Por Maria Moreira Rato e Felícia Cabrita
A Entidade Reguladora da Saúde abriu um inquérito à troca de cadáveres, e cremação indevida de um deles, ocorrida na morgue do Hospital de Faro. O cadáver que foi cremado, em vez de um sem-abrigo de nacionalidade inglesa, é de uma cidadã francesa e o caso só foi descoberto porque a família se apresentou no hospital, para levar o cadáver para o seu país.
Os membros do conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) – que é composto pelas unidades de Faro, Portimão e Lagos – anunciaram esta segunda-feira que colocaram os seus cargos “à disposição”, na sequência da revelação do caso e prometem também fazer um inquérito: “O Centro Hospitalar Universitário do Algarve abriu um inquérito interno, depois de ter sido detetada uma falha grave na morgue, ocorrida no passado dia 03 de novembro, que gerou uma troca na identificação dos corpos de dois doentes falecidos no Hospital de Faro”, lê-se no comunicado enviado às redações. A situação “levou a que um dos corpos fosse indevidamente recolhido pela agência funerária para cremação, tendo esta já ocorrido”.
Os administradores juram que todos os protocolos e regras de segurança são cumpridos pela morgue, mas a troca de corpos teve contornos sinistros e levanta muitas dúvidas: a senhora francesa acabara de falecer e foi parar ao crematório, enquanto o outro corpo era de um sem-abrigo que já estava na morgue há algum tempo sem que a família o procurasse.
O hospital informou as famílias, sem dar muitos pormenores, e publicamente afirma: “Lamentamos este grave incidente e às famílias afetadas apresentamos as mais profundas desculpas e condolências, acompanhando-as neste momento de dor, agravado pela perturbação das exéquias dos seus entes queridos”. A administração assegura ainda que o procedimento de confirmação e verificação da identidade dos doentes que perdem a vida “obedece a várias normas de segurança, bem definidas na instituição, pretendendo o inquérito apurar os factos que estiveram na origem do erro e implementar alterações que se afigurem como necessárias”.
Mas, além deste, existem outros casos que, no mínimo, dão que pensar. Trata-se do suicídio de Luís Manuel Labiza, de 68 anos, que morreu em agosto, depois de ter sido internado na sequência aparentemente da queda de uma árvore, circunstância que já indiciava que poderia querer pôr termo à própria vida. O seu historial exigia redobrados cuidados, vigilância apertada, na medida em que era um homem deprimido e sofria de ansiedade e insónia. Contudo, na enfermaria da Cirurgia com seis camas, ficou perto da janela e não da entrada – como é habitual fazer-se com os doentes que apresentam risco de atentar contra a própria vida ou a dos restantes doentes – e os puxadores das janelas não foram retirados, uma prática que o hospital segue. O homem livrou-se dos drenos e da algália e abriu a janela, lançando-se da mesma.
Esperava-se que depois de o caso ter ocorrido a administração tentasse evitar que a situação se repetisse. Mas as aparências, por vezes, tomam o lugar das boas práticas. “O hospital devia ter pegado no manual de procedimentos do SNS e a administração, em vez de os introduzir em todos os serviços, não fez nada”, conta a fonte do Hospital de Faro. “Em vez disso, abriu um processo de inquérito interno e contratou uma firma de advogados para inquirir todas as pessoas que tiveram contacto com o doente para apurarem quem passou a informação ao i”.
Também no final de outubro, soube-se que o Hospital de Faro estaria a usar resguardos de cão e de gato nos utentes e doentes internados naquela unidade. As denúncias terão partido de utentes, que contactaram a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco. Em declarações à CNN Portugal, a responsável terá dito que se trata de “resguardos de cão e gato”, “resguardos educativos – que funcionam para animais”. “Não sei sequer se estão testados para humanos e chegaram a serviços do Hospital de Faro para serem usados por doentes”, adiantando que, em causa, estará o serviço de neurocirurgia.
“Para as pessoas é uma questão de dignidade. Eu não sei se são mais baratos, se foram eventualmente oferecidos, mas é uma questão de dignidade”, sublinhou, sendo que garantiu que encaminharia a situação para o ministro da saúde, Manuel Pizarro, para compreender o que aconteceu. Já o Hospital de Faro, em declarações à CNN, referiu que os materiais que a administração adquire para os tratamentos são unicamente dedicados à administração em meios hospitalares, mas que se deu uma falha de abastecimento, ou seja “uma rutura de stock dos produtos corretos”. No entanto, terá sido aberta uma “averiguação interna” para compreender este caso.