de uma caderneta de casas e trajes do mundo. Para meu desgosto, os cromos não eram autocolantes, tinha de se utilizar cola”, recordou. Nessa altura, os seus irmãos começaram a colecionar cadernetas de futebol: “A primeira que tenho em memória foi a do Mundial de 1982, que aconteceu em Espanha e cuja mascote era o Naranjito! Lembro-me bem do fascínio que era ver se saíam cromos que ainda não tivéssemos e de os colar na caderneta!”.
Mas a sua primeira compra foi em idade adulta, já com filhos pequenos. A caderneta de um Euro de futebol fê-la regressar à infância e desde esse momento, ainda não parou de colacionar. “Euros e Mundiais são a minha perdição”, frisou. Atualmente tem mais de 15, todas da Panini, e considerando que cada uma tem mais de 600 cromos, “é uma imensidão de cromos”. “Enriqueço anualmente a Panini!”, brincou. Para Filipa Cardoso, o verdadeiro fascínio está “em completar a caderneta”.
Todo o processo até atingir o objetivo é metódico, apesar de variado, entre compras, trocas com amigos, trocas nas redes sociais, trocas em centros comerciais, encontros com desconhecidos e dezenas de envios e receções de cartas pelos CTT, “mas o mais importante é mesmo chegar ao fim com a caderneta totalmente completa!”. No que toca a todo o processo, depois de muitas compras, quando já tem “um bom número de repetidos”, começa a “época das trocas”: primeiro com amigos, e depois através de redes sociais (Facebook) em grupos específicos e/ou em centros comerciais (em sessões programadas).
Segundo a mesma, a maior loucura que faz é encontrar-se com desconhecidos: “Encontramos pessoas impecáveis e todas possuem um gosto em comum. Lembro-me, por exemplo, de um ano em que me cheguei a encontrar com a mesma pessoa quatro vezes, variando o local! E lembro-me também de um sábado de manhã cedo em que me encontrei com quatro desconhecidos diferentes num parque de estacionamento de um centro comercial, com combinações marcadas com diferença de 10 minutos entre elas, e quando dei por mim, já estávamos os 5 todos a trocar cromos uns com os outros!”, exemplificou. Para Filipa, as dificuldades são sempre as mesmas – o dinheiro gasto e o tempo que se perde com as trocas. Esta já chegou a ter, em simultâneo, mais de 20 envios por CTT.
Os grupos de facebook Pedro Resende, professor do 1.º ciclo do Ensino Básico, de 46 anos, é o administrador do grupo de Facebook “Caderneta de Cromos – Mundial 2022”, criado em 2014, na altura do Mundial no Brasil. Segundo o mesmo, a página surgiu no sentido de aproveitar ao máximo o alcance das redes sociais para divulgar os cromos repetidos, os cromos em falta e combinar encontros com colecionadores de todos os pontos do país. “Chegou a haver vários encontros durante as coleções, inclusive nas ilhas”, sublinhou o professor.
A página e o grupo vão mudando de nome consoante a competição e, para si, o extraordinário é que o número de participantes continua a crescer, tendo neste momento mais de mil colecionadores. O docente tem todas as cadernetas desde o Euro 88, com exceção do Euro 96. “Cromos não os consigo contabilizar!”, afirmou. O gosto pelos cromos vem desde criança, no início dos anos 80. Fazia junto com o seu irmão a coleção das cadernetas do campeonato nacional de futebol, assim como de outras coleções, por exemplo da Disney. Apesar de não se lembrar da sua primeira compra, o professor do Ensino Básico lembra-se de ficar sempre muito entusiasmado quando o seu pai chegava a casa com saquetas de cromos. Até porque, segundo o mesmo, quando era criança “havia outras prioridades e nem sempre se podia comprar”. “Mas depois havia os amigos da escola que também colecionavam e passávamos o recreio a trocar e a colar”, contou.
Tal como Filipa, aquilo que mais gosta na atividade é o prazer de “ir enchendo a caderneta”, mas também ir conhecendo jogadores de outros países, muitos até desconhecidos. “A troca de repetidos é também um ritual que continua a ser o ponto alto para quem coleciona e tem o seu quê de experiência social”, acredita.
Pedro julga ainda ter alguma vantagem na troca de cromos devido à sua profissão uma vez que, sendo professor do primeiro ciclo, “existem vários alunos com uma quantidade razoável de repetidos, o que permite completar as coleções mais rapidamente”.
Relativamente ao valor que já gastou na sua coleção, o professor prefere “não pensar nisso”. Ao contrário dos vendedores, para si, até agora “decorre tudo normal como noutros anos”. “Até acho que está a ser mais fácil e menos stressante devido ao facto do Mundial pela primeira vez ser no final do ano e não em junho, o que nos permite maior margem de manobra”, explicou. Além disso, Pedro Resende faz questão de passar o gosto ao seu filho: “O meu filho está muito entusiasmado nesta coleção do Mundial de 2022, talvez até mais do que eu! O facto de alguns amigos dele também a fazerem ajuda muito e, lá está, dá-se a tal experiência social que mencionei atrás. Julgo que ele será também um colecionador”, perspetiva.
Um assunto latino-americano Em Aveiro, ao questionar vários proprietários de quiosques por toda a cidade, um assunto sobre os cromos é comum: a procura aumentou – sem haver, no entanto, registo de escassez – e muito graças ao crescimento da população emigrante, nomeadamente aqueles oriundos do Brasil e da Venezuela, onde a tradição da coleção de cromos é maior. Aliás, nos grupos criados nas redes sociais para trocar e vender cromos, a maioria dos utilizadores são emigrantes destes países residentes em Portugal. “Este ano houve mais procura, especialmente por causa dos brasileiros e dos venezuelanos”, revelou um proprietário ao i.
Antigamente A febre dos cromos não é, no entanto, moderna. Desde as décadas de 50 e 60 que, em Portugal, as crianças conhecem de cor e salteado este mundo. Desde então, no entanto, os moldes em que estes cromos são ‘conseguidos’ e colecionados tem vindo a mudar muito. Diga-se de passagem, por exemplo, que, nestas décadas, era através dos rebuçados vendidos nas mercearias que as crianças em Portugal tinham acesso aos mesmos, sendo que o cromo em si era o papel de embrulho dos rebuçados. Cada lata tinha, aliás, um cromo ‘especial’, muitas vezes guardado no fundo do recipiente – de forma a vender a grande parte do mesmo.
Este cromo, entenda-se, tinha um valor acrescido: dava direito a um prémio. Uma bola de cauchu cosida com corda, algo raro naqueles tempos, e que fazia todas as crianças sonhar em encontrar este raro cromo.
O i esteve à conversa com colecionadores de longa data, e entre eles, António (nome fictício) recorda a sua infância, altura em que começou a colecionar cromos, até aos dias que correm. Este ano, por exemplo, assim que começaram a ser vendidos os cromos do Mundial de 2022, investiu logo em três caixas inteiras, equivalendo a 150 pacotes de cromos. Um investimento inicial de 150 euros, estimando o colecionador, no entanto, que são necessários, pelo menos, 200 euros para completar a coleção… isto sendo otimista e acreditando que os cromos repetidos serão poucos, e que as negociações serão frutíferas.
O ‘vício’ começou em criança, por uma razão muito simples: “Todos os miúdos lá da escola o faziam. Não havia como estar de fora, e era divertido”. Ao longo dos anos, no entanto, a tradição não desapareceu, colecionando, desde então, estes cromos da bola.