Portugal é o sexto país mais seguro do mundo, segundo o Global Peace Index 2022. Por isso, é natural que quem cá vive fique surpreendido de cada vez que um crime hediondo acontece. Habituamo-nos a vê-los nas séries ou documentários criminais, talvez até os associemos a países distantes como os EUA, México e Brasil, onde tudo parece possível. Ontem, o pesadelo chegou a Vila Nova de Santo André, uma pequena cidade verde, na idílica Costa Vicentina, Litoral Alentejano.
Nos cafés, lojas e ruas, não se fala de outra coisa. Ao contrário do que acontece na maioria destas situações – em que rapidamente se esquece o lado bom da pessoa depois de cometer um crime desta natureza -, os moradores não conseguem associar a jovem educada, tímida, mas simpática, à mãe que matou o próprio filho com dezenas de facadas.
A TRAGÉDIA Ainda os estabelecimentos estavam a abrir e já circulavam rumores de que algo terrível havia acontecido durante a madrugada. “Uma jovem de 20 e tal anos matou o filho de um ano e três meses à facada”, ouvia-se. No bairro do Pinhal, a presença das autoridades fazia com que as pessoas parassem e fizessem perguntas para tentar perceber o que realmente tinha acontecido.
Faltava um nome e um rosto. Porém, como sempre acontece na maior parte das cidades pequenas, não demorou muito até que os habitantes de Santo André ficassem a saber de quem se tratava. Luana Silva, de 23 anos, assassinou o filho, Isaac, com várias facadas, recorrendo a facas de cozinha. “Nunca pensei. Quando penso nela só penso em coisas boas. Estou muito mal-disposta”, afirma Sandra (nome fictício) ao i. “ Não acredito. Não tenho mesmo palavras. Estou incrédula”, revela Olívia (nome fictício).
O homicídio ocorreu na madrugada de domingo para segunda-feira. Apesar de ainda não ter sido revelado o contexto da tragédia, de acordo com alguns vizinhos, a jovem saiu de casa por volta das 5h30 aos gritos: “O Diabo está ali. Já o matei!”, gritava em alto e bom som. Antes do macabro acontecimento, durante a noite, outros moradores admitem ter ouvido os gritos do bebé. Contudo, ninguém ligou para as autoridades.
Da mesma forma, uma vizinha relata que na noite de domingo, às 22h30, Luana estava sentada com Isaac ao colo, nas escadas do prédio, a cantar de uma maneira estranha: “Estava a cantar muito alto e via-se que alguma coisa não estava bem”, reconhece. Achou estranho porque a jovem frequentava muito o jardim do bairro e foi sempre bastante meiguinha com a criança.
Outros moradores e pessoas que por ali passavam a essa hora viram Luana cantar com o filho ao colo. Porém, mais uma vez, ninguém abordou a jovem, para perceber se estava tudo bem. “Filmaram-na desconcertada, em vez de ajudarem. Eu acho que ela já tinha pedido ajuda muitas vezes, mas ninguém a ajudou”, lamenta a vizinha. Na semana passada, Luana deixou Isaac com uns vizinhos e foi a uma consulta particular porque sentia que “não estava com discernimento”. Ou seja, “pediu ao centro de saúde para começar a ter acompanhamento psicológico, algo que acabou por nunca acontecer”, revelou a moradora.
Contactado pelo i, a Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano não respondeu, até à hora de fecho desta edição, se Luana solicitou ou não auxílio médico. Segundo a CNN Portugal, Luana poderia estar sob o efeito de álcool e/ou drogas quando matou o filho.
Sabe-se que depois da tragédia, a jovem brasileira ligou para o pai da criança, atualmente emigrado em França, confessando o crime. Este depressa alertou as autoridades, que se deslocaram para o local. Quando a GNR chegou à casa encontrou o bebé já sem vida e, de acordo com uma fonte, “irreconhecível”.
A mãe acabou por ser detida não oferecendo qualquer resistência. Segundo as autoridades, apresentaria um discurso “incoerente”. “Pelo que sei, quando saiu de casa estava aos gritos, já algemada”, afirma Deolinda, dona de um estabelecimento no bairro.
Vários pedidos de ajuda “Ela era super bem-disposta, fora dos problemas! Adorava cantar, dançar. Era muito generosa quando éramos próximas”, diz ao i, em conversa por telemóvel, Patrícia (nome fictício), uma amiga da jovem. Na altura em que conviviam com regularidade, Luana tinha muitos problemas com a mãe – que vive em Lisboa, sendo que o pai vive nos Países Baixos. “Talvez o problema também tenha sido ela sentir-se abandonada pelos seus, mas isto já sou eu a especular”, explicou, acrescentando que a jovem já tomava medicação há uns tempos.
“Sei agora que ela foi diagnosticada com doença bipolar, mas nunca imaginei uma coisa destas. Já não somos próximas há algum tempo e lamento não ter ajudado quando se calhar podia”, afirma emocionada. “Mandou fotografias da criança naquele estado ao pai que estava no estrangeiro”, revela ainda em choque.
Luana não estava emocionalmente estável há muito tempo. Fala-se de “problemas psicológicos que envolveriam alucinações”, sendo necessária medicação para controlar alguns momentos de crise. A jovem chegou mesmo a estar internada antes de engravidar: “Disseram que ela já tinha pedido ajuda, mas que não a tinham ajudado… Não sei bem a que nível. Esteve internada antes de ser mãe, por conta de episódios de alucinações, por isso estava consciente de que precisava de auxílio”, conta outra fonte, adiantando que em algumas das crises Luana alucinava com o demónio.
O i apurou ainda que, num dos seus últimos empregos, a jovem acabou por ser despedida depois de protagonizar episódios de violência para com os seus colegas, alguns deles que lhe eram bastante próximos. Numa das vezes, Luana agrediu um deles; num outro episódio, ameaçou outro com uma faca. Uma outra fonte afirma que, depois disso, a jovem continuava à procura de trabalho.
No dia 19 de outubro, Luana chegou mesmo a publicar no grupo de Facebook “Movimento de Utentes de Santo André”, que conta com mais de 11 mil seguidores, à procura de trabalho. “Boa tarde, estou à procura de um trabalho/emprego, em Santo André (pois não tenho transporte) das 08h/09h até as 17h/18h no máximo. Alguém que me possa ajudar, por favor?”, lê-se na página da comunidade.
“Há uns meses vi-a num restaurante onde tinha começado a trabalhar. Senti que as meninas que lá trabalhavam lhe estavam a fazer a folha. Era o primeiro dia dela, estava cheia de trabalho – de um lado para o outro -, e as raparigas não paravam de olhar para ela e cochichar… No dia a seguir já não foi trabalhar”, lembrou Maria, que a ajudou a recolher bens essenciais quando o bebé nasceu.
Após esse encontro, Maria voltou a vê-la duas vezes num café, juntamente com Isaac, que ia sempre no carrinho e muito sorridente. “Nada me fez suspeitar que ela fosse capaz de fazer uma coisa destas ao menino. Deve ter tido um ataque qualquer. Não sei… Não encontro respostas. Sei que tinha de tomar medicação. Com a ausência do namorado, ou ex-namorado, sendo ela muito sozinha e estando com um bebé, se calhar deixou de fazê-lo”, acrescenta.
Alegadamente, os problemas patológicos surgiram depois da adolescência, já que, segundo uma antiga professora, “nunca foi notório nenhum problema durante os anos escolares”. “Era uma miúda super meiguinha, super querida. Via-se que tinha muitas carências, isso via-se. Não me recordo do histórico familiar dela, mas realmente não me lembro de ter falado de problemas psiquiátricos”, conta ao i.
“Se ela desenvolveu qualquer patologia, como bipolaridade ou esquizofrenia, deve ter sido depois de adulta”, acrescenta, sublinhando, contudo, que, apesar de não se lembrar de ter algo sinalizado, não significa que a sua memória não a esteja a enganar. “Fico muito triste”, remata.
A Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal realizou várias diligências. Após ter sido detida, Luana foi encaminhada para o posto da GNR, onde esperou pelos inspetores da PJ. O pai do pequeno Isaac está a tratar das cerimónias fúnebres, mas, de acordo com a CNN Portugal, a criança será submetida a uma autópsia antes do velório.
Questionada pela agência Lusa, fonte da Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou a abertura de um inquérito judicial para apurar as circunstâncias da morte de Isaac.
Luana vai ser presente no Tribunal de Setúbal na terça-feira, “previsivelmente durante a tarde”, revelou ainda à mesmo publicação fonte policial. Também contactada pela Lusa, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Santiago do Cacém esclareceu que até hoje “nenhuma situação de perigo” envolvendo este menino tinha sido “comunicada a esta comissão”.