AL-WAKRAH – Em três dias apenas já estive em cinco estádios – Al Bayt, Al Thumama, Ahmad Bin Ali, Lusail e, agora, Al Janoub. Ora, se não foi para isto que o Mundial se fez no Qatar foi para quê? Todos eles praticamente cheios como foi o caso de ontem, pela uma da tarde de aqui, quando Argentina e Arábia Saudita se defrontaram no Lusail, o maior de todos e que receberá a final. Assim, à primeira vista, os argentinos parecem possuir o maior contingente de adeptos que se instalou no país – mas, como já deu para perceber, também há muitas camisolas argentinas coladas ao corpo de gente que nunca sequer ouviu duas notas de Caminito: “Caminito que el tiempo há borrado/Que juntos un dia nos viste passar”. O estádio dividiu-se. A Arábia Saudita é o vizinho gigante e nada simpático pela perspetiva local (única fronteira do Qatar), as relações entre o lado de cá e o de lá têm sido sempre complicadas. O golo de Messi, de penálti, aos 10m, fez rapidamente distinguir os argentinos de verdade e os de pacotilha. Os autênticos esgalgaram as goelas e desataram numa berraria: “Vamo, vamo Arrentina/Que tenemo de ganar!”, assim mesmo, naquele jeito ‘porteño’, arrevesado, que os faz meterem o R onde ele não é chamado. Como nenhum qatari que se preze vestiria a camisola verde dos sauditas é de crer que os muitos milhares que se instalaram nas bancadas onde cabem 80 mil pessoas bem espaçadas fossem absolutamente genuínos. Do alto (mesmo muito alto) da bancada de imprensa, Messi pode ser, à vista desarmada ainda mais pequenino, mas quando a bola caminha em redor dos seus pés como a cahorrinha amestrada do Nelson Rodrigues o relvado vai ficando curto para as ideias que tem. O homem – jogou na retaguarda de Di María e Lautaro Martinez (Otamendi foi titular), que vinham das alas para o meio – sabe tudo de como transformar a massa do objeto redondo em energia, é uma espécie de Einstein do futebol levando para toda a parte a sua Teoria da Relatividade, de tal ordem que ao passar da meia-hora a Argentina já goleava relativamente, tal a quantidade de golos anulados por fora-de-jogo. Hervé Renard, que tem nome de raposa e já conheço de outros carnavais, como quando treinou a Costa do Marfim, Angola ou Marrocos, via a sua equipa desfazer-se ao sol do início da tarde (o relvado estava à sombra), não parecia saber como evitá-lo e a lesão de Al Faraj ainda atrapalhou. A coisa animou-se logo ao início do segundo tempo (48m) quando Saleh ultrapassou Romero e fez o empate. Uma explosão verde calou o tango. E depois… que lindo! O golo de Adwalsari cinco minutos passados. Um ruído monstro de apavorar hipopótamos e o Enzo Fernandez, o rapazinho do Benfica, atirado às feras. O jogo ficou bom. O nosso Einstein teria de passar da teoria à prática. O problema é que o vilão (Arábia) já se tinha instalado em casa de seu sogro (Qatar) – são mais primos, mas dá jeito a imagem. De chinelos em cima da mesa da sala, quem o incomodava? Muito pouco uma Argentina que adormeceu cedo à sombra do tamarindo do golo de Messi. Teve o que mereceu.
À noite com Ronaldo
Al-Wakrah, a cidade dos Al Thani, que mandam no Qatar, teve a sua importância no tempo em que os pescadores de pérolas ficaram ricos. Depois veio o petróleo. Se o estádio de Al Thumama tem forma de ghafyia, aquele chapeuzinho que todos os homens do Golfo usam, o estádio de Al Janoub parece, visto de fora, o topo de um turbante. Talvez não fosse o jogo mais prometedor da jornada, mas depois dos zero-a-zeros da tarde não havia muito a perder. Fui. Camaradas ingleses comentavam o ‘Caso Ronaldo’ e talvez agora se perceba melhor a sua atuação na conferência de imprensa do dia anterior. Estavam convictos de que Chelsea é o destino. Convicções não enchem barriga. E foi na barriga que a França levou um murro logo aos 9m por Goodwin, castigando uma descontração pouco entendível nos defensores do título. Muito estilo arranca-pinheiros, os australianos não aguentaram a velocidade dos avançados franceses e rapidamente a surpresa morreu – golos de Rabiot (27m) e Giroud (32m) e mais umas poucas de oportunidades perdidas. Sempre por cima no jogo, a velocidade baixou e Griezmann até parecia um 10 dos antigos embora com o 7. Já o 10 (M’Bappé) insistia num individualismo irritante. Está-lhe no sangue. Deu para tudo, mesmo para marcar o terceiro (68m). Depois, já aliviado, deu o quarto a Giroud (71m). Bela França!