Confesso que não ligo muito a efemérides e a datas, mas é muito significativo, e triste, que o 25 de Novembro seja apenas lembrado a talho de foice num debate parlamentar dedicado à votação e aprovação do Orçamento do Estado para o próximo ano e sobretudo nos termos em que o foi, como arma de arremesso entre os partidos da direita do hemiciclo e os partidos da esquerda, incluindo o todo poderoso PS.
Já com comissão constituída e em cumprimento o programa de celebração do cinquentenário da Revolução de Abril – que voltou a não promover qualquer iniciativa a assinalar o dia –, foi patético o espetáculo proporcionado pelo Parlamento na evocação do 25 de Novembro, com o presidente da Assembleia da República e segunda figura do Estado, Augusto Santos Silva, a terminar uma breve e forçada referência à data em tom irónico e provocador: «Se era isso que o senhor deputado queria ouvir, tenho todo o gosto em dizê-lo».
Ramalho Eanes, o Grupo dos Nove e todos aqueles que, na altura, estiveram do lado da defesa da democracia e da liberdade, como o fundador do PS Mário Soares, não podem ser assim ofendidos.
Já não se discute se o 25 de Novembro deveria ser feriado nacional, como o 25 de Abril ou o 5 de Outubro – porventura, nenhum destes fará também grande sentido, como outros feriados, aliás, que os há de sobra.
Mas não se pode nem deve esquecer que foi o 25 de Novembro que acabou com o PREC (Período Revolucionário Em Curso) e com o sonho de Álvaro Cunhal e camaradas – de partido e de armas – de instaurar em Portugal uma ditadura comunista à imagem do modelo soviético.
E aí, sim, triunfou a Liberdade.
Por isso é tão significativo, e triste, que para a esmagadora maioria dos portugueses a data tenha passado ao lado, como outro dia qualquer.
E que o Parlamento, em vez de uma mesmo que breve mas institucional homenagem aos obreiros da Liberdade, tenha dado mais um tão mesquinho testemunho da Democracia instaurada a partir desse memorável dia 25 de Novembro de 1975.
Não sei se é por terem visto as suas utopias desfeitas quando o muro de Berlim caiu – e já passaram três décadas – se é por alguma masoquista tentação pelo abismo ou pelo caos que os extremistas de esquerda não resistem a alimentar a crise da democracia e dos valores – sociais, económicos, morais e políticos – da modernidade.
Como não sei se terão consciência de que, assim, apenas estão a contribuir para o crescimento de movimentos contrários de extrema direita, que, no fundo, até nem são tão antagónicos entre si.
É inevitável. É histórico. E os exemplos repetem-se independentemente das geografias.
Basta atentar no ridículo dos movimentos de contestação ao Mundial no Qatar 2022.
Agora???
Acaso alguém se esqueceu que a FIFA atribuiu a organização deste campeonato do Mundo ao Qatar – numa decisão, aliás, que não poderia ter sido mais polémica ou surpreendente e envolta em acusações de corrupção que conduziram a mediáticos processos judiciais – há mais de uma década???
E o que andaram a fazer durante todos estes anos esses movimentos de defesa dos direitos da comunidade LGBTIQA+, dos direitos dos trabalhadores e dos direitos humanos?
António Guterres, antigo presidente da Internacional Socialista e atual secretário-geral das Nações Unidas – e, como tal, primeiro responsável pela defesa da Declaração Universal dos Direitos do Homem (que, entretanto e a cause, já foi renomeada e passou a Declaração Universal dos Direitos Humanos) – não marcou presença na cerimónia de abertura da competição?
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) não acompanhou o processo de preparação e construção das infraestruturas indispensáveis para a organização de um torneio com esta dimensão?
E ao longo dos últimos 12 anos ter-se-ão perdido no deserto?
Ninguém questionou, ninguém se indignou, ninguém protestou?
E é agora, com tudo feito e o Mundial em marcha, que se escandalizam e vêm solidarizar-se com a comunidade LGBTQIA+ e com os trabalhadores imigrantes no Qatar?
O Mundo está a entrar numa catarse paranoica em que o delírio já não conhece limites.
A insensatez dominante chega ao ponto de tentar legitimar quem se diz solidário com os oprimidos e perseguidos em verdadeiros opressores e perseguidores.
Incautos, estes radicais ditos defensores das virtudes de A a Z não veem que tanto extremismo só alimenta o fundamentalismo reativo?
Ah e depois queixam-se.
A Liberdade não deve nunca dar-se por adquirida.
Há que lutar sempre por ela, e sem hipocrisias.
Daí, também, a importância de lembrar o 25 de Novembro.