por Alexandre Faria
Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia
Quando Alex Ferguson foi apresentado como treinador do Manchester United, em 1986, consta que escolheu o Município de Manchester para uma das suas primeiras reuniões, apresentando, na altura, um plano visionário e ambicioso para a cidade, através do desporto, onde os sucessos do clube serviriam de alavanca para o progresso e desenvolvimento do espaço urbano.
Nos anos oitenta do século passado, a cidade de Manchester era pouco interessante, desprovida de significativas infraestruturas internas e estava fora do mapa das escolhas turísticas. Para formar um campeão europeu, Ferguson necessitava do envolvimento municipal e dos cidadãos, de melhorias na face da cidade e da correspondente abertura social e cultural, logo seguida da valorização económica. Trinta e seis anos depois, a realidade fala por si.
Nas épocas desportivas de 2013/2014 e 2014/2015, o Estoril Praia participou na fase de grupos da Liga Europa, tendo gerado um impacto económico em Cascais, apenas no que respeita ao número de dormidas, restauração e comércio, de três milhões e meio de euros e de quatro milhões de euros, respetivamente, numa vila tradicionalmente orientada para o turismo e em contexto multicultural, por ser o concelho do país com o maior número de nacionalidades residentes.
Apesar de serem os mais vistos, os mundiais de futebol não são diferentes dos restantes eventos desportivos internacionais. Desde a sua primeira edição em 1930, no Uruguai, esta competição da FIFA, aberta a todas as federações por si reconhecidas, tem assegurado rotatividade pelos continentes e, em geral, retorno económico ao forte investimento prévio em instalações desportivas, estádios, estradas, aeroportos ou hotéis, sendo inquestionável o crescimento que permite, procurando também privilegiar a aproximação e a tolerância cultural entre os povos.
Neste Mundial que ocorre no emirado absolutista do Qatar, um dos países mais ricos do mundo, aconteceu tudo ao contrário. Desde a ausência de transparência na escolha, responsável pela saída de Joseph Blatter que agora considera errada essa opção, aos trabalhadores tornados escravos pela retenção dos seus passaportes durante a construção dos estádios, passando pelas 7.000 mortes de migrantes oriundos da Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh, Sri Lanka, Filipinas ou Quénia, até à imposição de regras sociais e culturais, proibindo a homossexualidade e a liberdade de expressão. O poderio financeiro do petróleo e do gás natural sobrepôs-se aos valores do Desporto e somos convidados a dissimular as mais gritantes violações dos direitos humanos. Por curiosidade, o único fator de desenvolvimento que devim aproveitar para corrigir.
Pouco importam as declarações de Bruno Fernandes, as posições públicas de seleções como Inglaterra, Dinamarca, Austrália e Estados Unidos, assim como as cartas abertas da Amnistia Internacional ou da Human Rights Watch. Este Mundial não é para todos, mas a indignação termina quando a bola começa a rolar. A partir daí, nada mais interessa e ninguém deixará de bater palmas nas tribunas.