Podemos dizer que tanto já foi feito pelos direitos das mulheres e crianças em Portugal ao nível da violência doméstica: o crime de maus tratos foi criado em 1982 para menores, subordinados e cônjuges.
Em 2000, o crime de maus tratos passou a ser público.
Em 2007 foi criado um crime autónomo de violência doméstica, também público. Houve diretivas da PGR relativas à necessidade de avaliação de risco e à recolha de prova em 72 horas. Houve a consciencialização da necessidade das medidas de proteção. Há mais articulação com ONG.
É muito mais frequente a utilização dos depoimentos para memória futura. O crime de violência doméstica abrange já maus tratos psicológicos e podem ser arguidos pessoas não unidas pelo matrimónio, ex-cônjuges e ex-unidos de facto. As crianças que assistem são agora consideradas vítimas.
Consequências? Em vez de uma média de 40 mulheres assassinadas temos agora metade. Em vez de esperarem 20 anos antes de se decidirem a sair da relação abusiva, agora as mulheres só suportam dois a três anos. Tudo isto graças ao trabalho, incansável de juristas, penalistas, ativistas e até juízas grandes defensoras dos direitos das mulheres e das crianças, tais como a Dra Teresa Féria, Dra Dulce Rocha ou a Dra Clara Sottomayor. São todas motivo de inspiração para mim e para o meu trabalho.
No entanto este ano, já morreram 24 mulheres em contexto de violência doméstica. A última, de que tenhamos conhecimento, foi Susana Sousa, de apenas 41 anos, que foi agredida brutalmente com um machado. Esta guerra contra mulheres, crianças e idosos, que começa em casa, é o espelho das nossas sociedades.
Quando observamos os números, vemos que ainda existe muito por lutar. E sempre nos mesmos sítios. Não será culpado um magistrado/a que não aplica medidas de coação adequadas para um homem que comete violência doméstica sobre a mulher com hipótese de a matar, e que por fim acaba por fazê-lo?
Com tanto trabalho feito, alertas, gritos e lacunas mexidas e resolvidas, não deviam estar os nossos magistrados/as mais do que formados, adaptados e obviamente responsabilizados pela destruição de dezenas de famílias? Não dando medidas de proteção efetivas, continuando a bater na mesma tecla das penas suspensas, relativizando a violência doméstica… Não se tornará isto numa maneira de cometer o crime, dia após dias, mês após mês, ano após ano?
Falamos de cifras negras atrás de cifras negras, mas a verdade é que a justiça e a falta da mesma acontece dentro da sala dos tribunais. Apesar de tentarmos, por todos os meios, combater este terrível flagelo, não podemos forçar, nem queremos, nenhum magistrado a convencer os outros de que os tempos que vivemos dentro das salas de tribunal são de uma tristeza absoluta e de uma injustiça extrema para os direitos das mulheres e crianças em Portugal.
Estes direitos, depois de anos de homicídios horrendos, de famílias destruídas e crianças aterrorizadas, deviam chegar para que a lei fosse justa e implacável na hora de proceder à defesa dos direitos de todos os sobreviventes de violência doméstica. Não é aceitável que uma criança esteja neste momento a ser forçada a ter contactos com o progenitor que tentou matar a sua mãe. Não é aceitável ou sequer desculpável: o tribunal da Figueira da Foz está a forçar uma adolescente de 14 anos, que assistiu à tentativa de homicídio da mãe pelo próprio pai, a encontros semanais com o progenitor.
As perícias feitas, no ano passado, ao pai, confirmam que este tem problemas de alcoolismo e agressividade, mas o tribunal não teve isso em linha de conta e responsabiliza a mãe por não incentivar a menina a estar com o progenitor.
Perante, tal tragédia, palavras, para quê?