por Carlos Carreiras
Termino esta semana com o segundo artigo baseado no meu contributo para o livro Vinte anos de Orçamentos Participativos em Portugal 2002 – 2021, com o título Em Cascais, todos cuidamos do território.
O Orçamento Participativo (OP) é, na verdade, um destruidor de mitos.
O primeiro mito é o de que os cidadãos estão afastados do processo político. Em dez anos, e só em Cascais, foram investidos 45 milhões de euros em 198 projetos propostos por 16529 pessoas e decididos por 457.863 votantes.
Isto é democracia em movimento.
Os cidadãos querem envolver-se, querem participar, querem encontrar formas de mudar a sua rua, o seu bairro, a sua cidade e o seu país. O dever dos eleitos não é lamentar a abstenção. Esta é, em muitos casos, um ato político. O dever dos políticos, dizia, é encontrar mecanismos alternativos de participação que sirvam os cidadãos.
O segundo mito é o de que as mulheres têm menos predisposição para a vida pública/política. É falso. As sessões de participação, os encontros preliminares onde os participantes apresentam pela primeira vez as suas propostas em público e arregimentam apoios para a sua causa, são lideradas sobretudo por senhoras: 52%.
O terceiro mito é o de que as prioridades de despesa e os orçamentos não podem ser realinhados pelos cidadãos. Podem. Devem. Em dez anos, os cascalenses reafectaram 45 milhões de euros. Canalizaram estas verbas sobretudo para a requalificação de edifícios e espaços públicos, para o desporto, para a segurança e proteção civil e para a educação.
Apesar da grande diversidade de áreas, foi sobretudo nestas que se centraram as propostas dos munícipes. Porque a palavra ‘participativo’ não é apenas um apêndice da palavra ‘orçamento’, convém sublinhar que OP em Cascais não está refém de grupos de interesse: 90% dos proponentes só apresentaram um só projeto.
O quarto e último mito, que o OP Cascais ajuda a desfazer, é o de que a administração é fechada. Um dos mais extraordinários subprodutos do OP é o restabelecimento dos laços de cooperação e confiança entre os corpos técnicos e administrativos e os cidadãos. Ele é uma ponte entre a vontade e o sonho dos cidadãos e a capacidade e competência das equipas municipais. A infusão de novas ideias e a diversidade de métodos trazidos pelas pessoas, muda para melhor os processos internos, cria uma cultura de exigência e um dever de transparência permanente.
Em 2011, a CMC não poderia adivinhar que o OP Cascais se transformaria no maior orçamento participativo do país e um dos maiores da Europa. Foi, sem dúvida, um ponto de viragem na forma como a autarquia se relaciona com os munícipes, abrindo a porta para a priorização dos problemas e a definição de prioridades de investimento público municipal.
Tenho tido a felicidade e o orgulho de, em Cascais, liderar uma comunidade que muito rapidamente tomou posse dos princípios da democracia participativa e colaborativa.
É essa experiência adquirida, é essa cultura democrática ancorada em cada cidadão e organização da sociedade civil que nos permite funcionar em rede, confiar nos outros, saber que enquanto eu cuido da comunidade há alguém do outro lado do concelho a fazer exatamente o mesmo, para que nenhum esforço seja em vão.
O OP está a fazer mais pela reinvenção da democracia e pela participação cidadã do que dezenas de inflamados discursos pela liberdade. Cada vez mais os orçamentos participativos escoam nas nossas ruas a música eterna: ‘O povo é quem mais ordena/ dentro de ti, ó cidade!’.