A ausência de novidade numa demagogia persistente

No fim, vamos todos ter menos do que tínhamos no início de 2022, os nossos salários comprarão menos do que compravam e quem tem um crédito habitação já tem – e continuará a ter – uma dentada significativa do seu orçamento familiar consumida.

por Raquel Paradela Faustino
Jurista e membro da Direção Nacional do CDS-PP

Qual é a grande novidade neste orçamento de estado? Nenhuma, dentro do que já estaríamos à espera, mas temos mais uns quantos truques de magia e a manutenção do panorama global.

Poder-se-ia ter reduzido o IVA dos produtos alimentares essenciais para zero por cento, mas parece que isso beneficiaria apenas as grandes corporações. Poder-se-ia permitir a dedução dos juros dos créditos à habitação, cada vez mais altos, mas o Estado, que encaixa uma belíssima receita, não tem margem orçamental para isso e, ao invés, apresenta a hipótese de nos disponibilizar, durante poucos meses, algum dinheiro, mediante a diminuição da taxa de retenção na fonte em sede de IRS, mas que, afinal, ter-se-á sempre de pagar.

Numa verdadeira apresentação de propaganda e numa excelente ação de comunicação, Fernando Medina apresentou uma ilusão monetária como se fosse uma realização pessoal, mostrando ao país uma extraordinária consolidação orçamental, com a diminuição da divida publica, feito esse apenas alcançado devido ao aumento das receitas fiscais à custa da inflação. Pura e simplesmente devido à inflação. E qual é a sensação com que ficamos? Que, não obstante estes truques e formas de ação, já identificados por muitos, continua-se a aceitar este modus operandi do Governo. A postura de que se prefere a demagogia à explicação real e verdadeira das previsões de futuro, das medidas adotadas e do impacto das mesmas. Será porque, em geral, os contribuintes acreditam que a sua vida melhorará com algumas destas medidas? Será que a perceção de todos é afastada da realidade? Que a literacia destes conceitos constitui uma verdadeira barreira na perceção pela maioria da população? É cada vez mais evidente que a complexidade é intencional, que o Governo opta por este jogo de perceções para que seja possível a manutenção de dúvidas e a manipulação de uma narrativa que sabe que consegue fazer passar em alguns meios eleitorais. Quanto mais se repetir, quanto mais se pactuar, mais aceitável se torna esta falta de ética governativa.

O pouco que, em termos líquidos, se pode vir a poupar com as alterações de escalões para 2023, só se fará sentir em 2024, mantendo-se, pelo menos até lá, o tremendo esforço que todos estamos a sentir, ao mesmo tempo que tudo será consumido por uma inflação bem superior àquela que nos fazem crer que teremos.

No fim, vamos todos ter menos do que tínhamos no início de 2022, os nossos salários comprarão menos do que compravam e quem tem um crédito habitação já tem – e continuará a ter – uma dentada significativa do seu orçamento familiar consumida.

Concluindo e demonstrando que novidades não temos nenhumas, no fim do dia, o Estado consegue aumentar ainda mais a dependência sobre si, mantém-se a beneficiar os seus círculos de maiores apoiantes e termina a condicionar um pouco mais a gestão corrente das empresas, à luz das medidas anunciadas para estas, limitando a determinação do seu investimento e abrindo mais uma porta à ingerência da Autoridade Tributária no setor privado.