A história ensinou que mesmo quando os russos se mantêm em silêncio, as sua mães não se calam. Um tremendo número de tropas voltaram à Ucrânia em caixões de zinco ou estropiados, estimando o Pentágono que as baixas russas cheguem aos cem mil, e Vladimir Putin não esquece que foram as mães que encabeçaram a contestação contra a invasão soviética do Afeganistão. Talvez por isso, o Presidente russo pretenda encontrar-se com as mães de reservistas mortos, avançou o jornal russo Vedomosti, na terça-feira. Nesse mesmo dia, dirigentes do Conselho de Mulheres e Mães, que representam os familiares de militares, atreveram-se a questionar a masculinidade de Putin.
“Vladimir Vladimirovich, és um homem ou quê?”, perguntou Olga Tsukanova, uma das organizadoras do conselho, num vídeo divulgado pelo Meduza. A organização ainda esta semana deu uma conferência de imprensa em Moscovo, exigindo que os reservistas apanhados na mobilização parcial de Putin recebessem o treino militar normal e que lhes fosse dado o equipamento adequado, medicamentos ou até mesmo acesso a alimentação. Daí que as mulheres deste conselho não tenham expectativa de estar na lista de mães com quem Putin se irá encontrar, sendo esperado que tal aconteça no Dia da Mãe, celebrado a 27 de novembro na Rússia.
“Vais-te esconder de nós?”, continuou Tsukanova, dirigindo-se a Putin, que nunca foi conhecido por tolerar críticas. “Tens coragem suficiente de nos olhar nos olhos, abertamente, num encontro com mulheres que não estejam no teu bolso, mas sim com mães reais, que viajaram para cá de diferentes cidades, à sua própria custa, para se encontrar contigo?”, desafiou.
Memórias do Afeganistão Seja quem forem as mães com que Putin fale é difícil imaginar o que possa dizer para as consolar. Afinal, elas estarão conscientes que os filhos foram recrutados à força e bruscamente enviados para a frente de batalha, dado terem sido abatidos tão rapidamente.
Não só o Presidente da Rússia não expressou quaisquer remorsos pela guerra, como há cada vez mais relatos de reservistas usados como carne para canhão, a guarnecer fortificações e trincheiras para tentar sustentar as linhas russas sob pressão de sucessivas contraofensivas ucranianas. E que recentemente até levaram os invasores a precisar de retirar de Kherson.
Não só há mães a receber os seus filhos mortos e incapacidades, como algumas não sabem deles de todo. Muitas passam os seus dias à procura num canal de Telegram chamado “procurem pelos vossos”, onde são divulgadas imagens de tropas russas capturadas. E mais de uma centena de mães lançaram uma cruzada para perceber o que se passou com os filhos, tendo enviado uma carta a Putin exigindo respostas, em julho, avançara a Radio Free Europe.
Entre estas mães estava Irina Chistyakova, que procura o seu filho de 19 anos e contou ter recebido três explicações contraditórias para o seu desaparecimento. Disseram-lhe que estaria vivo e ainda a combater, sem explicar porque não falava com a mãe há meses, depois que fora prisioneiro e a seguir que estava morto, sem que pudesse receber o corpo para se despedir.
Quando Chistyakova falou do assunto em público, ordenaram que se calasse. “A minha vida está em perigo e o perigo vem diretamente dos militares”, explicou ao Daily Beast, ainda desgastada, tendo passado parte dos últimos meses a ver fotos de cadáveres por identificar num quartel em Rostov-on-Don, no sul da Rússia. Perante as ameaças dos militares, nem hesitou. “Respondi que este é o meu filho e tentarem assustar-me a dizer que me vão meter uma bala na cabeça é estúpido”, garantiu.
Poucas mães não fariam o mesmo. E mães russas que procuram respostas não gostarão de saber que no início deste mês foram encontrados caixões de zinco, semelhantes aos usados para transportar soldados, abandonados numa lixeira de Belgorod, avançou o Ukrainska Pravda, citando canais de Telegram russos. Esta cidade é próximo o suficiente da fronteira com a Ucrânia para levantar especulação.
Afinal, o Kremlin tem sido acusado de tentar esconder o seu número de baixas, sobretudo com medo das mães. Importa lembrar que, se os mortos sofridos no Afeganistão são considerados um fator crucial na queda da URSS, nesse conflito morreram cerca de 15 mil soviéticos, muito menos do que se pensa terem morrido na Ucrânia. Não parece que seja a distribuir prémios Mulher Heroína – uma condecoração dos tempos de Estaline, dada a mulheres com mais de dez filhos – que Putin as fará esquecer o que perderam.