Um dos problemas mais confrangedores em Portugal, é o do imobilismo face aos diagnósticos, regularmente publicados, nos mais diversos setores da Sociedade. Não é um problema de agora, é um problema estrutural, quiçá resultante da panóplia dos políticos que temos e que cerceiam as nossas escolhas. Um país avesso a reformas, sobretudo desde há 30 anos para cá, quando Cavaco Silva realmente mexeu com Portugal e o colocou a crescer.
Os exemplos são transversais nos vários setores. Por exemplo, ouvimos ciclicamente falar dos problemas na Justiça, nos seus atrasos motivados pelo gigantismo dos processos e/ou da complexidade dos recursos permitidos, todos apostados em ligar o ‘complicómetro’ com o objetivo de adiar julgamentos, quantas vezes tendo como única estratégia a prescrição dos mesmos. Se dúvidas existem, leiam os artigos regularmente publicados por Manuel Soares, Presidente da Associação Sindical dos Juízes e, no fim, ficam como eu, estarrecidos e convencidos que não há acasos neste imobilismo geral.
Se formos para a Saúde, em particular o SNS, assistimos a uma deterioração progressiva desde há largos anos e não foi a pandemia que complicou toda a máquina da Saúde! A questão é estrutural, de décadas, recentemente agravadas por convicções ideológicas, sobretudo no tempo de Marta Temido, acérrima defensora de um serviço estruturalmente público, inibitório de PPP’s, por múltiplas vantagens que os privados pudessem aportar, como se comprovou com vários hospitais, exemplos de sucesso na qualidade dos serviços com custos inferiores. Honra lhe seja feita, quis, mesmo no final do seu mandato de largos anos, mudar alguma coisa, nomeando uma equipa centralizada de gestão no SNS que Pizarro recentemente consumou, com a nomeação de um novo responsável, Fernando Araújo, à frente de uma Direção Executiva (que ainda ninguém percebeu como vai interagir com as estruturas que existem, porventura obsoletas com este novo CEO).
Se falarmos da Educação e da problemática dos professores, vemos que também nesta área há políticas reativas em vez de políticas preventivas, assistindo-se a um envelhecimento da classe dos professores, entre diversos e graves problemas, todos desincentivadores da atratividade da profissão para os mais jovens. Não é de admirar que, genericamente falando e comprovado nas estatísticas anualmente publicadas, se registe uma degradação do ensino público, agravadora de desigualdades, cerceando oportunidades aos mais capazes que não têm alternativas.
Falar do aeroporto, é falar de uma estória de 50 anos de avanços e recuos, de milhões de euros gastos em estudos sem decisões, sempre à espera do ‘agora é que vai ser’, desta vez mais um estudo a desenvolver por uma Comissão Técnica Independente, que ainda vai estudar 5 (!!!) alternativas possíveis, sejam únicas ou duais, sempre à procura da localização ‘sem defeitos’, como se existisse um local paradisíaco que só os distraídos ainda não descobriram.
Se formos para a ferrovia, entre a eletrificação das linhas antigas e o aumento da capacidade nas áreas metropolitanas, andamos a estudar soluções de ‘alta velocidade’, como a ligação de Porto a Vigo (objetivo 2030) ou Aveiro a Salamanca (2040), ainda sem quaisquer certezas de saber se os espanhóis alinham, a não ser a existência de alianças políticas entre governos socialistas. Nos entretantos, já os espanhóis tomaram a decisão de, algures por 2025/30, mudar para a bitola europeia (distância entre carris – 1435 mm) nas suas principais linhas, sobretudo as que servem os principais portos, e por aqui parece que queremos ser com os ‘gauleses da aldeia de Astérix’, qual orgulhosamente sós, persistindo na bitola ibérica (1668 mm).
Parece indiscutível que também por questões ambientais (poluição), a redução do o tráfego rodoviário é prioritária e a ferrovia é a solução óbvia! Mas para chegar à Europa fica difícil com 233 mm de diferença e seria de esperar que o PRR alocasse verbas para compatibilizar esta diferença de bitolas.
Já que falámos dos portos, relembremos que, algures por 2019, o Dr. João Carvalho (na altura Presidente da AMT) publicou um artigo no Observador onde escalpeliza uma série de problemas que os portos portugueses enfrentavam, a partir de uma publicação da OECD – Economic Surveys que referia como boas práticas:
(i) a redução da duração das concessões portuárias, agravante de custos e não garantindo melhorias de qualidade;
(ii) a necessidade de concurso público para a renovação ou prorrogação das concessões;
(iii) a obrigatoriedade de um nível mínimo de investimento;
(iv) a obrigação de existir transparência nos procedimentos de atribuição de concessão para assegurar o melhor operador;
(v) a ponderação dos níveis de serviço na atribuição e renegociação de concessões portuárias que promovessem a qualidade, a concorrência interna e competitividade entre os portos para as exportações.
Acham que sucedeu alguma coisa até hoje? Que se espera para fazer reformas num setor, parado desde os governos de Cavaco Silva, há 30 anos? Porque será que o PRR não contempla medidas que sejam específicas para os portos?
A conclusão é óbvia: este imobilismo atrofia Portugal, o seu desenvolvimento e, inerentemente, a qualidade de vida e poder de compra dos portugueses. Mas a culpa é só nossa, não nos podemos queixar de ninguém, porque a verdade é que ‘colhemos o que plantamos’!
P.S. – Já não chegavam as estórias sórdidas a afetar membros da administração pública… agora, vamos ter uma guerra nos tribunais entre o primeiro-ministro e um antigo governador do B. Portugal, alinhando-se as pessoas consoante as cores partidárias. Haverá maior exemplo da deterioração das instituições quando a palavra de um choca com a palavra de outro? Pelo meio e a propósito do Banif, Luís Marques Mendes vem referir existir um problema com a sua resolução e acredita que o Ministério Público terá de intervir. Admiram-se que o almirante Gouveia e Melo possa chegar a Presidente, seja qual for o político que o enfrente?