A deslocação do Presidente da República ao Qatar suscitou uma polémica muito característica dos tempos que vivemos. Cria-se um movimento baseado em equívocos e um ambiente de intolerância com quem contraria esse sentido, mesmo que sustentado no rigor e no bom senso.
A tentativa de instrumentalização da Assembleia da República, deturpando deliberadamente o sentido da sua competência quanto às deslocações ao estrangeiro da primeira figura do Estado, constitui uma irresponsabilidade que é particularmente grave quando é promovida por membros daquele órgão de soberania. O bom senso teria sido suficiente para evitar uma polémica que serviu apenas para desacreditar o Parlamento.
A primeira questão é saber se será razoável que a Assembleia da República pretenda condicionar as deslocações do Presidente da República ao estrangeiro.
Com efeito, a Constituição da República Portuguesa prevê, no seu artigo 129º, que «o Presidente da República não pode ausentar-se do território nacional sem o assentimento da Assembleia da República».
Mas importa considerar qual o sentido desta disposição constitucional. Manifestamente, não se trata de pretender condicionar a legitimidade das opções quanto a deslocações ao estrangeiro. Trata-se antes de um mecanismo que visa salvaguardar que a ausência do Presidente da República do território nacional não prejudica ou impede o funcionamento das instituições do Estado.
A pretensão de que a Assembleia da República possa condicionar a representação externa do país também não faz sentido, porque as competências na condução da política externa são do Governo e não do Parlamento.
Em qualquer circunstância, a viagem do Presidente da República ao Qatar não é uma viagem de Estado mas uma deslocação com o objetivo de manifestar apoio à Seleção nacional de futebol.
É ridículo pretender concluir que assistir a um jogo de futebol significa o apoio a um regime ou a conivência com práticas que colidem com o respeito pelos direitos humanos que prezamos em Portugal.
Ainda assim, o Presidente da República deixou bem clara a distinção entre estas dimensões e expressou, inclusivamente, a discordância relativamente ao regime e às suas práticas.
Marcelo Rebelo de Sousa vai apoiar a equipa portuguesa de futebol e esse apoio é especialmente significativo enquanto representante dos portugueses. No apoio à Seleção nacional talvez o país não esteja dividido.
Relativamente à censura ao regime e às suas práticas sejamos claros: o desporto em geral não deve ser instrumento para posicionamentos políticos nem a política (externa ou interna) deve ser confundida com o futebol. Convenhamos que um estádio de futebol não é o local mais apropriado para manifestar posicionamentos políticos.
É evidente, para qualquer pessoa de boa-fé, que ir assistir a um jogo de futebol não significa ser conivente com um regime político nem com as suas práticas e acresce que foram manifestadas as discordâncias quanto às práticas do regime do Qatar.