A história da maior fraude fiscal da UE. 2,2 mil milhões de euros e Lamborghinis

“Tudo começou em ponto pequeno”, garantiu a Procuradoria Europeia sobre a megaoperação desencadeada em Portugal que decorre simultaneamente noutros países europeus.

Felícia Cabrita e Maria Moreira Rato

A Operação Admiral, desencadeada ontem em Portugal pela Polícia Judiciária (PJ) do Porto, que revela uma gigantesca fraude fiscal a nível europeu, levou à apreensão de viaturas automóveis – entre elas, Lamborghinis –, e outros bens de luxo, material informático, dinheiro em montante valor superior a dois mil milhões de euros – 300 milhões em território nacional –, bem como documentação diversa que indicia fortemente a prática dos crimes de fraude fiscal, associação criminosa e branqueamento.

Esta investigação, em larga escala, coordenada pela Procuradoria Europeia (EPPO), ter-se-á alastrado a 16 países e tem como alvos principais gestores das empresas de venda de material eletrónico e empresas de construção civil que faziam o branqueamento do dinheiro ilícito proveniente do crime. Só em território nacional foram arrestados 50 automóveis, 47 propriedades – apartamentos e moradias de luxo – e aproximadamente 600 contas bancárias nacionais.

E, espante-se, tudo começou em Portugal. Nesta operação policial estiveram envolvidos cerca de 250 elementos da PJ de diversos departamentos, assim como 35 elementos da Administração Tributária, um magistrado judicial, o Procurador Europeu e dois Procuradores Europeus Delegados Portugueses.

Segundo informação avançada pela EPPO, em abril de 2021, a Autoridade Tributária Portuguesa em Coimbra “investigava uma empresa de venda de telemóveis, tablets, auscultadores e outros aparelhos eletrónicos, por suspeita de fraude ao IVA”, tendo comunicado posteriormente ao organismo europeu, “de acordo com a sua obrigação legal”.

Além da dimensão dos prejuízos, o que faz com que esta fraude carrossel do IVA se evidencie é “a extraordinária complexidade da cadeia de empresas”. Desde empresas que agem como fornecedoras “aparentemente limpas de dispositivos eletrónicos”, passando por “aquelas que reivindicam reembolsos de IVA das autoridades fiscais nacionais enquanto vendem esses dispositivos online para clientes individuais – e subsequentemente canalizam as receitas dessas vendas offshore, antes de desaparecerem – até àquelas que ‘lavam’ as receitas dessa atividade criminosa”, frisa a EPPO em comunicado, todas estão envolvidas no esquema.

“Na verdade operavam executando os atos necessários para se locupletarem com as quantias de IVA recebidas da venda desses produtos a clientes finais, num esquema típico da Missing Trader Intra-Community (MTIC) Fraud, que lesa os cofres da União Europeia”, mais conhecido por ‘fraude carrossel’, deixou claro, também em comunicado, a PJ, enquanto a Procuradoria Europeia realçou que tal não teria sido possível “sem o envolvimento de vários grupos altamente qualificados do crime organizado, cada um dos quais com papéis específicos no esquema geral”.

 

Vários países envolvidos

“Trabalhando transnacionalmente, quase com uma lógica industrial, eles evitam a deteção há anos”, sublinha a Procuradoria Europeia. A PJ, à sua vez, explicou que esta operação se enquadra “no âmbito de uma operação de grande amplitude, com realização de diligências de recolha de prova” simultaneamente na Alemanha, França, Itália, Espanha, Bélgica, Países-Baixos, Luxemburgo, República Checa, Hungria, Grécia, Roménia, Eslováquia, Áustria, Lituânia e Chipre.

“Os detidos vão ser presentes à competente autoridade judiciária no Tribunal de Instrução Criminal do Porto, para primeiro interrogatório judicial de arguido detido e aplicação das medidas de coação tidas por adequadas”, conclui a autoridade.