por Carlos Encarnação
Há uma extraordinária vocação dos governos socialistas portugueses para reinventar a roda, para, definindo um objetivo, deixar o tempo correr e perder-se no labirinto das revisões, dos estudos, da viabilidade.
Até agora, o mais próximo exemplo seria o do aeroporto de Lisboa.
Depois de avanços e recuos, de juras da decisão próxima, de querelas sobre a localização, gerou-se a falsa ideia de estar iminente.
O ministro, ele mesmo, avançou em campo aberto sem cobertura política e em jeito de desafio.
Foi o desastre.
Mas o primeiro dos ministros percebeu o erro e fê-lo engolir as suas palavras.
Num ato exemplar de abertura democrática, chamou o maior partido da oposição a terreiro.
Queria dividir com ele a responsabilidade, dizia. Promovendo a solidez da decisão, o PSD desempenharia o papel da antiga farinha amparo.
Evidentemente que o processo voltou atrás.
Novos adiamentos necessários e prazos se anunciaram.
Incapaz de resolver, teve um momento de triunfo, juntou no mesmo barco outro potencial responsável.
Ameaçando entre dentes, porém.
Se não conseguir chegar a acordo o governo decidirá.
Reinventou, portanto.
Há poucos dias conseguiu alcançar nova proeza, desta vez com requintes de sabor europeu.
A generalidade dos portugueses sabe que existia e existe um problema conducente a fazer-nos não beneficiar das vantagens da produção da eletricidade europeia e da impossibilidade dos europeus beneficiarem dos resultados das nossas energias renováveis.
O que seria legítimo querermos? Comprar mais barato, vender em melhores condições.
Em 2018, numa cimeira realizada em Lisboa, França, Espanha e Portugal, conseguiram pôr-se de acordo.
Assinaram um projeto acabado, com montantes definidos, com financiamento assegurado pela União Europeia, que ligaria os três países através de infraestruturas a construir no Golfo da Biscaya e nos Pirenéus.
O que mudou entretanto? A titularidade de dois dos governos participantes, o português e o espanhol.
Quem permaneceu? O Presidente francês.
E foi justamente este que, influenciado pelo regulador francês e pela indústria nuclear, começou a contestar o acordo assinado.
Que ele era bom, não deixavam os outros dois governos de o dizer. E tantas vezes e de tal maneira que a comunicação social reproduzia uma série de iniciativas de luta e a conquista do apoio da Alemanha, para cumprimento do acordado.
Eis senão quando, o momento inevitável acontece.
A França declara a sua posição irredutível.
E a verdade é que as várias abordagens públicas pareciam dar notas da sua quase cedência.
Assim não foi.
Uma reunião a três rasga o anterior acordo incumprido e anuncia outro.
Grande espavento, grande vitória, grande êxito.
Afinal o que se consegue é um gasoduto entre Barcelona e Marselha para transportar o hidrogénio verde e o gás.
Quais são os problemas?
Não tem o acordo definido o financiamento assegurado nem prazos. Continuará por mais de trinta anos a transportar gás, diz o Dr. António Costa. Não temos as condições de gerar o hidrogénio verde, não há água dessalinizada. Há perigos de impacto nas tarifas do gás, diz o Ministro do Ambiente.
Tudo isto considerado, o PSD exerceu o seu direito à crítica democrática.
Pediu para ver o acordo escrito, pediu esclarecimentos, denunciou o afastamento do mais conveniente ao país.
O dr. Costa foi curto e grosso. Mais grosso que curto.
Aeroporto e gasoduto. Todos diferentes, todos iguais.