A Ucrânia, assim como resto do continente europeu, escapou por pouco a um desastre na central nuclear de Zaporíjia, transformada numa fortaleza das forças russas e bombardeada este domingo. Os disparos foram “um enorme risco, que pôs em jogo a vida de muita gente”, notou Rafael Grossi, o diretor da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). As explosões foram a meros metros dos sistemas de segurança, cuja quebra poderia arriscar sobreaquecer o combustível nuclear, alertou Rossi. “Tivemos sorte que um incidente nuclear potencialmente sério não aconteceu”, continuou. “Da próxima vez podemos não ter tanta sorte”.
Provavelmente não será o último momento em que a central nuclear de Zaporíjia, a maior na Europa, e que ficou na linha da frente, na margem sul do Dnipro. Ucranianos e russos estão frente a frente aqui, com os primeiros a queixar-se que os invasores abrem fogo impunemente a partir da central, bem como de Enerhodar, a cidade mais próxima. A tentação de retaliar certamente é grande.
Tanto Kiev como o Kremlin se culpam pelos bombardeamentos. Os russos argumentam que não bombardeariam a sua própria guarnição, os ucranianos acusam-nos de querer fabricar uma desculpa para um incidente nuclear. Pelo menos 15 munições foram disparadas contra a central no domingo, anunciou a Rosenergoatom, a agência nuclear russa, atingindo depósitos de combustível gasto. Mesmo assim, os níveis de radiação registados nas instalações mantiveram-se dentro do normal, assegurou a Agência Internacional de Energia Atómica.
Com a aproximação do duro inverno ucraniano, poderia haver um congelamento das hostilidades. No entanto, está por saber se o comando militar ucraniano não quer tentar aproveitar o ritmo que conseguiu ganhar, obrigando os invasores a recuar a sudeste de Kharkiv e depois em Kherson. Uma possibilidade seria um contra-ataque ucraniano em Lugansk, mais especificamente em Svatove, explicou o Economist. A outra seria um avanço na direção de Melitopol, no oblast – uma divisão administrativa equivalente aos nossos distritos – de Zaporíjia. O que deixaria o foco das hostilidades mais próximo da maior central nuclear europeia.
General inverno No meio deste caos, há meses que a central nuclear de Zaporínjia foi desligada do resto da rede elétrica ucraniana, exceto para receber a energia necessária para os seus sistemas de manutenção ou arrefecimento. Agravando a escassez energética na Ucrânia este inverno, que já levou a que fosse dada ordem de evacuação de Kherson e Mykolaiv.
A infraestrutura destas regiões no sul, palco de alguns dos combates mais duros, foi tão devastada que não há capacidade para enfrentar a descida das temperaturas. A população, a que se pediu que partisse para o oeste e centro da Ucrânia, receberá acomodação, transporte, apoio médico, prometeu a vice-primeira-ministra Iryna Vereshchuk, esta segunda-feira.
Desde há meses que Moscovo tenta escalar a crise energética, atingido sistematicamente centrais e redes elétricas. Recorrendo a mísseis de longo alcance ou drones suicidas iranianos.
“Já comecei a usar a burzhuika”, contara Kateryna Sliusarchuk, uma moradora de Kherson com 71 anos, referindo-se aos fogões de metal tradicionais da Ucrânia. “Vou ter de procurar madeira todos os dias para me preparar para o frio. E não vai ser fácil com a minha idade”, admitiu, à conversa com o Guardian.