Para quem conhece, não restarão dúvidas: Newcastle upon Tyne, de seu nome completo, é uma cidade com uma personalidade notável. As suas noites de sexta-feira são tidas como das mais agitadas de Inglaterra (fora de Londres, claro!). Na brincadeira, há quem diga que a zona compreendida entre Cleyton Street e Pilgrim’s Street é o lugar em que as raparigas podem andar de manga curta e minissaia durante o Inverno, tão próximas são as portas dos pubs umas das outras. Eu, que já lá estive várias vezes, confirmo o dichote. E confirmo que St. James Park é um dos estádios mais impressionantes da Grã-Bretanha, um estádio que merece ser o palco de uma grande equipa. Foi para isso mesmo que, no final da última época, um fundo saudita, encabeçado por Mohammad bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, comprou o clube pela ninharia de 300 milhões de libras. Subitamente, um vento de esperança juntou ao vento gelado que costuma soprar do Mar do Norte e percorrer como um fantasma de braços frios as ruas da velha Newcastle. Neste momento em que a Premier League se prepara para a interrupção obrigatória por via do Campeonato do Mundo de 2022 (não deixa de ser curioso que, beneficiando de investimentos absolutamente milionários por parte de homens influentes dos países do Golfo, se levantem tantas vozes críticas em relação à disputa de um Mundial nessa zona do mundo – enfim, bem a europeia, interessam-nos as vantagens e não as desvantagens, fazendo tábua rasa do velho princípio romano ubi comoda ibi incomoda) o Newcastle United, que recebe hoje à tarde (17h30) o Chelsea, encontra-se num agradável terceiro lugar na classificação, apenas com Arsenal e Manchester City à sua frente, com um ponto de vantagem sobre o quarto, o Tottenham (e por exemplo cinco de vantagem sobre o Chelsea e sete sobre o Liverpool), isto é, traçando seguramente a sua rota em direção ao objetivo principal de estar presente na próxima Liga dos Campeões.
Investimento curioso
Ao contrário do que se poderia pensar, o Newcastle – treinado por Eddie Howe, que teve o ponto mais alto da sua carreira no Bournemouth – gastou muito dinheiro mas não avançou para grandes estrelas. Nomes como os de Fabian Schär, Jamaal Lascelles, Jamal Lewis, Kieran Trippier, Dan Burn, Javier Manquillo, Miguel Almirón, Jonjo Shelvy ou Joelinton não parecem ser suficientemente excitantes para fazer seja quem for marcar com antecedência lugar nas bancadas de St. James ou em frente ao aparelho de televisão. Sobram os mais sonantes Bruno Guimarães e Alexander Isak. Estamos para ver se devolverão ao velho clube do norte de Inglaterra – nascido em 1892, graças à fusão do Newcastle East End Football Club e do West End Newcastle Football Club – à sua dinâmica de ‘The pride of the Toon’.
Toon é, claro, town. Mas a expressão está embrulhada num sotaque das docas, por assim dizer, próprio dos geordies, os habitantes da região. Geordie, nome que carimba os naturais de Newcastle, também se alarga à linguagem falada pelos originais anglo-saxões que ocuparam a zona, juntando-se aos pictos para combaterem as legiões romanas. «Eras sobre era se somem/no tempo que em eras vem», escreveu Pessoa na Mensagem. Longas foram as era em que o Newcastle United sofreu de um complexo de pequenez muito impróprio para quem é, de direito próprio e arduamente conquistado, um dos grandes clubes de Inglaterra, movido por uma popularidade francamente fora do vulgar. Afinal estamos a falar dos Magpies (Corvos, como também são conhecidos), campeões de Inglaterra em 1904-05, 1906-07, 1908-09 e 1926-27 e vencedores da Taça de Inglaterra em 1909-10, 1923-24, 1931-32, 1950-51, 1951-52 e 1954-55, além de igualmente conquistadores da velha Taça das Cidades com Feira na época de 1968-69, único troféu internacional do clube. Os geordies já contam com duas presenças na Liga dos Campeões, por acaso consecutivas, nas épocas de 2002/03 e 2003/04, ainda Hugo Viana vestia a camisola das riscas pretas e brancas na vertical. E o seu último jogo para as competições europeias contou para os quartos-de-final da Liga Europa: em 2013, em casa, frente ao Benfica. Vitória encarnada por 3-1.