Kiev negou ontem ter sido alvo de pressão do Ocidente para que negoceie com o Kremlin, após o Washington Post avançar que a Casa Branca estaria a insistir nisso. Talvez porque se antevê que Joe Biden possa perder controlo do Congresso nestas eleições intercalares (ver texto ao lado) e muitos republicanos são menos entusiásticos quanto ao apoio financeiro e militar à Ucrânia. Ou então porque as forças russas parecem sob mais pressão que nunca – algo que poderá mudar à medida que mais recrutas apanhados na mobilização militar parcial cheguem à linha de frente, após o expectável congelamento das ofensivas devido ao inverno – e isso poderia fazer com que o Kremlin negociasse numa posição de desvantagem.
Ainda assim, no que toca ao Governo ucraniano, o ponto de partida para quaisquer negociações continua a ser a retirada das tropas russas de todo seu território, garantiu Mykhailo Podalyak, conselheiro de Volodymyr Zelensky. Incluindo áreas que a Rússia ocupou desde 2014, como a Crimeia.
Uma retirada russa daqui é tão improvável que a posição de Kiev é lida como uma recusa em negociar. “Putin está pronto? Obviamente que não”, declarou Podalyak à rádio Svoboda. “Falaremos com o próximo líder”, continuou, explicando que uma trégua permitiria ao regime russo tempo para rearmar, reabastecer-se dos mísseis de longo alcance que lhe começam a escassear, modernizar as suas forças, invadir de novo. E resultando no “mesmo ultimato”.
“Ninguém está a forçar a Ucrânia a entrar numa negociação que não seria proveitosa, ou melhor, a aceitar o ultimato da Rússia”, assegurou o conselheiro de Zelensky. No entanto, começavam a chegar alguns sinais da preocupação de Washington, que esta terça-feira admitiu manter comunicações de alto nível com o Kremlin, garantindo que não foi discutido um eventual acordo de paz, tendo as conversações servido apenas para evitar uma escalada nuclear.
A questão é que, se a Ucrânia não puder contar com o entusiasmo dos seus aliados na NATO, arrisca perder as remessas de armamento que lhe permitiram travar a invasão. Por agora, essa torneira continua aberta, tendo Kiev ainda esta segunda-feira recebido uma remessa de defesas antiaéreas Nasam, enviadas pela Noruega e pelos Estados Unidos, enquanto os nossos vizinhos espanhóis enviaram mísseis Aspide, de fabrico italiano.
“Muito obrigado”, agradeceu o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, no Twitter. “Estas armas irão reforçar significativamente o exército ucraniano e tornar os nossos céus mais seguros”, garantiu.
Já as forças russas têm-se dedicado a fortificar o território conquistado, numa transição de operações ofensivas para defensivas, mostrando como a situação se inverteu desde fevereiro. Duas fábricas em Mariupol, ocupadas após uma das mais ferozes batalhas desta guerra, têm sido usadas para produção de obstáculos, revelou o ministério da Defesa britânico, na terça-feira. Fabricam sobretudo os chamados “dentes de dragão”, triângulos de betão feitos para travar tanques e veículos militares.
Estes dentes de dragão, em conjunto com arame farpado, surgem cada vez mais nos arredores de Mariupol, mas também em Zaporíjia e Kherson. “Esta atividade sugere que a Rússia está a fazer um esforço significativo para preparar defesas em profundidade atrás da sua atual linha da frente”, explicou o ministério da Defesa britânico. Algo que “provavelmente atrasará quaisquer avanços rápidos ucranianos”, alertava.