A man for all seasons

Lutar contra os aumentos da função pública, ou contra a atualização das pensões, ou contra a manutenção ou incremento da pressão fiscal, é lutar pela austeridade.

Talvez seja, mesmo, uma afirmação elogiosa. Certamente um exagero.

Mas a verdade é que descrição de Thomas More, feita por Whittington, poderia aplicar-se ao primeiro dos ministros.

Diz ela que se tratava de um homem que está pronto a viver com qualquer contingência e cujo comportamento é sempre apropriado para qualquer ocasião.

É o que fica desta agilidade com a qual muda de opiniões, amolece o rigor ideológico, contradiz orientações políticas.

Qual é o móbil? Abraçar o poder, mantê-lo, inventar um conceito prático de normalidade que oscile entre uma posição e o seu contrário.

Por exemplo.

Lutar contra os aumentos da função pública, ou contra a atualização das pensões, ou contra a manutenção ou incremento da pressão fiscal, é lutar pela austeridade.

Prolongar a perda de poder de compra de uns e outros e manter um diferencial de ‘surplus’ fiscal, é prudência.

Afirmar o valor da redução da dívida, o equilíbrio orçamental, a contenção da despesa, é uma violência inaudita.

Defender as boas contas, preparar o país para outros voos, não deixar resvalar a mesma despesa, é um ato de boa gestão.

Reduzir a tributação sobre as empresas é uma opção ideológica que visa prejudicar os trabalhadores.

Um orçamento amigo das empresas, promove o relançamento da economia.

Acabar com a privatização da TAP é defender uma empresa estratégica, evitar perder riqueza e prejudicar a atividade económica que à sua volta vive.

Defender a privatização da TAP é admitir que outras empresas darão melhor destino à sua vocação, é diminuir as responsabilidades do Estado, é evitar a sangria de dinheiros públicos, mesmo que entretanto se tenha perdido ou vá perder dinheiro.

Dir-se-ia que esta mudança se deve à particular situação da crise internacional, à guerra e as suas consequências e, muito particularmente à inflação e ao aumento das taxas de juro.

Discordo.

Trata-se, de facto de um caminho novo, de uma inflexão, de uma constatação de que os anos anteriores e as opções tomadas ficaram aquém, foram condicionadas, retrataram a dependência.

É, porém, adotado o contraponto numa conjuntura particularmente grave, num momento em que se antecipa como os novos tempos vão ser difíceis, como , no caso concreto, os portugueses vão sofrer, como as classes médias vão (outra vez) ser sacrificadas.

Hoje, atendendo ao que diz, o governo é o equilíbrio, é a criatividade, é a garantia dos mínimos.

Embora se perceba que quanto atribui agora não será repetível e se irá pagar a seguir e se desconfie da habilidade das soluções defendidas. O ano de 2022 pode muito bem, apesar da sua dificuldade, ser, comparativamente, um oásis ilusório e breve.

Ou seja, pode tudo correr muito mal, pode a confiança ser minada, pode o cansaço tomar os cidadãos, podem começar a pensar no engano.

Se assim for, o ‘man for all seasons’ será atropelado pela contingência e denunciado pelo comportamento.

Aí, o Presidente da República irá recordar que bem dizia que não tinha sido convencido apesar da sua boa vontade repetidamente afirmada.

O descontentamento tomará conta do cenário.

A descrição não será mais do que o título de uma peça de teatro.