GUAYAQUIL – Basta vê-los espalhados pelas ruas da cidade, sentados nos comedores, escorrupichando cerveja pelos botecos, para perceber que os adeptos do Athletico estão felizes, mais ainda, orgulhosos desta presença do seu clube na final da Taça dos Libertadores que se disputa esta tarde no Estádio Monumental Isidro Romero Carbo, que por via das inevitáveis negociatas tem como registo oficial, pelo menos para já, Estádio Monumental Banco Pichincha, às 15h00 de aqui, à beira do Pacífico, quando as temperaturas andarem a rondar os 30º. Luiz Felipe Scolari dizia ontem, iluminando ainda mais o optimismo paranaense, que sendo a final decidida num jogo só aumentam as possibilidades de vitória da sua equipa que, inequivocamente, não tem o poderio individual de um Flamengo rico, ansioso por recuperar o troféu que nos dois últimos anos tem ido parar às mãos do rival paulistanoPalmeiras, quase atirando para as valetas do olvido aquela época extraordinária que teve a assinatura bem portuguesa de Jorge Jesus.
Actual sexto classificado do Brasileirão, o Athletico vive à razoável distância de dez pontos de atraso do Flamengo, que é terceiro, e que está a dias de ver o Palmeiras de Abel Ferreira festejar o título de campeão brasileiro. Fundado em Curitiba, capital do Estado do Paraná, no dia 26 de Março de 1924, após a fusão entre o Internacinal Foot-ball Club e o América Futebol Clube, o Athletico não perdeu aquele seu agá tão característico que rescende às suas origens britânicas vindas dos amigos de um tal de Joaquim Américo Guimarães, o homem que criou o Internacional em 1912, um anglófilo e apaixonado pelo jogo dos ingleses, que viria a avançar para a união com os vizinhos do América após um firme “shake-hands” com Augusto do Rego Barros, um fulano mais liberal, que acreditava que o mesmo jogo dos ingleses já pertencia mais aos brasileiros do que aos homens que vivem na Grande Ilha para lá da Mancha. E assim veio ao mundo O Furacão. como lhe chamam.
O sonho de cristal feito ferro
Convenhamos que não é fácil distinguir, aí pelas ruas, os adeptos de um e de outro clube. O vermelho e o negro misturam-se. Mas sabemos como são diferentes a história de ambos. De como o Flamengo é um dos maiores dos maiores do mundo e de como o Athletico só uma vez ganhou o campeonato brasileiro, em 2001, só conquistou uma Copa do Brasil, em 2009, mas ainda assim conta como bonito registo continental de duas Copas Sul Americanas (2018 e 2021) e de como já atingiu uma final da Taça dos Libertadores, em 2005, perdendo para o São Paulo, com os resultados de 1-1 na primeira mão, jogada no Estádio da Beira Rio, em Porto Alegre, e de 0-4, no Morumbi, em São Paulo. O sonho estilhaçou-se nessa noite como se fosse feito de cristal e, por isso, Luiz Felipe Scolari não perde a hipótese de atirar para longe a enorme desilusão do Morumbi teimando que disputar uma final solitária, ao seu estilo bem preferido de ‘mata-mata’, muda o estado das coisas e, principalmente, mexe com o estado de espírito dos seus jogadores.
Conheci pela primeira vez Luiz Felipe Scolari numa conferência de imprensa em Yokhoama, no Japão, na véspera da final do Mundial de 2002. Do outro lado do mundo; do outro lado do tempo. Já se passaram entretanto, quem diria, vinte anos. Pois, confirma-se: os dias passam devagar, os anos é que passam depressa. Um ano mais tarde, comecei a trabalhar com Felipão na selecção portuguesa de futebol, e a nossa amizade cimentou-se, sempre carinhosa e sempre fraterna, depois de tanto que vivemos juntos, de momentos incrivelmente felizes que alegraram o país triste durante o inimitávelEuropeu de 2004, àquela facada tão dolorosa que foi a derrota frente à Grécia, dia 4 de Julho, a dor azul de Portugal, como diria outro amigo profundo, Manuel Alegre.
Faz parte da vida de jornalista olhar para os acontecimentos de forma isenta e descrevê-los aos seus leitores da maneira mais fiel que consiga reproduzi-los. Mas também não há jornalismo sem alma e sem sentimento. Não poderia escrever aqui – seria uma mentira de perna curta – que não desejo para o meu irmão Luiz Felipe Scolari um momento grande, feliz e bonito neste seu final próximo de carreira – e pode tornar-se no primeiro treinador a conquistar a Libertadores por três clubes diferentes. Não me peçam para não estar a seu lado enquanto o jogo decorrer e de não me alegrar com a sua alegria e de me não entristecer com a sua tristeza, conforme o que suceder. Mas o tempo ensinou-me que escrever com o coração também é escrever de mão dada com a verdade.