Existem coisas que não conseguimos controlar na nossa vida e que às vezes nos levam a fazer pausas que nem sempre pretendíamos. Elvis Presley estava no seu pico de fama quando foi obrigado a servir no exército dos Estados Unidos da América, algo que também aconteceu a artistas como Tony Bennett. Agora, os sete membros que formam a banda de k-pop, BTS, vão também colocar uma pausa na sua carreira para cumprir o serviço militar no exército da Coreia do Sul.
O recrutamento dos membros desta boy-band tem sido um assunto de debate nacional. Muitos dos seus fãs esperavam que “dada a contribuição dos artistas para a economia sul-coreana e prestígio internacional, estes recebessem uma consideração especial das forças armadas”, escreve o Guardian, citando casos de “alguns proeminentes sul-coreanos” que foram prendados com isenções do exército, como Seong-jin Cho, o primeiro pianista coreano a vencer o Concurso Internacional de Piano Chopin, Son Heung-min, futebolista que joga pelo Tottenham Hotspurs, e diversos vencedores de medalhas dos Jogos Olímpicos e Asiáticos, assim como músicos e dançarinos clássicos premiados.
No entanto, membros do governo sul-coreano consideravam essencial a participação dos BTS nos seus deveres militares. No início deste mês, o comissário da administração de mão de obra militar, Lee Ki-sik, disse no parlamento que seria “desejável” que os membros da banda realizassem os seus deveres militares para garantir a justiça no serviço militar do país.
Dada o permanente estado de tensão com o vizinho do Norte – o regime militarista liderado pela dinastia Kim –, o serviço militar é obrigatório na Coreia do Sul, onde praticamente todos os homens aptos são obrigados a servir no exército por 18 meses aos 28 anos e recusar cumprir estas funções é considerado crime, podendo resultar na prisão e estigma social, tal como aconteceu com o ator e cantor Steve Yoo, que foi deportado e proibido de entrar no país, em 2002, quando se naturalizou cidadão americano de forma a evitar ser recrutado para o exército.
Apesar de todo o debate que surge em torno de se os músicos deviam ou não exercer funções militares, os membros dos BTS e a sua equipa mostraram-se entusiasmados com o seu futuro.
“A BIGHIT MUSIC orgulha-se de anunciar hoje que os membros da BTS estão a avançar com os planos para o cumprimento do serviço militar”, anunciou, esta segunda-feira, a agência do grupo através de uma nota partilhada nas redes sociais.
Esta revelação coincide com o aproximar do 30.º aniversário do membro mais velho do grupo, Kim Seok-jin, que irá começar a preparar-se para exercer as funções de militar no próximo mês.
“O membro da banda, Jin, iniciará o processo assim que a sua agenda para o lançamento do seu álbum a solo for concluída no final de outubro. Ele então seguirá o procedimento de recrutamento do governo coreano”, disse a BIGHIT, acrescentando ainda que os “outros membros do grupo planeiam realizar o seu serviço militar com base nos seus próprios planos individuais”.
Alteração da legislação e impacto na economia
Em 2020, o parlamento sul-coreano aprovou uma lei que permitia que os membros da maior banda de k-pop (ou seja, pop coreana) pudessem adiar os seus compromissos militares até aos 30 anos, assim como outras estrelas pop, desde que recebessem uma recomendação do ministro da Cultura.
Segundo a Lei de Serviço Militar revista, “um artista da cultura pop que foi recomendado pelo Ministro da Cultura, Desporto e Turismo pelos seus contributos para melhorar a imagem da Coreia dentro da nação e em todo o mundo” pode adiar o serviço até a idade de 30, cita a BBC.
Muitos fãs do grupo consideram que os BTS, o grupo mais rentável do mundo em termos de vendas há dois anos consecutivos e o primeiro grupo de k-pop a receber uma nomeação para um prémio Grammy, fizeram mais do que o suficiente pelo país para poderem ser dispensados do serviço militar.
Mas não são apenas os seus fãs que pretendem que o grupo continue longe das forças armadas e a fazer música: também poderosos empresários e legisladores estão atentos aos benefícios financeiros da banda à economia da Coreia do Sul.
Segundo um relatório do Hyundai Research Institute, feito em 2018, os BTS, banda formada em em 2010 e que já vendeu mais de 32 milhões de álbuns, contribuíram, todos os anos, com cerca de 3,39 mil milhões de euros (mais de 3,54 mil milhões de dólares) para a economia sul-coreana, o equivalente ao contributo de 26 médias empresas.
Esta decisão surge meses depois dos BTS terem anunciado que iriam fazer um hiato enquanto grupo de forma a concentrarem-se nas suas carreiras a solo, sendo apenas esperado que estes regressem enquanto banda em 2025, divulgou, num comunicado separado, a própria agência da banda.
No sábado, a banda reuniu-se na cidade de Busan para um concerto gratuito de apoio à candidatura da Coreia do Sul para receber a Exposição Mundial em 2030.
Apesar deste desfecho, o ministro da Defesa da Coreia do Sul, em agosto, sugeriu que o grupo ainda poderia realizar concertos ao vivo mesmo estando a realizar o seu serviço militar.
“Acho que pode haver uma fórmula para permitir que eles pratiquem enquanto estão no exército para permitir que atuem juntos, se houver algum espetáculo no exterior programado”, disse Lee Jong-sup.
Quando a carreira militar se coloca à frente dos nossos planos
Uma das histórias mais reconhecidas sobre artistas que tiveram de suspender a sua carreira para passar a exercer funções no exército é a de Elvis Presley. O rei do rock ‘n’ roll teve de suspender a sua maré de êxitos entre 1958 e 1960, ano em que recebeu dispensa por parte da reserva do exército dos Estados Unidos, e serviu como soldado, tendo sido transferido para a Alemanha, chegando ao cargo de sargento.
Antes de entrar no Exército, Presley era um dos mais controversos músicos, com muitos pais, líderes religiosos e professores a criticarem as músicas rock ‘n’ roll e as danças, consideradas obscenas, que fazia em concertos.
Apesar de ter sido oferecida ao músico a oportunidade de enveredar nos Serviços Especiais para entreter as tropas e residir em moradias prioritárias, Presley foi persuadido pelo seu agente, o Coronel Tom Parker, a servir como um simples soldado, o que lhe rendeu o respeito de muitos de seus colegas soldados.
O recrutamento do músico foi bem-vindo por este círculo mais conservador da sociedade, que, após Elvis ter abandonado o exército, passou a também a ouvir as suas músicas.
Outra lenda dos palcos que também fez parte das forças armadas, apesar de não ter interferido com a sua carreira musical, foi Jimi Hendrix.
O lendário guitarrista foi “convidado” a integrar o exército depois de ter sido apanhado pela polícia, em duas ocasiões, na posse de carros roubados. A alternativa era ser preso.
Alistado em maio de 1961, Hendrix realizou o treino de paraquedista numa divisão aérea no Kentucky e chegou a receber um prémio pelo seu desempenho, o prestigiado Screaming Eagles Award, em 1962. Contudo, não se revelou adequado para o serviço e acabou por ser dispensado seis meses depois. O músico chegou a fazer alguns concertos em bases militares.
Em entrevistas posteriores à experiência, Hendrix, que recebeu alta médica depois de partir o tornozelo num salto de pára-quedas, comparou os treinos militares ao “inferno” e denunciou os abusos cometidos.