por Luís Filipe Pereira
Economista, gestor
Em anteriores artigos, tenho insistido num tema critico e fundamental para o país: o crescimento económico como forma de dar melhores condições de vida aos portugueses.
Com um crescimento económico quase estagnado nas duas últimas décadas e meia, Portugal tem vindo a ser sucessivamente ultrapassado por outros países da União Europeia (EU), na maioria do Leste Europeu saídos da ex-União Soviética em condições de pobreza e atraso económico, e condenado à estagnação/deterioração constante do nível de vida e de bem estar da população, atingindo, em particular, e mais duramente, as camadas mais desfavorecidas.
É claro que se pode argumentar que a distribuição da riqueza gerada (medida em PIB per capita), favorecendo os extratos mais carenciados, é igualmente importante, mas trata-se de uma variável consequencial: se não houver crescimento da riqueza do país, estamos apenas a ‘distribuir a escassez’ impondo à população a continuação de baixos rendimentos, de baixos salários e pensões, de níveis muito elevados de pobreza e de estímulo à emigração, sobretudo dos mais jovens e habilitados o que vai progressivamente privando Portugal dos seus recursos potencialmente de maior valor e agravando as condições para que o país possa crescer.
Este é o problema que não pode ser negado e a evidência está aí em dados e indicadores de instâncias internacionais (como o FMI, Eurostat, Comissão Europeia, OCDE etc.) e nacionais.
Relembremos, sucintamente, alguns desses dados e indicadores:
– Desde 1999, Portugal foi ultrapassado quanto à riqueza gerada (PIB pc) por 11 países, a nível mundial ( base de dados do FMI).
– desde 1999, Portugal teve o 3.º crescimento mais lento da zona euro (cerca de 0,8 /ano até 2020 – retirando o efeito da pandemia – Fonte: Comissão Europeia;
– desde 1999, Portugal tem vindo a divergir da União Europeia e os portugueses têm menos poder compra hoje (face à média da EU) do que há mais de 20 anos (dados extraídos do Eurostat-Economista Abel Mateus);
– em 2002 Portugal era o 15.º país na Europa com um PIB superior a 85% da média da EU e caiu para a 21.ª posição em 2021 (Eurostat).
Mais recentemente, em 2015 (inicio do Governo da ‘geringonça’) o PIB pc de Portugal era de 78% da média da EU sendo, em 2021 de 74% (Eurostat). Neste mesmo ano Portugal estava acima de 10 países da EU, em termos de PIB pc., e em 2021 é apenas superior a 6 seis outros Estados Membros (Eurostat):
– Dados relativos a 2021 demonstram que Portugal se encontrava no 8.º lugar, entre os países europeus que registam maior risco de pobreza e de exclusão social com 22,4% da população afetada (Eurostat). São cerca de 2,3 milhões de portugueses (dos quais, estima-se, cerca de 2/3 com emprego);
– dados recentes publicados na comunicação social fundamentam que sem transferência sociais, a pobreza atingiria cerca de metade da população (mesmo aquela possuindo um emprego);
– dados da PORDATA, do INE e do próprio Governo reconhecem que em 2001 o Salário Mínimo Nacional em % do Salário Médio era de 51% em 2001 e de 63% em 2019;
– um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos (’Os Jovens em Portugal, Hoje’) refere que 72% deles (jovens entre 15 e 34 anos de idade) recebem menos de 950 euros de remuneração mensal liquida e 30% querem emigrar se surgir uma oportunidade.
Esta é uma situação real, documentada, indesmentível, que traduz o principal problema que a sociedade portuguesa defronta agora e para o futuro.
Os dados e indicadores apontados não são uma tentativa deliberada para mostrar apenas os graves problemas e dificuldades do país com intuitos de critica ao Governo e de luta politica. Eles são, antes de mais, os resultados que o país obteve ao fim de mais do que duas décadas e meia e que têm a sua origem fundamentalmente na ação dos Governos e nas politicas públicas que adotaram.
Neste contexto, é inevitável lembrar que o PS, nos últimos 27 anos, governou o país em 20 desses anos sendo responsável pela vinda da troika que permaneceu em Portugal por quatro anos e que teve que resgatar financeiramente o país da bancarrota deixada por um Governo Socialista. Ou seja, nos últimos 27 anos houve apenas três de um Governo do PSD com responsabilidade de escolher uma estratégia para o país (livre de condicionamentos) e tomar as decisões que julgou necessárias.
É, assim, indiscutível e factual a responsabilidade dos Governos do PS, na situação em que o país se encontra, não sendo mais possível deixar de apontar a atuação do atual Governo que, nos últimos 7 anos, ilude a questão vital para o futuro do país, escondendo a sua falta de estratégia e de ímpeto reformista, através de desinformação, propaganda e ‘habilidades politicas’:
– Desinformação, quando, por exemplo, diz que o país cresce mais do que a média europeia, o que aconteceu pontualmente (e não em relação aos países atrasados do Leste Europeu) mas que em nada afasta e resolve a situação descrita. Aliás, se o país crescesse continuadamente acima da média europeia como se explica que em 2021 o nosso PIB per capita seja 74% dessa média e em 2015 de 78% como atrás se documentou?;
– propaganda, quando por exemplo, na comunicação social, tenta dar a aparência de que o país vai melhor, quando os resultados obtidos ao fim de mais de duas décadas e meia, período no qual, quase na sua totalidade, deteve o Governo do país, são aqueles descritos e documentados;
– ‘habilidades políticas’ que visam, em primeiro lugar, a preservação do Governo no poder e não a resolução dos problemas de fundo do país, de cuja resolução dependem as condições de vida e de bem estar dos portugueses, quando, por exemplo, declara a virtude das «contas certas» e da diminuição dos défices (que antes criticava) escamoteando que, no essencial, o que foi atingido por este Governo não se deveu a uma trajetória de crescimento do país mas sim à ‘habilidade’ das cativações no Orçamento e sobretudo à diminuição drástica dos níveis de investimento que, depois da troika, atingiu em 2016 o mínimo histórico de 1,6% do PIB, sendo em 2020 o mais baixo da zona euro, e que em 2021 apresenta o mesmo valor que em 2011, afetando ainda mais as variáveis decisivas para o crescimento: a produtividade e a competitividade do país.
Numa sociedade democrática é evidente que a responsabilização das ações do Governo e dos partidos políticos compete, antes de mais, ao sistema político/partidário mas há uma componente que também é decisiva e que tem a ver com o papel da opinião pública.
Porém, a generalização, junto da grande massa da população, da discussão da situação em que o país se encontra, defronta grandes barreiras:
– O ‘ruído na comunicação social’ de factos e casos políticos, da ‘espuma dos dias’, (algumas vezes ‘fabricados’) obscurece ou afasta mesmo uma grande parte da opinião pública, da compreensão dos verdadeiros problemas do país impedindo-a de reconhecer que a realidade atrás descrita é a que está na causa dos seus baixos níveis de vida e de rendimentos, como por exemplo, a existência de elevados níveis de pobreza e de baixos salários e pensões; – as dificuldades que uma grande maioria dos portugueses defronta (a precariedade do emprego, a luta diária pela sobrevivência económica etc.) torna-os pouco disponíveis para discutir os problemas de fundo, tanto mais quando esta discussão é feita publicamente em termos de luta partidária, com ataques e acusações mútuas, em que se torna muito difícil o discernimento, levando uma grande parte da população à conclusão ‘de que os políticos são todos iguais’;
– o papel da comunicação social, que pela sua lógica de captação de audiências não dá espaço, de forma constante e aprofundada à discussão dos verdadeiros problemas do país (à exceção de alguns programas e artigos que não atingem, contudo, a maioria da população) o que é ainda facilitado pela atuação da desinformação, da propaganda, e das ‘habilidades politicas’ do Governo, como referi.
Necessitamos, assim, de quebrar estas barreiras e colocar de forma constante e generalizada, na grande opinião pública, a discussão da situação em que o país se encontra. Necessitamos de nos interrogar, enquanto sociedade, se somos menos capazes de encontrar soluções para os nossos problemas do que os nacionais dos outros países europeus.
Necessitamos, para isso, de um movimento cívico, organizado, promovido por cidadãos interessados, suscitando o envolvimento da sociedade civil (universidades, associações, instituições representativas do mundo laboral e empresarial etc.) que levante e sustente de forma continuada esta discussão junto da generalidade da população.