Não é novidade que muitas pessoas doam os seus órgãos à ciência após a morte na esperança de contribuírem para o conhecimento humano. A decisão de doar o corpo ao ensino e à investigação da Anatomia é há muito uma contribuição vital para a consolidação e o avanço da Ciência Médica.
Além disso, a doação de órgãos e tecidos permite também salvar e transformar vidas: os órgãos e/ou tecidos são retirados de um dador e transplantados para uma pessoa doente ou em risco de vida devido à falência de um ou mais órgãos. Toda a pessoa maior de idade tem o direito a doar o seu corpo.
Porém, o que muita gente desconhece é que atualmente também já é possível doar orgasmos.
A modelo e atriz Cara Delevingne – que recentemente esteve nas bocas do mundo pelo seu problema de toxicodependência –, revelou ter doado amostras de sangue retiradas antes e depois de atingir o orgasmo para uma pesquisa sobre prazer feminino. De acordo com o jornal Daily Mail, a iniciativa é uma contribuição para a produção do documentário, Planet Sex with Cara Delevingne, em português, Planeta Sexo com Cara Delevingne, que estreou na quinta-feira no Reino Unido, no canal BBC3.
O primeiro documentário da atriz de 30 anos aborda as curiosidades culturais, sociais e científicas que envolvem o sexo e a sexualidade. De acordo com o jornal britânico, Cara aceitou participar numa investigação sobre a “disparidade do clímax de género” – termo usado para as pesquisas que procuram compreender porque é que os homens têm maior probabilidade de ter um orgasmo durante o sexo do que as mulheres.
A experiência
Para o programa da emissora BBC, Delevingne viaja pelo mundo e foi durante a sua passagem pela Alemanha que se deu a doação. A artista tirou sangue antes e depois de uma sessão de masturbação de 10 minutos: “Estou aqui para ter um orgasmo e doá-lo à ciência. Acredito que o desejo sexual feminino foi definitivamente reprimido ao longo de todos estes anos. Eu sei, da minha própria vida amorosa, o quão sexuais as mulheres podem ser. No século XXI, os homens e as mulheres não deveriam ter vidas sexuais igualmente satisfatórias?”, interrogou a modelo. “Bem, prepare-se para um choque… Quando se trata de um orgasmo, há uma diferença de género bastante significativa. Os cientistas dizem que 95 % dos homens heterossexuais têm um orgasmo durante a relação sexual, mas apenas 65 % das mulheres heterossexuais o conseguem”, explicou, admitindo que, na sua opinião e tendo em conta aquilo que ouve das suas amigas, “este é um número bastante alto para a realidade”. “A maioria das minhas amigas heterossexuais dizem que provavelmente a percentagem é de 15 ou 20 %”. Além disso, segundo a atriz, “lésbicas e mulheres queer parecem definitivamente ter uma vida sexual melhor”.
De acordo com o Daily Mail, a experiência mediu os níveis de endocanabinóides no organismo da atriz antes e depois do orgasmo. Semelhante à molécula ativa da canábis, o produto químico “reduz a ansiedade, aumenta a euforia e amplifica a resposta prazerosa ao sexo”.
À mesma publicação, Delevingne afirmou ainda que “geralmente os homens não estão equipados com as ferramentas certas para lidar com as mulheres, sobretudo sexualmente”. “Eu entendo! É muito complicado ter uma mulher a dizer que não está a fazer da maneira certa, mas é preciso sentar e ouvir!”, defende. “Sim, é um assassino de ego com o qual a maioria dos homens não consegue lidar”, acrescentou.
Viciada em pornografia
Esta não é a única missão que Delevingne assumiu na sua busca para chegar ao fundo da sexualidade feminina. A artista viajou até à Holanda para conhecer um especialista em sexo e visitou um set de filmagens de pornografia “ética”. Já no Japão, fez um molde da sua vagina.
De acordo com a BBC, no documentário, a modelo admite que já foi viciada em pornografia. Terá começou a assistir a conteúdos pornográficos desde muito jovem e não conseguia atingir o orgasmo sem eles: “Não consegui durante muito tempo. Quando comecei a tentar masturbar-me sem assistir, era difícil. Sem um brinquedo sexual também”, lamentou. Esse chegou mesmo a ser “ o seu segredo sexual”, já que nunca assistia aos conteúdos com os seus parceiros (a artista esteve com homens durante uma parte da sua vida, depois descobriu que apreciava mais as mulheres). “Se eu era viciada em pornografia? Não assistia todos os dias, porque não precisava de ter um orgasmo todos os dias. Porém, se eu preciso disso para atingir o clímax, isso é um vício”, defendeu.
Assim que percebeu o quão prejudicial era esse hábito, parou por ter ficado “insensível”: “A pornografia dá aos jovens uma visão distorcida de como o sexo e a intimidade devem ser. Eu definitivamente não teria feito muitas coisas se não tivesse assistido a pornografia, e definitivamente que me arrependi disso depois”, acrescentou.
Enquanto fazia o documentário, Cara conheceu Erika Lust, diretora de filmes porno independentes e que produz conteúdo adulto baseado nos desejos e consentimento femininos. “Já vi muita pornografia, mas isto foi incrível, especialmente no sentido de: ‘Uau! Eles são realmente bons no sexo’. Na maior parte do porno, não são,” reforçou.
Ainda sobre o projeto, a atriz revelou que o objetivo do documentário é ser sobre desejo e atração, além de servir como inspiração para que outras pessoas parem com a vontade de se “esconder”: “Pensei em acabar com minha vida muitas vezes e estou muito feliz por não o ter feito, porque se eu puder ajudar qualquer outra criança como eu, isso significa muito”, sublinhou.
No ano passado, numa entrevista ao podcast Make It Reign, Delevingne comparou a sua sexualidade a um pêndulo, já que está “em constante mudança”. A modelo admitiu que ainda não sabe se define como pansexual – atração sexual, romântica ou emocional em relação às pessoas, independentemente de seu sexo ou identidade de género – ou bissexual – atração romântica, atração sexual ou comportamento sexual voltado tanto a homens e como a mulheres, ou por mais de um sexo ou género: “A maneira como me defino ainda muda o tempo todo, seja pansexual, bissexual – realmente não sei”, apontou. “É como um pêndulo que balança”.
A opinião da especialista
A disparidade existe em diversas áreas e situações, já que os géneros “são diferentes, têm vivências diferentes, anatomias diferentes, fatores cognitivos e emocionais associados que são também diferentes”, explica a sexóloga Catarina Lucas. “Estamos a construir um caminho de desmistificação da sexualidade feminina. Além de toda a herança cultural associada ao prazer feminino e à forma recatada como as mulheres foram ensinadas a viver a sexualidade, a verdade é que a investigação na área da sexualidade se centrou inicialmente no homem e a sexualidade feminina foi durante muito tempo olhada em espelho em relação à sexualidade masculina, o que foi um erro”, considera, acrescentando que a sexualidade feminina tem particularidades próprias e as variáveis que lhe estão associadas “são diferentes e até mais complexas que as do homem”. Logo, “desmistificar e compreender a sexualidade feminina é ainda um desafio, tanto para a ciência como para o público em geral”.
Interrogada sobre o porquê das mulheres terem mais dificuldade em atingir um orgasmo, Catarina Lucas lembra que existe mesmo uma percentagem muito elevada que nunca o experienciou. “Para a grande maioria das mulheres, o orgasmo implica estimulação direta do clitóris, o que nem sempre se consegue através da penetração apenas. Todavia, o desconhecimento deste facto leva a que muitas mulheres não explorem formas de atingir o orgasmo acreditando não o conseguirem”, diz.
Isto ocorre porque o clitóris tem muitas terminações nervosas: “A isto chamaríamos orgasmo clitoriano. Contudo, a estimulação interna da vagina também pode gerar a reação de orgasmo (vaginal), uma vez que os nervos e músculos associados fazem parte do mesmo sistema. Apesar disso, os orgasmos têm um efeito no corpo semelhante, independentemente do tipo”, acrescentou. Quando não o conseguem, isso é tendencialmente gerido com frustração, sentimentos de inferioridade e desinteresse pelo sexo: “Tudo isto pode ainda refletir-se na relação do casal, uma vez que uma sexualidade insatisfatória está na origem de muitos conflitos e problemas”, alerta.
Relativamente à pornografia e aos perigos que lhe são inerentes, Catarina Lucas explica que pode gerar dependência, aprendizagem desadequada da sexualidade, aprendizagem desadequada do papel do homem e da mulher, comparações desajustadas entre o próprio aspeto físico e desempenho e o aspeto físico e desempenho do ator, desinteresse pelos estímulos reais, entre outros.
No que toca à maneira como o homem olha para a sexualidade feminina, a especialista acredita que até há uns anos, a sexualidade e o prazer sexual estavam muito associados às necessidades masculinas. Porém, a emancipação da mulher e o reclamar do seu prazer “têm gerado no homem a preocupação com a bem-estar e prazer femininos”. “Nas relações recíprocas e de amor isso é cada vez mais uma preocupação”, aponta.