Brasil está divido entre gritos de alegria e lágrimas, no rescaldo da mais estreita vitória numas eleições presidenciais desde o regresso à democracia, há quase quarenta anos. Ao ser derrotado, Jair Bolsonaro, que obteve 49,1% dos votos válidos, tornou-se o primeiro Presidente a não ser reeleito desde então. E deixou para trás um Congresso Nacional cheio dos seus aliados, que também conquistaram postos de governador em estados tão influentes como São Paulo, onde venceu Tarcísio de Freitas, visto como potencial delfim do bolsonarismo. Algo que fará a vida do novo Presidente, Inácio Lula da Silva, muito complicada.
“O Brasil não é para principiantes”, já escrevia o cantor Tom Jobim, expoente da Bossa Nova. Lula, a caminho da sua tomada de posse, a 1 de janeiro, terá de iniciar do zero os trabalhos para a transição. Está por apurar sequer qual o estado real das contas públicas, dado que a anterior administração não fez quaisquer preparativos, falar de uma eventual derrota de Bolsonaro até “era considerado um tabu nos bastidores”, avançou a Folha de S. Paulo.
“A partir de amanhã”, avisara Lula logo no domingo à noite, perante o mar de gente em festa reunido na Avenida Paulista, em São Paulo, “tenho que começar a me preocupar como é que a gente vai governar esse país”. Estando por se saber se colocará à frente desse processo petistas – como Gleisi Hoffmann, presidente do partido, e o chefe de campanha, Aloizio Mercadante – ou o seu vice-presidente, Geraldo Alckmin, fundador do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Algo que poderá dar uma ideia do peso que os novos aliados de Lula terão no seu Governo.
Antes disso, é preciso ter noção de quão teimosa será a obstrução bolsonarista. “Preciso saber se o Presidente que nós derrotamos vai permitir que haja uma transição”, salientou Lula, com a voz ainda mais rouca que o costume, após tanta celebração.
Os gritos dos seus apoiantes – “Lula ladrão, roubou meu coração”, é dos mais populares – surgiam entre cerveja barata a rodos e churrascos improvisados na Avenida Paulista, no típico estilo brasileiro, algo que se sucedeu um pouco por todo o país. Enquanto muitos apoiantes do Presidente-eleito faziam questão de vestir camisolas da seleção ou enrolar-se em bandeiras do Brasil, marcadas com autocolantes de Lula, tentando reclamar um símbolo que ficara associdado aos bolsonaristas ao longo dos últimos quatro anos.
Medo e silêncio Já na Barra da Tijuca, um próspero bairro à beira mar no Rio de Janeiro, o cenário era de desânimo entre a maré pintada de amarelo e verde que se reuniu nos arredores do Condomínio Vivendas da Barra. Aqui, no lar do clã Bolsonaro, não parecia haver grande vontade de contestar as eleições, ao contrário do que prometia o Presidente durante a campanha.
Quando um repórter do Estadão viu um ativista a subir para um carro de som, gritando que não aceitaria a “fraude eleitoral”, a resposta foi silêncio, poucas mãos no ar e aplausos, enquanto outros iam embora lavados em lágrimas.
Já Bolsonaro, que aparecera confiante e sorridente com a sua família na manhã de domingo, acompanhou a noite eleitoral até ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dar a contagem como fechada, perto das 19h (23h em Portugal continental). E depois disso “foi dormir cedo”, contaram fontes do Globo.
No dia seguinte Bolsonaro manteve-se em silêncio mais de 15 horas, sem nunca admitir que tinha sido derrotado. Deixando muita gente com os nervos à flor da pele, questionando-se se o Presidente não estaria a manter em aberto a opção de não reconhecer os resultados enquanto tentava manobrar. Tendo-se dirigido ao Palácio do Planalto logo de manhã, reunindo com o seu filho, Flávio Bolsonaro, com o seu ajudante de campo, o tenente-coronel Mauro Cid, bem como com o seu vice na candidatura, o general Walter Braga Netto.
Mais de 20 horas após a derrota, teve de ser um dos filhos do Presidente, Flávio, a ir a público animar as hostes. “Obrigado a cada um que nos ajudou a resgatar o patriotismo, que orou, rezou, foi para as ruas, deu seu suor pelo país”, escreveu o senador federal do Rio de Janeiro no Twitter. “Vamos erguer a cabeça e não vamos desistir do nosso Brasil”, garantiu. Enquanto o seu pai recusava reunir com os seus aliados, ou sequer atender-lhes o telemóvel.
Mesmo no seio da família Bolsonaro, havia especulação sobre eventuais ruturas, após ser notado que a conta de Instagram da mulher do Presidente, Michelle, deixou de seguir o marido, pouco após se saber da sua derrota eleitoral. Também deixara de seguir um dos filhos deste, Carlos, com quem a primeira-dama mantinha uma relação tempestuosa, avançou a Veja.
O assunto tornou-se foco de piadas virais nas redes sociais, até por Michelle ter sido uma presença frequente na campanha de Bolsonaro. Este tentou criar a imagem de uma esposa fiel e obediente, que joga muito bem com eleitorado evangélico. Estando Michelle ao lado do Presidente quando este gritou em plenos pulmões: “imbrochável, imbrochável”. Um neologismo que significa algo como: “não sofre de disfunção erétil, não sofre de disfunção erétil”.
Michelle seria a primeira do clã Bolsonaro a quebrar o silêncio após a derrota, citando um salmo. “Louvai ao senhor todas as nações, louvai-o todos os povos”, postou a primeira-dama no Instagram. Explicando, quanto à polémica de deixar de seguir o marido, que não era este que geria as suas contas nas redes sociais. “Eu e o meu esposo seguimos firmes, unidos”, prometeu.
Aliados abandonam o barco Para Bolsonaro, pior do que eventuais quezílias familiares são os aliados que começavam a abandonar o barco do negacionismo eleitoral. Se o Presidente brasileiro procurava forças que lhe permitissem disputar a legitimidade das eleições, o cerco ao Planalto parecia fechar-se a cada hora que passava.
Durante todo o dia, os únicos que mostravam vontade de não aceitar os resultados eleitorais eram camionistas. Esta classe profissional que tem sido associada ao bolsonarismo – também protagonista de movimentos negacionistas da covid-19 no Canadá e Estados Unidos – bloquearam estradas em pelo menos onze estados brasileiros. Camionistas foram filmados a incendiar pneus, ao som do hino nacional, enquanto associações do setor tentavam acabar com os protestos, desdobrando-se em comunicados de imprensa.
Se ativistas bolsonaristas se desdobravam em apelos de apoio aos camionistas nas redes sociais, na esfera política a história era bem diferente. Mesmo o novo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, prometeu cooperar com o Governo federal.
Tarcísio – que teve a mais significativa vitória bolsonarista nas eleições de domingo, derrotando o próprio delfim de Lula, Fernando Haddad, por uns expressivos 55,27% – era apontado como potencial sucessor do Presidente como líder do bolsonarismo. Mas mostrou-se consciente que tem o futuro de um estado com quase 45 milhões de habitantes na mão, recusando entrar em choque com o novo Presidente.
“Para que a gente possa fazer política pública para o estado de São Paulo, vai ser fundamental o alinhamento e o entendimento com o governo federal”, lembrou Tarcísio. A expectativa é que o novo governador enfrente pressão dos setores mais linha dura do bolsonarismo, avaliam politólogos aos Estadão, tendo de ir buscar quadros de perfil técnico ou da direita tradicional para governar o estado.
No que toca ao ex-juiz Sérgio Moro, antigo ministro da Justiça e em tempos ícone bolsonarista, também veio admitir a derrota. “Democracia é assim”, reagiu Moro, logo domingo à noite. prometendo oposição a Lula. Mas talvez não da maneira que o Presidente desejasse.
No que toca ao potencial de Bolsonaro para recusar a legitimidade das eleições, mais significativo ainda talvez seja o reconhecimento do resultado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. É conhecido como o principal operador político do Centrão – um grupo informal de deputados, não ideológicos, que se mostram dispostos a negociar com quem quer que tenha o poder nas mãos a troco de benesses – e viu na primeira ronda das eleições o grupo engordar sob a alçada de Bolsonaro, controlando cerca de metade dos lugares eleitos.
Agora, Lira – talvez o único capaz de trazer um número significativo de deputados federais e dirigentes locais para o lado do Presidente derrotado, dado ser apontado com a eminência parda do chamado “orçamento secreto”, que sorrateiramente, ao longo dos últimos anos, distribuiu financiamento pelos círculos eleitorais dos deputados fiéis ao Governo – prepara-se para a nova era, o mandato de Lula.
“Tudo que for feito daqui para frente tem que ter um único princípio: pacificar o país”, salientou Lira, numa conferência de imprensa. “É hora de desarmar os espíritos, estender a mão aos adversários, debater, construir pontes”, continuou. Lembrando que “é preciso ouvir a voz de todos, mesmo divergentes”.
Alianças difíceis De facto, Lula trás consigo uma abundância de experiência na construção de coligações – desta vez teve que se estender como nunca. Indo buscar apoio até de empresários que noutros tempos detestariam ter este antigo sindicalista como Presidente.
“Foi a primeira vez que votei no Lula e no PT”, admitiu Roberto Klabin, acionista da fabricante de papel e celulose Klabin, à Folha de S Paulo, desapontado com Bolsonaro e contente por o candidato petista ter sido “obrigado a se aproximar mais do centro, não ficou preso ao universo do PT”, notou.
Já o empresário Fabio Barbosa, presidente da multinacional Natura&Co e ex-presidente do Santander Brasil e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), acrescentou que “a prioridade número um agora é detalhar o seu programa econômico, definir quais são os nomes da equipe econômica e como vai endereçar a questão fiscal”. No entanto, há dúvidas que o programa económico desejado por estes empresários seja compatível com as ambições da esquerda brasileira, que também foi essencial para a curta vitória de Lula.
A esquerda manda na América Latina O regresso ao poder de Inácio Lula da Silva “abre um novo tempo para a história da América Latina”, garantiu o seu vizinho Alberto Fernández, Presidente da Argentina. Não foi o único a celebrar na América Latina, onde agora a esquerda está na mó de cima, após anos de refluxo e domínio da direita, mais alinhada com os EUA.
Vizinhos como o México, Argentina, Peru, Colômbia e Chile já estavam nas mãos da esquerda e centro-esquerda, enquanto países como Cuba, Nicarágua e Venezuela mantêm regimes de esquerda autoritária. Com o Brasil, a grande potência regional, a ser governada por Lula, antevê-se a formação de um novo eixo político no continente.
No entanto, este processo poderá não ser de perto nem de longe tão ambicioso como se viu com a maré cor de rosa dos anos 2000. Dado que “assim como Lula, que venceu com 50,8% dos votos válidos, os demais governantes lideram países rachados internamente, sem margem para mudanças bruscas”, apontava a G1. Lula “contudo, tem a seu favor a vantagem de promover o diálogo e a conciliação”, avaliava. ”Não por acaso, a grande maioria dos líderes regionais, independentemente do viés ideológico, celebrou a sua vitória”.
Aliás, foi uma tendência que se viu por todo o planeta. Tendo a vitória de Lula o condão de ser celebrada na Europa, por figuras como Rishi Sunak, Olaf Scholz ou Emmanuel Macron, bem como em Washington por Joe Biden. Tendo Lula sido parabenizado de Kiev até Moscovo.
“Confio numa colaboração ativa com um amigo da Ucrânia de longa data e no reforço da parceria estratégica”, apelou Volodymyr Zelesnky, numa mensagem escrita em português no Twitter. Já Vladimir Putin mostrou-se seguro do “desenvolvimento maior da cooperação construtiva entre Rússia e Brasil em todos os âmbitos”.
“Situação delicada poderá comprometer o crescimento do país”
O Brasil acumulou nos primeiros nove meses um défice nominal nas contas públicas de 304,7 mil milhões de reais (57,5 mil milhões de euros), ou seja, 9,7% a mais face entre janeiro e setembro de 2021, segundo o Banco Central. Os gastos públicos superaram as receitas em 888,522 milhões de reais (167,5 mil milhões de euros), valor recorde para o período e quase três vezes superior ao deste ano, o que fez com que o défice saltasse para o equivalente a 16,28% do PIB.
Mas os próximos tempos não vão ser fáceis para o novo Presidente brasileiro. Ao i, Henrique Tomé, analista da XTB lembra que, além da atual conjuntura económica e os problemas sociais que continuam a agravar-se no país, o Brasil vê-se numa situação especialmente delicada que poderá comprometer o crescimento do país. “O nível de dívida soberana continua a aumentar, em grande parte devido ao período da pandemia. Mas mais preocupante é sim a dívida externa do Brasil que tem aumentado substancialmente. Os EUA são o maior credor e a forte valorização do dólar em relação ao real brasileiro coloca o país numa situação delicada, sendo que este ponto deverá condicionar o crescimento do país a médio e longo prazo”.
Ainda assim, chama a atenção para o facto de o país estar a beneficiar dos aumentos dos preços das matérias-primas que têm contribuído para impulsionar alguns setores, que consequentemente têm apoiado as fortes projeções do PIB para este ano. Um cenário que poderá mudar, “assim que os preços das matérias-primas começarem a corrigir”. Henrique Tomé diz ainda que o mandato de Jair Bolsonaro não foi suficiente para medir o desempenho da economia brasileira dado o cenário atípico da covid que influenciou todos os dados dos indicadores económicos. “Em termos económicos, dada as atuais circunstâncias, torna-se difícil fazer projeções. Contudo, os escândalos em que Lula da Silva esteve envolvido irão certamente assombrar o mandato dos próximos quatro anos”.
Credibilidade é prioridade Também Eduardo Boechat, analista da ActivTrades, garante que do ponto de vista prático, o próximo Governo tem vários desafios, em que o primeiro passará por dar alguma credibilidade para o mercado, com o anúncio dos ministros da área económica. “O debate económico durante a campanha foi muito pobre de lado a lado, e há muitas dúvidas que foram deixadas sem resposta. Lula disse várias vezes que é contra a lei do Teto de Gastos, mas sem ser muito explícito sobre como pretende administrar as contas públicas. Também disse que é contra a reforma trabalhista, que foi um sucesso total, diminuindo o número de processos na Justiça do Trabalho e aumentando o interesse dos empresários em contratar novos funcionários”, refere ao i.
E lembra ainda que o futuro Governo terá um congresso nacional mais hostil e boa parte do Orçamento já comprometido para 2023. “Bolsonaro tinha a agricultura como grande representante e pode também ser uma dificuldade. Lula tem a seu favor o facto de ser extremamente pragmático e muito hábil nas articulações políticas. Conta com o apoio, mesmo que oculto, do setor financeiro e com o apoio da maioria dos países europeus, EUA e China. Acredito que as eleições brasileiras têm muitas coincidências com a última eleição nos EUA, entre Trump e Biden, inclusive com o mesmo resultado eleitoral. É importante Lula tomar as decisões o mais rápido possível, para que sua popularidade não caia rapidamente, como aconteceu com Biden”, salienta. S.P.P.
Lula da Silva.“O povo quer livros em vez de armas”
Meus amigos e minhas amigas.
Chegamos ao final de uma das mais importantes eleições da nossa história. Uma eleição que colocou frente a frente dois projetos opostos de país, e que hoje tem um único e grande vencedor: o povo brasileiro.
Esta não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nessa campanha. É a vitória de um imenso movimento democrático que se formou, acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora.
Neste 30 de outubro histórico, a maioria do povo brasileiro deixou bem claro que deseja mais – e não menos democracia.
Deseja mais – e não menos inclusão social e oportunidades para todos. Deseja mais – e não menos respeito e entendimento entre os brasileiros. Em suma, deseja mais – e não menos liberdade, igualdade e fraternidade em nosso país.
O povo brasileiro mostrou hoje que deseja mais do que exercer o direito sagrado de escolher quem vai governar a sua vida. Ele quer participar ativamente das decisões do governo.
O povo brasileiro mostrou hoje que deseja mais do que o direito de apenas protestar que está com fome, que não há emprego, que o seu salário é insuficiente para viver com dignidade, que não tem acesso a saúde e educação, que lhe falta um teto para viver e criar seus filhos em segurança, que não há nenhuma perspetiva de futuro.
O povo brasileiro quer viver bem, comer bem, morar bem. Quer um bom emprego, um salário reajustado sempre acima da inflação, quer ter saúde e educação públicas de qualidade.
Quer liberdade religiosa. Quer livros em vez de armas. Quer ir ao teatro, ver cinema, ter acesso a todos os bens culturais, porque a cultura alimenta nossa alma.
O povo brasileiro quer ter de volta a esperança.
É assim que eu entendo a democracia. Não apenas como uma palavra bonita inscrita na Lei, mas como algo palpável, que sentimos na pele, e que podemos construir no dia-a-dia.
Foi essa democracia, no sentido mais amplo do termo, que o povo brasileiro escolheu hoje nas urnas. Foi com essa democracia – real, concreta – que nós assumimos o compromisso ao longo de toda a nossa campanha.
E é essa democracia que nós vamos buscar construir a cada dia do nosso governo. Com crescimento econômico repartido entre toda a população, porque é assim que a economia deve funcionar – como instrumento para melhorar a vida de todos, e não para perpetuar desigualdades.
A roda da economia vai voltar a girar, com geração de empregos, valorização dos salários e renegociação das dívidas das famílias que perderam seu poder de compra.
A roda da economia vai voltar a girar com os pobres fazendo parte do orçamento. Com apoio aos pequenos e médios produtores rurais, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam às nossas mesas.
Com todos os incentivos possíveis aos micros e pequenos empreendedores, para que eles possam colocar seu extraordinário potencial criativo a serviço do desenvolvimento do país.
É preciso ir além. Fortalecer as políticas de combate à violência contra as mulheres, e garantir que elas ganhem o mesmo salário que os homens no exercício de igual função.
Enfrentar sem tréguas o racismo, o preconceito e a discriminação, para que brancos, negros e indígenas tenham os mesmos direitos e oportunidades.
Só assim seremos capazes de construir um país de todos. Um Brasil igualitário, cuja prioridade sejam as pessoas que mais precisam.
Um Brasil com paz, democracia e oportunidades.
Minhas amigas e meus amigos.
A partir de 1º de janeiro de 2023 vou governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existem dois Brasis. Somo um único país, um único povo, uma grande nação.
Não interessa a ninguém viver numa família onde reina a discórdia. É hora de reunir de novo as famílias, refazer os laços de amizade rompidos pela propagação criminosa do ódio.
A ninguém interessa viver num país dividido, em permanente estado de guerra.
Este país precisa de paz e de união. Esse povo não quer mais brigar. Esse povo está cansado de enxergar no outro um inimigo a ser temido ou destruído.
É hora de baixar as armas, que jamais deveriam ter sido empunhadas. Armas matam. E nós escolhemos a vida.
O desafio é imenso. É preciso reconstruir este país em todas as suas dimensões. Na política, na economia, na gestão pública, na harmonia institucional, nas relações internacionais e, sobretudo, no cuidado com os mais necessitados.
É preciso reconstruir a própria alma deste país. Recuperar a generosidade, a solidariedade, o respeito às diferenças e o amor ao próximo.
Trazer de volta a alegria de sermos brasileiros, e o orgulho que sempre tivemos do verde-amarelo e da bandeira do nosso país. Esse verde-amarelo e essa bandeira que não pertencem a ninguém, a não ser ao povo brasileiro.
Nosso compromisso mais urgente é acabar outra vez com a fome. Não podemos aceitar como normal que milhões de homens, mulheres e crianças neste país não tenham o que comer, ou que consumam menos calorias e proteínas do que o necessário.
Se somos o terceiro maior produtor mundial de alimentos e o primeiro de proteína animal, se temos tecnologia e uma imensidão de terras agricultáveis, se somos capazes de exportar para o mundo inteiro, temos o dever de garantir que todo brasileiro possa tomar café da manhã, almoçar e jantar todos os dias.
Este será, novamente, o compromisso número 1 do nosso governo.
Não podemos aceitar como normal que famílias inteiras sejam obrigadas a dormir nas ruas, expostas ao frio, à chuva e à violência.
Por isso, vamos retomar o Minha Casa Minha Vida, com prioridade para as famílias de baixa renda, e trazer de volta os programas de inclusão que tiraram 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza.
O Brasil não pode mais conviver com esse imenso fosso sem fundo, esse muro de concreto e desigualdade que separa o Brasil em partes desiguais que não se reconhecem. Este país precisa se reconhecer. Precisa se reencontrar consigo mesmo.
Para além de combater a extrema pobreza e a fome, vamos restabelecer o diálogo neste país.
É preciso retomar o diálogo com o Legislativo e Judiciário. Sem tentativas de exorbitar, intervir, controlar, cooptar, mas buscando reconstruir a convivência harmoniosa e republicana entre os três poderes.
A normalidade democrática está consagrada na Constituição. É ela que estabelece os direitos e obrigações de cada poder, de cada instituição, das Forças Armadas e de cada um de nós.
A Constituição rege a nossa existência coletiva, e ninguém, absolutamente ninguém, está acima dela, ninguém tem o direito de ignorá-la ou de afrontá-la.
Também é mais do que urgente retomar o diálogo entre o povo e o governo.
Por isso vamos trazer de volta as conferências nacionais. Para que os interessados elejam suas prioridades, e apresentem ao governo sugestões de políticas públicas para cada área: educação, saúde, segurança, direitos da mulher, igualdade racial, juventude, habitação e tantas outras.
Vamos retomar o diálogo com os governadores e os prefeitos, para definirmos juntos as obras prioritárias para cada população.
Não interessa o partido ao qual pertençam o governador e o prefeito. Nosso compromisso será sempre com melhoria de vida da população de cada estado, de cada município deste país.
Vamos também reestabelecer o diálogo entre governo, empresários, trabalhadores e sociedade civil organizada, com a volta do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
Ou seja, as grandes decisões políticas que impactem as vidas de 215 milhões de brasileiros não serão tomadas em sigilo, na calada da noite, mas após um amplo diálogo com a sociedade.
Acredito que os principais problemas do Brasil, do mundo, do ser humano, possam ser resolvidos com diálogo, e não com força bruta.
Que ninguém duvide da força da palavra, quando se trata de buscar o entendimento e o bem comum.
Meus amigos e minhas amigas.
Nas minhas viagens internacionais, e nos contatos que tenho mantido com líderes de diversos países, o que mais escuto é que o mundo sente saudade do Brasil.
Saudade daquele Brasil soberano, que falava de igual para igual com os países mais ricos e poderosos. E que ao mesmo tempo contribuía para o desenvolvimento dos países mais pobres.
O Brasil que apoiou o desenvolvimento dos países africanos, por meio de cooperação, investimento e transferência de tecnologia.
Que trabalhou pela integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe, que fortaleceu o Mercosul, e ajudou a criar o G-20, a UnaSul, a Celac e os BRICS.
Hoje nós estamos dizendo ao mundo que o Brasil está de volta. Que o Brasil é grande demais para ser relegado a esse triste papel de pária do mundo.
Vamos reconquistar a credibilidade, a previsibilidade e a estabilidade do país, para que os investidores – nacionais e estrangeiros – retomem a confiança no Brasil. Para que deixem de enxergar nosso país como fonte de lucro imediato e predatório, e passem a ser nossos parceiros na retomada do crescimento econômico com inclusão social e sustentabilidade ambiental.
Queremos um comércio internacional mais justo. Retomar nossas parcerias com os Estados Unidos e a União Europeia em novas bases. Não nos interessam acordos comerciais que condenem nosso país ao eterno papel de exportador de commodities e matéria prima.
Vamos re-industrializar o Brasil, investir na economia verde e digital, apoiar a criatividade dos nossos empresários e empreendedores. Queremos exportar também conhecimento.
Vamos lutar novamente por uma nova governança global, com a inclusão de mais países no Conselho de Segurança da ONU e com o fim do direito a veto, que prejudica o equilíbrio entre as nações.
Estamos prontos para nos engajar outra vez no combate à fome e à desigualdade no mundo, e nos esforços para a promoção da paz entre os povos.
O Brasil está pronto para retomar o seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a Floresta Amazônica.
Em nosso governo, fomos capazes de reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia, diminuindo de forma considerável a emissão de gases que provocam o aquecimento global.
Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia
O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva. Uma árvore em pé vale mais do que toneladas de madeira extraídas ilegalmente por aqueles que pensam apenas no lucro fácil, às custas da deterioração da vida na Terra.
Um rio de águas límpidas vale muito mais do que todo o ouro extraído às custas do mercúrio que mata a fauna e coloca em risco a vida humana.
Quando uma criança indígena morre assassinada pela ganância dos predadores do meio ambiente, uma parte da humanidade morre junto com ela.
Por isso, vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia, e combater toda e qualquer atividade ilegal – seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida.
Ao mesmo tempo, vamos promover o desenvolvimento sustentável das comunidades que vivem na região amazônica. Vamos provar mais uma vez que é possível gerar riqueza sem destruir o meio ambiente.
Estamos abertos à cooperação internacional para preservar a Amazônia, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania.
Temos compromisso com os povos indígenas, com os demais povos da floresta e com a biodiversidade. Queremos a pacificação ambiental.
Não nos interessa uma guerra pelo meio ambiente, mas estamos prontos para defendê-lo de qualquer ameaça.
Meus amigos e minhas amigas.
O novo Brasil que iremos construir a partir de 1º de janeiro não interessa apenas ao povo brasileiro, mas a todas as pessoas que trabalham pela paz, a solidariedade e a fraternidade, em qualquer parte do mundo.
Na última quarta-feira, o Papa Francisco enviou uma importante mensagem ao Brasil, orando para que o povo brasileiro fique livre do ódio, da intolerância e da violência.
Quero dizer que desejamos o mesmo, e vamos trabalhar sem descanso por um Brasil onde o amor prevaleça sobre o ódio, a verdade vença a mentira, e a esperança seja maior que o medo.
Todos os dias da minha vida eu me lembro do maior ensinamento de Jesus Cristo, que é o amor ao próximo. Por isso, acredito que a mais importante virtude de um bom governante será sempre o amor – pelo seu país e pelo seu povo.
No que depender de nós, não faltará amor neste país. Vamos cuidar com muito carinho do Brasil e do povo brasileiro. Viveremos um novo tempo. De paz, de amor e de esperança.
Um tempo em que o povo brasileiro tenha de novo o direito de sonhar. E as oportunidades para realizar aquilo que sonha.
Para isso, convido a cada brasileiro e cada brasileira, independentemente em que candidato votou nessa eleição. Mais do que nunca, vamos juntos pelo Brasil, olhando mais para aquilo que nos une, do que para nossas diferenças.
Sei a magnitude da missão que a história me reservou, e sei que não poderei cumpri-la sozinho. Vou precisar de todos – partidos políticos, trabalhadores, empresários, parlamentares, governadores, prefeitos, gente de todas as religiões. Brasileiros e brasileiras que sonham com um Brasil mais desenvolvido, mais justo e mais fraterno.
Volto a dizer aquilo que disse durante toda a campanha. Aquilo que nunca foi uma simples promessa de candidato, mas sim uma profissão de fé, um compromisso de vida:
O Brasil tem jeito. Todos juntos seremos capazes de consertar este país, e construir um Brasil do tamanho dos nossos sonhos – com oportunidades para transformá-los em realidade.
Mais uma vez, renovo minha eterna gratidão ao povo brasileiro. Um grande abraço, e que Deus abençoe nossa jornada”.