Ativistas pelos direitos humanos no espaço pós-soviético, em particular na Bielorrússia, Ucrânia e Rússia, foram galardoados com o prémio Nobel da Paz este ano. O trabalho do bielorusso Ales Bialiatski, bem como da associação Memorial ou do grupo ucraniano Centro de Liberdades Civis é um tema que tem vindo há baila como nunca. Graças aos sonhos imperiais de Vladimir Putin, que invadiu a Ucrânia motivado pelo rancor com a perda do poder de Moscovo devido à queda da União Soviética.
No caso de Bialiatski, hoje com 60 anos, já luta por direitos humanos na Bielorrússia desde a década de 1980, quando o atual ditador, Alexander Lukashenko, era um mero vice-secretário-geral de uma quinta coletivizada. Bialiatski, um académico dedicado à literatura bielorrussa, envolvido num partido clandestino pela independência durante o período soviético, criaria o Centro de Direitos Humanos Viasna, que significa algo como “primavera”, para responder à repressão que se seguiu à subida ao poder de Lukashenko. Dedicando-se a apoiar manifestantes presos e as suas famílias lá fora, bem como a documentar o uso de tortura pelas autoridades da ditadura bielorrussa.
O próprio Bialiatski passaria boa parte do resto da sua vida sair e a entrar na prisão. Não poderá aceitar presencialmente o prémio Nobel por estar neste momento preso, tendo sido detido em 2021, durante a repressão dos protestos contra suspeita fraude eleições nas presidenciais. O ativista foi acusado de suposta fraude fiscal, não tendo sequer sido julgado até agora. Dias antes da sua detenção, denunciara na sua página de Facebook que as secretas de Lukashenko «estão a agir como um regime de ocupação». Lembrando que estavam a sair à rua «centenas de milhares de manifestantes por toda a Bielorrússia e centenas estão detidos».
Já antes de Bialiatski ganhar o prémio Nobel o regime bielorrusso estava no centro da agenda mediática, dado se tratar do mais próximo aliado do Kremlin e ter lançado ameaças contra a Ucrânia. Havia receios de que Lukashenko, que já permitira que forças russas atravessassem o seu território para atingir Kiev pelo norte, no início da guerra, somasse as suas próprias Forças Armadas à invasão.
É que o regime «está à procura de inimigos externos», apontou Svetlana Tikhanovskaia, líder da oposição e rival do ditador nas últimas eleições. Contudo, Lukashenko até perdeu controlo da situação militar na própria Bielorrússia, assegurou Tikhanovskaia perante o Parlamento Europeu, na quarta-feira. Considerando que as ameaças servem para justificar a presença das tropas russas de que o ditadura agora precisa para manter o poder. O facto de haver indícios de que militares russos até estão a ir buscar grandes quantidades de munições aos arsenais bielorrussos, notou o Instituto para o Estudo da Guerra, só reforçam essa percepção.
Enquanto isso, na Ucrânia, a associação galardoada com o Nobel da Paz continua as suas investigações, recolhendo provas dos crimes de guerra russos. O seu trabalho vai aumentando consoante as forças ucranianas vão libertando mais território – recentemente participaram na investigação em Izyum, a sudeste de Kharkiv, onde as autoridade anunciaram a exumação de quase quinhentos cadáveres, trinta deles com sinais de tortura.
Não que na Ucrânia, polarizada pela invasão, a ideia de partilhar um prémio com ativistas bielorrussos ou russos tenha caído bem a toda a gente. Mesmo que as associação russas laureada seja a Memorial, criada ela própria por um ativista com um prémio Nobel, Andrei Sakharov, dedicada a documentar as vítimas das perseguições estalinistas, boa parte das quais era ucraniana. Tendo a Memorial sido encerrada por ordem do Governo de Putin, que acusou esta associação de ter laços com agentes estrangeiros.
Ainda assim, para muitos, partilhar o Nobel entre antigas repúblicas soviéticas traz à memória a ideia de Russkiy Mir, ou “mundo russo”, que Putin usou para justificar a invasão. E «quanto mais forças ucranianos, russos e bielorrussos a estar nos mesmos espaços públicos, mais reforças este conceito e a narrativa de Putin», queixou-se a ativista de direitos humanos Valeriia Voshchevska, no Twitter.