Como noutras regiões ucranianas que os russos foram obrigados a abandonar, pouco a pouco vai havendo uma imagem mais concreta de crimes de guerra cometidos em Kherson. A escala da tortura nesta cidade “é horrível”, contou um membro do conselho municipal, Dmytro Lubynets, falando à agência France Press esta quinta-feira, no dia seguinte a ser descoberto aquilo que as autoridades da Ucrânia descrevem como uma câmara de tortura.
A polícia ucraniana revelou que esta câmara foi montada num centro de correção para adolescentes, ocupado pelos russos em meados de março. Passou a servir para manter cativos habitantes locais suspeitos de atividades de guerrilha, ligações aos militares ou simplesmente de terem simpatia por Kiev. Testemunhas contaram ao Guardian terem frequentemente ouvido gritos desesperados através das grades, vendo pessoas ser levadas para lá com sacos na cabeça e até corpos a serem retirados do edifício. Os seus captores vestiam preto da cabeça aos pés, cobrindo o rosto com balaclavas.
Investigadores ucranianos contaram já ter encontrado em Kherson os corpos de 63 civis, com sinais de tortura, esta quinta-feira. Isto apesar das buscas na cidade estarem a decorrer a um ritmo lento, por receio das minas, explosivos e armadilhas deixadas para trás pelas tropas russas, algo com que os investigadores se têm deparado com bastante regularidade.
Noutra declarada câmara de tortura russa, numa antiga esquadra da polícia onde foi deixado por todo o lado lixo, roupa, tigelas com comida de cão, entre as vítimas estava Anzhela, uma apresentadora do canal Telethon com 49 anos. “No terceiro andar, os homens eram espancados”, contou Anzhela à BBC. “Quando uma pessoa está a ser torturada com eletricidade, tu ouves. Faz um som particular”, explicou, relatando ter sido capturada em junho por homens armados, que a afastaram do seu namorado, lhe meteram um saco na cabeça e levaram de autocarro para a cela número 6. Sendo apenas uma entre as muitas histórias que deverão ser reveladas nas próximas semanas. Afinal, 700 habitantes locais foram dados como desaparecidos, tendo os investigadores detetado pelo menos onze prisões ilegais e quatro câmaras de tortura.
Além destes crimes de guerra, também se tem apurado as responsabilidades da Rússia no caso do voo MH17, entre Amesterdão e Kuala Lumpur, abatido com um míssil quando sobrevoava o Donbass, em 2014. Um tribunal holandês condenou três homens por massacrar as 298 pessoas a bordo do MH17, esta quinta-feira. Nomeadamente Igor Girkin, um ícone dos mais extremistas nacionalistas russos, Sergey Dubinskiy e Leonid Kharchenko, que combatiam pelas forças independentistas do Donbass, apoiadas pelo regime de Vladimir Putin.