Boa parte da Ucrânia continuava sem eletricidade esta sexta-feira, no rescaldo de mais uma vaga de bombardeamentos russos. A rede elétrica gradualmente está a dar de si, por mais que as equipas de técnicos ucranianos percorram o território, reparando instalações que rapidamente são outra vez atingidas.
Esta semana, pela primeira vez desde o início da guerra, até as três centrais nucleares da Ucrânia – incluindo a de Zaporíjia, a maior da Europa, que caíra nas mãos das forças russas logo no início da invasão – tiveram que ser desligadas da rede nacional, esta quarta-feira, após transformadores e subestações de transmissões elétricas serem alvejados por mísseis e drones. À semelhança de praticamente todas as centrais hidroelétricas e térmicas, deixando mais de metade da capacidade energética da Ucrânia fora de jogo.
Engenheiros, técnicos e eletricistas podem não estar na linha da frente, ou ‘linha zero’, como militares ucranianos chamam ao ponto de contacto com forças russas, mas também combatem, à sua maneira. «Antes, um trabalho como este só era necessário após mau tempo extremo», contou Andrii’s Kysenko, chefe de uma equipa de reparações, olhando para um poste de eletricidade derrubado. Estava a trabalhar a todo o vapor em Kherson, recentemente recuperada aos russos, que mas foi deixada em tal estado que seria preciso ordenar a evacuação da cidade quando ainda se celebrava a vitória ucraniana.
«Agora, é como se estivéssemos a reconstruir a rede de transmissão elétrica inteira do nada», desabafou Kysenko esta semana, a um correspondente da BBC. A situação chegou ao ponto de a Ucrânia parecer uma mancha escura na Europa, vista do espaço através de imagens de satélites da NASA. Criando uma situação que não se via há mais de oitenta anos, «um país no continente europeu onde não há luz», denunciou Volodymy Zelensky, em declarações ao Financial Times.
Ainda assim, o Governo ucraniano promete que não vai desistir. Por mais que o Kremlin chegue a assumir que os seus ataques contra infraestrutura civil são uma tentativa de deixar os seus adversários vulneráveis em eventuais negociações.
É que Vladimir Putin bem precisa de uma moeda de troca, com as forças ucranianas a ameaçar continuar as suas contraofensivas mesmo em pleno inverno, tendo já as rotas de abastecimento russas a partir da Crimeia ao alcance das suas baterias de mísseis, com a retirada dos invasores de Kherson. «Juntos aguentámos nove meses de guerra em grande escala. E a Rússia não encontrou maneira de nos quebrar, nem encontrará», declarou o Presidente ucraniano, tentando inspirar alguma confiança com o seu discurso à nação desta quinta-feira à noite.
«Estamos prontos para enfrentar isto», garantiu a primeira-dama, Olena Zelenska, numa entrevista à BBC, dentro de um complexo labiríntico, fortificado com sacos de areia, em Kiev. Lá fora, uns 60% das casas desta cidade com mais de três milhões de habitantes estava sem eletricidade, avisara o presidente da câmara, Vitaly Klitschko, nesse dia.
«Tivemos tantos desafios terríveis», continuou Zelenska. «vimos tantas vítimas, tanta destruição, que apagões não são a pior coisa que nos aconteceu»,
Contudo, o frio também mata, como alertou a Organização Mundial de Saúde, esta semana. Já o próprio alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, apontou que os bombardeamentos russos que devastam a infraestrutura elétrica da Ucrânia são uma violação da lei internacional.
«Milhões estão a ser empurrados para miséria extrema e condições de vida terríveis por estes ataques», salientou Türk, num comunicado. «Visto como um todo, isto levanta sérios problemas à luz da lei humanitária internacional, que requer uma vantagem militar direta para cada objeto atacado», lembrou o comissário da ONU.
Já o Presidente ucraniano tem procurado ajuda dos seus aliados europeus para enfrentar a escassez energética, tendo debatido o tema esta sexta-feira com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, segundo a Reuters. Por agora, a tragédia humanitária agrava-se, faltando até água em 15 regiões da Ucrânia na sexta-feira, dado as bombas não estarem a funcionar.
O Governo de Kiev prometeu apostar em mais de quatro mil «centros de invencibilidade» para enfrentar o duro inverno que aí vem. A ideia seria criar locais onde a população se possa reunir em segurança, sendo assegurado acesso constante e gratuito a eletricidade, aquecimento, água, wifi e cuidados médicos, mesmo perante sucessivos apagões, que parecem inevitáveis
Contudo, não é claro se isso será feito a tempo de evitar uma tragédia, mesmo estando alguns centros já estão a funcionar. Tendo Zelensky visitado um deles, em Vyshgorod, nos arredores da capital. «Estamos a lutar por vocês e pelo vosso futuro», lia-se debaixo de uma foto divulgada no Twitter, do Presidente a brincar com crianças neste «centro de invencibilidade».