Por José Bourdain, Presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados
Por vezes falo sobre este tema nos mais diversos contextos e muitas pessoas ficam chocadas com esta afirmação (a qual faço propositadamente para captar melhor a atenção e só mais tarde acrescento a palavra “infelizmente” explicando porque razão isto acontece).
Quando existem crises graves na economia, nomeadamente recessões, como aquela mais recente de que todos têm memória e que sofreram imenso com ela (o período em que o PS e o Primeiro-Ministro José Sócrates levaram o País à falência tendo de pedir assistência internacional àquela que ficou conhecida por Troika) a actividade económica abranda imenso, há empresas a fechar portas, há perda de emprego e a maioria das empresas, se não a totalidade, baixa os preços dos bens e serviços numa tentativa, por vezes desesperada, de manter os seus negócios. O que acontece é uma diminuição muito significativa da sua receita.
E o que acontece no sector social? A receita é praticamente igual (no que respeita aos valores a receber pelo Estado é 100% igual), apenas diminuindo a parte da receita proveniente das famílias uma vez que estas pagam consoante os seus rendimentos. Os custos para as IPSS diminuem por força da crise, há mais disponibilidade de mão-de-obra no mercado de trabalho, por força das dificuldades de muitas pessoas o Estado recorre ao sector social para apoiar mais, mas o salário mínimo bem como os restantes salários ficam estagnados ou mesmo diminuem por força da perda de regalias.
Em períodos de crescimento económico (ao contrário dos períodos de crise) em que, segundo o Sr. Primeiro-Ministro a “austeridade acabou em 2015”, seria suposto as IPSS viverem melhor, mas não é de todo o que acontece, pois com este Governo, desde 2015, que há uma enorme austeridade imposta ao sector social (área social/saúde/educação), uma verdadeira Troika Socialista/Comunista que se abateu sobre este sector. Passo a explicar:
1. Desde 2015 que o salário mínimo tem subido de forma muito significativa impondo assim um aumento de custos brutal às IPSS;
2. O Governo tem legislado no sentido de obrigar estes sectores a contratar mais recursos humanos por força de mais exigências legais sendo o caso mais grave o dos cuidados continuados;
3. Houve um aumento continuado, nos últimos anos, da Taxa Social Única em 2,7% sobre todo o universo salarial das IPSS;
Estes foram os aumentos de custos mais significativos pois existiram muitos outros. E do lado da receita, que aumentos existiram?!
Como denunciei noutro artigo https://regiao-sul.pt/opiniao/sector-social-indignacao/600026 o Estado não cumpre sequer com a legislação que produz nem os aumentos que assina com os representantes do sector social. Ou seja, o que quero reforçar é que nos 7 anos de Governo PS, apenas em 2 anos os aumentos do sector social foram suficientes para cobrir o salário mínimo e, naturalmente, tornando impossível aumentar os salários aos outros trabalhadores. No caso particular dos cuidados continuados, em 13 anos (2011 a 2022), apenas houve um amento de 2,2% em 2019, ou seja, como bem se compreende torna impossível aumentar salários e nem sequer se dignaram a dar verbas que permitisse suportar o aumento do salário mínimo.
Como demonstrei, a austeridade só acabou para os clientes/eleitores da esquerda, como por exemplo os funcionários públicos oficiais (nós somos os não oficiais), pois para nós foi precisamente o inverso.
A pergunta é: mas qual a lógica disto? Não deveria o sector social acompanhar a evolução da economia? Para dar mais e melhores condições aos seus utentes? E também aos seus trabalhadores através de um aumento de salários semelhantes aos da função pública (pois até ganham metade do que os seus congéneres)?
Mas não! O Governo entende que este sector tem de continuar a pagar salários miseráveis, a ter dificuldades na contratação e atracção de pessoas, a ter de desgastar física e psicologicamente quem lá trabalha até à exaustão pois uma pessoa tem de fazer o trabalho de duas, não permitindo capacidade financeira para contratar o pessoal indispensável ao bom funcionamento de qualquer organização.
O Governo entende que não só este sector deve depender em grande parte de donativos para funcionar (como se custos fixos e um orçamento pudesse ser feito com base em supostos donativos que podem ou não acontecer, sendo que o mais provável é não acontecer mesmo), como também acha que estas organizações só funcionam com enfermeiros, auxiliares de acção médica, ajudantes de apoio a pessoas com deficiência e idosos, terapeutas e psicólogos. O Governo acha que uma qualquer organização não precisa de juristas, contabilistas, administrativos, cozinheiros, ajudantes de cozinha, motoristas, pessoal de limpeza e lavandaria, etc. Se alguém tem dúvidas do que aqui afirmo basta consultar a legislação sobre este sector.
Insisto naquilo que já tenho comentado em intervenções públicas anteriores: o modelo de funcionamento deste sector tem de ser revisto:
a) As verbas para o sector social e dos cuidados continuados não constam do Orçamento de Estado;
b) É impossível às IPSS fazerem um orçamento com rigor pois nunca sabem se no ano seguinte o Estado vai ou não aumentar os valores que paga a estas organizações e, no caso de aumentar, não sabem quanto;
c) Em Janeiro do ano seguinte estão a suportar aumentos de custos elevados sem a sua componente respectiva de receita;
d) As verbas dos Cuidados Continuados provêm da receita do jogo gerado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e as do sector social são “os restos” que sobram de rúbricas do Orçamento da Segurança Social (para ser sincero nem sei bem pois não existe qualquer menção em lado nenhum em nenhuma rúbrica do Orçamento da Segurança Social);
e) As receitas das IPSS são variáveis pois a parte paga pelos clientes/famílias dos utentes são variáveis e dependem dos seus rendimentos. Há IPSS a funcionar em bairros onde vivem pessoas da classe média alta ou alta e que, regra geral, têm menos problemas financeiros logo têm uma receita superior àquelas que existem em bairros de famílias com rendimentos mais baixos, sendo que estas IPSS têm enormes dificuldades em cumprir com a sua missão, pois a sua receita é mais baixa. Qual a lógica disto, se a legislação a cumprir tem de ser igual e o serviço deve ter os mesmos padrões de qualidade?
f) E que dizer das IPSS que ficam em territórios de baixa densidade, que pagam mais caros os bens e os serviços e têm também custos mais elevados para atrair e remunerar os seus recursos humanos? Por que razão não recebem uma majoração do valor a pagar pelo Estado?
g) A legislação laboral em Portugal é inimiga do emprego e sobretudo dos bons trabalhadores pois defende, erradamente, os maus trabalhadores (os preguiçosos, que vivem de esquemas, os “profissionais” do fundo de desemprego, das baixas médicas e das tentativas de sacar indemnizações às seguradoras). Se esta legislação é errada em geral, é ainda mais no sector das IPSS em que são pessoas a trabalhar literalmente para cuidar de pessoas. E aqui deveria haver uma diferenciação, pelo menos, face à legislação em geral. O Governo e a esquerda em geral, tudo têm feito para forçar as empresas a contratar sem termo (os designados trabalhadores efectivos). Ninguém na sociedade fala sobre o chamado “elefante na sala”, ou seja, qual a principal razão porque uma empresa faz um contrato a termo certo? A resposta é: para além dos motivos óbvios (projecto temporário, substituição temporária de um colaborador ausente por férias, por baixa, etc.) é para avaliar o trabalhador (as suas qualidades pessoais e profissionais) e se este se ajusta aquele posto de trabalho. Porque infelizmente o código do trabalho protege tanto o “trabalhador que não quer trabalhar” ao ponto do período experimental ser insuficiente e os mecanismos para o despedimento por inadaptação ou por justa causa de despedimento serem muito difíceis de executar. Nas IPSS, e julgo que na esmagadora maioria das empresas, ninguém despede só porque sim, apenas precisa de ter a possibilidade de despedir quem não se enquadra e é com prazer que a maioria das pessoas fica efectiva (sem termo). Mais uma vez uma política errada que só prejudica o País e em particular este sector.
Por fim, a perseguição deste Governo e da esquerda a tudo quanto é sector privado, seja com ou sem fins lucrativos. Apenas para relembrar a perseguição aos colégios privados de todo o tipo de ensino, incluindo creches, ensino especial (crianças e jovens com deficiência) privado, centros de recurso para a Inclusão (apoio de IPSS a crianças e jovens com deficiência nas escolas), formação profissional a pessoas com deficiência, cuidados continuados, apoio a toxicodependentes, sem abrigo, etc. em que na maioria dos casos não actualiza comparticipações desde há muitos anos e as que actualiza, fá-lo com valores que são inferiores aos custos que o mesmo Governo inflige a estas organizações. E fá-lo porque há a tal agenda escondida (que tenho denunciado) que é acabar com estas organizações, levando-as a encerrar ao mesmo tempo que o sector público vai criando estruturas paralelas. É caso para dizer: que desperdício de recursos financeiros, materiais e humanos quando seria mais fácil a honestidade de nacionalizar este sector, mesmo que negociando essa nacionalização. Tudo, apenas e só, por preconceito ideológico.
Muito mais teria a dizer mas estes espaços de intervenção cívica não são infinitos. Termino com um pedido aos órgãos de comunicação social: que façam trabalhos mais profundos sobre este sector e que os divulguem pois infelizmente vivemos num País em que o que não aparece nas televisões (principalmente neste meio de comunicação) nem nos jornais e rádios, é como se não existisse. Com isso estariam a prestar um enorme serviço ao País mas também a si próprios pois, mais cedo ou mais tarde, nós ou familiares e amigos em diferentes momentos das nossas vidas, vamos sempre precisar de uma IPSS.