Os carros da TAP

A administração da TAP revelou primeiro total falta de bom senso e depois má-fé. Para lá de todos os lamentáveis episódios que têm marcado a vida da transportadora aérea nos últimos anos, só faltava este para deitar mais lama sobre a empresa e os seus responsáveis.

A decisão tomada pela administração da TAP de substituir a frota automóvel foi, evidentemente, um ato desastrado.

Num momento em que a empresa enfrenta terríveis dificuldades, era óbvio que a renovação da frota, substituindo ainda por cima Peugeots por BMWs, seria uma guloseima para a comunicação social – e era o tipo de coisa que incendiaria as redes sociais.

Qualquer pessoa medianamente sensata perceberia isso. Aliás, o Presidente da República teve carradas razão quando falou de «bom senso».

Nem se tratava de uma questão financeira. O custo da operação seria sempre uma gota de água nas contas da TAP. Mas tinha um importante valor simbólico. Foi esta evidência que os administradores não foram capazes de ver.

E a emenda foi pior que o soneto, ao dizerem que tinham desistido da operação. Veio-se a saber que muitos carros já tinham sido entregues e que a desistência da compra dos outros implicaria uma pesada indemnização.

Aqui, houve má-fé. Tratou-se de uma tentativa de enganar as pessoas. Esta história deixa muito mal vista a administração da TAP, tanto na sua óbvia falta de sensatez como na posterior falta de seriedade, ocultando a verdade.

Para lá de todos os lamentáveis episódios que têm marcado a vida da TAP nos últimos anos, só faltava este para deitar mais lama sobre a empresa e os seus responsáveis.

É um caso perdido.

A existência de frotas de carros para os administradores e diretores das empresas, bem como para muitos cargos da administração pública, na atual dimensão, é uma mordomia relativamente recente.

Quando entrei para a direção do semanário Expresso, em 1983, nem o presidente do Conselho de Administração – o próprio Francisco Pinto Balsemão – tinha carro da empresa. Como era também administrador não executivo da Celbi (empresa de celulose, hoje chamada Altri), pediu como (única) retribuição um carro com motorista.

Eu, por maioria de razão, não tinha carro da empresa – o que só veio a acontecer uns anos mais tarde, em 1985 ou 86, e mesmo assim porque houve um automóvel que sobrou de um sorteio, ou coisa parecida, e entenderam presentear-me com ele. Era um Volkswagen Amazon, fabricado no Brasil, que por sinal se revelou muito mau.

Mas, nos anos seguintes, o fenómeno vulgarizou-se. Tornou-se habitual as empresas entregarem carros aos funcionários superiores.

Quando saí do Expresso, em 2006, toda a administração da empresa tinha carro, toda a direção do jornal (diretor, diretor-adjunto e subdiretores) tinha carro, e todos os diretores de departamento (diretor comercial, diretor financeiro, diretor de marketing, etc.) tinham carro.

E foi este o caminho seguido por muitas empresas em Portugal.

Os carros tornaram-se ‘um direito’, para administradores e diretores.

Longe vão os tempos em que Salazar tinha de pedir ao Presidente da República um carro para ir ao fim de semana ao Palácio de Belém, pois aos sábados e domingos não dispunha de motorista! Salazar, o todo-poderoso chefe da ditadura, não tinha carro aos fins de semana! E isto, note-se, já nos anos 50.

Mas mesmo mais tarde a austeridade manteve-se.

Marcello Caetano, quando era presidente da Câmara Corporativa, queixava-se de lhe tirarem o carro ao seu serviço quando o Parlamento encerrava para férias. Numa carta a Salazar, indignava-se dizendo que não fazia sentido ir à cerimónia de encerramento dos trabalhos da Câmara Corporativa de carro – e ter de voltar para casa de elétrico.

Eram tempos de austeridade e Salazar era um forreta. O rigor era levado ao extremo. Mas passámos do oito ao oitenta. As mãos largas a que hoje assistimos em muitas instituições também são um exagero. Um sinal de novo-riquismo.

Não sou miserabilista. A disponibilização de carros no setor privado e na administração pública já entrou nos hábitos, e nestas coisas é muito difícil voltar para trás.

Mas, ao menos, que o hábito seja bem gerido.

Em várias ocasiões, quando o carro que me estava atribuído pela empresa foi trocado, comprei-o e fiquei com ele para uso pessoal ou da família. E esses carros duraram ainda vários anos sem dar problemas. Significa isto que não há necessidade de as renovações de frota serem tão frequentes. Aliás, não deixa de ser chocante que os carros de pista do aeroporto, indispensáveis à operação da empresa, estejam a cair de podres, enquanto os carros dos administradores e diretores são trocados com grande regularidade.

Claro que se diz que assim se poupa dinheiro. A TAP afirmou que esta renovação da frota representaria uma poupança anual de 630 mil euros. Ora, todos sabemos como estas contas são feitas: à medida daquilo que se quer provar.

Só há uma forma até hoje conhecida de poupar dinheiro: não gastar.