por João Sena
É inegável que as redes sociais pautam a vida das pessoas. Desde que transferimos boa parte de nossa vida social para a internet tudo ficou mais fácil: o diálogo, o relacionamento e até a partilha de informações ficou mais acessível. Os grupos criados na maior rede social do Mundo dão forma a comunidades virtuais, que têm vindo a ganhar relevância, como é o caso dos grupos de bairro ou de vizinhos. Já houve quem partilhasse conteúdos de extrema gravidade, como foi o caso de um homicídio na cidade de Lisboa, primeiro no Facebook, e só depois a informação chegou à polícia.
Esses grupos são constituídos por pessoas que estão próximas fisicamente, podem conversar entre elas, partilhar experiências, dar informações sobre situações quotidianas e urgentes, fazer uma declaração ou um alerta. As novas formas de comunicação permitem igualmente criar dinâmicas de participação entre vizinhos, organizar eventos e fomentar a atividade económica ao oferecer produtos e serviços aos moradores. São uma ferramenta poderosa, onde cada pessoa expressa livremente o que pensa através de um texto, imagem ou vídeo, e partilha conteúdos de interesse para a comunidade. Na maioria dos grupos, a segurança nas ruas é tema obrigatório, tal como a falta de lugares de estacionamento, os transportes públicos e a vida nos mercados tradicionais e nas lojas de mercearias. Mas há também quem procure, e encontre, um espaço para fazer uma festa de anos para uma menina de seis anos, que nunca tinha comemorado o seu aniversário com os amiguinhos, quem reencontre o seu animal de estimação graças à mobilização dos vizinhos, quem peça conselhos sobre o melhor café, o restaurante da moda e até o melhor serralheiro ou canalizador da zona, sem esquecer aqueles que organizam concentrações de automóveis clássicos.
O poder local, juntas de freguesia e câmara municipal, ficam a saber o que se passa na sua esfera de ação. Depois, podem atuar e solucionar os problemas apresentados pelos residentes ou, pura e simplesmente, ignorar. Uma coisa é certa, os ‘post’ desses grupos não caem em saco roto, ao contrário do que acontece com muitos dos canais criados para o cidadão apresentar sugestões e/ou reclamações que não passam de intenções, pois o seu funcionamento deixa muito a desejar.
Por outro lado, o dinamismo das redes socais é muito difícil de controlar, e a rede criada por Mar Zuckerberg não faz só amigos. Ao mesmo tempo que são espaços de debate e de conhecimento, também podem ser usados com o objetivo de criar conflito ou perseguir alguém. Ser bairrista é bom, desde que haja rigor e seriedade nas observações.
Espaço aberto
O grupo Vizinhos de Alvalade é dos mais ativos na defesa dos interesses da sua comunidade. É um espaço comunicacional aberto aos moradores, onde as pessoas são vistas como parceiros na manutenção da tranquilidade, advertem sobre situações indesejáveis e alertam sobre movimentações suspeitas. Gustavo Ambrósio, um dos administradores do grupo, caraterizou os Vizinhos de Alvalade “o bairro é composto maioritariamente por seniores, mas temos também gente jovem que interage e é sensível aos problemas do bairro e há a antiga geração de ‘punks’. Temos ainda os antigos moradores, que falam de Alvalade com grande saudosismo”. Explicou em seguida as motivações que o levaram a criar o grupo “o principal objetivo é fazer com que as pessoas trabalhem pela melhoria da zona onde residem. Queremos posicionar o grupo para o ativismo dos moradores e para aquilo que se pode fazer para o bairro melhorar”. O que era apenas uma página de informação ganhou grande dinamismo e conta com mais de 11200 seguidores “temos agentes da polícia, jornalistas, pessoas com atividade partidária, gente que trabalha no comércio local e ligada à igreja” explicou.
A dinâmica do grupo é muito boa “tudo o que se escreve é importante, mesmo quando são ‘posts’ pequenos”, e o impacto pode ser enorme, como nos contou Gustavo Ambrósio “o ‘post’ sobre um senhor que foi assassinado no parque Gomes Ferreira criou grande impacto. Um morador andava a fazer ‘jogging’ na zona, fotografou as marcas de sangue no chão, não ligou para a polícia, mas publicou no grupo Vizinhos de Alvalade, foi isso que despertou a atenção da comunicação social. O homicídio teve muito impacto, os poderes públicos seguiram com atenção esse assunto, e, nos dias seguintes, tivemos mais mil novos seguidores quando o normal é ter 50 novos seguidores por semana”. Mas há outros exemplos que mostram a dinâmica deste grupo, como nos contou o seu administrador “durante a madrugada rebentou uma caixa de eletricidade na rua, pouco minutos depois já havia vídeos na página Vizinho de Alvalade.” Desde fevereiro que a insegurança tem vindo a aumentar, com constantes assaltos a pessoas, a estabelecimentos comerciais e a automóveis, mas foi o vídeo de um assalto que despoletou nas pessoas do bairro de Alvalade a necessidade de reagir para aumentar a segurança. “Os vários ‘posts’ sobre a falta de segurança em Alvalade deram origem à petição ‘Alvalade é Tranquilidade’, que foi entregue na Assembleia Municipal de Lisboa e em outros organismos oficiais a pedir mais policiamento, melhor iluminação noturna nas vias secundárias e videovigilância nas zonas não residenciais” disse-nos Gustavo Ambrósio. No seguimento da petição, que foi assinada por 433 subscritores, a partir de outubro houve um reforço de 22 agentes na freguesia de Alvalade.
O responsável do grupo afirma ainda que “a vida mudou muito em Alvalade nos últimos dez anos. Antes não se podia frequentar o Campo Grande e a Cidade Universitária, atualmente as pessoas têm a perceção de que podem usufruir desses espaços a qualquer hora, mas sentem-se inseguras nas principais artérias do bairro”. As queixas relativamente à insegurança foram escutadas por alguns, mas nem todos. “Tivemos ‘feedback’ de deputados municipais, de autarcas de vários partidos, mas do atual presidente da junta de freguesia só temos recebido silêncio, apesar da junta de freguesia ter conhecimento do grupo e do presidente fazer parte dos Vizinhos de Alvalade”, refere.
Apesar disso, reconhece: “Os poderes públicos começaram a dar-nos importância mesmo a nível municipal. Houve situações relatadas na página a que a câmara deu resposta. Também já fomos contatados por um investigador na área das Ciências Sociais que queria perceber o impacto que os grupos de vizinhos têm na tomada de decisão do poder local”.
O grupo tem sido a alavanca para que determinadas situações sejam discutidas. “Há temas que deviam ter sido tratados há 40 anos e só agora estão a ser falados em praça pública. As pessoas mais facilmente apresentam os problemas no grupo do Facebook do que numa assembleia de freguesia”, disse o adminitrador do grupo, e deu exemplos: “O lixo é um problema que afeta bastante os moradores devido à deficiente higiene urbana. Recebi queixas de um proprietário de um restaurante que em vez de ir a uma assembleia veio falar comigo por ser o administrador do grupo”. Outra preocupação são os depósitos de combustível que se encontram no subsolo, mas estão mal selados, e, no verão, sente-se muito o cheiro do combustível quando se anda na rua. “Os moradores querem a remoção dos depósitos, mas como a junta de freguesia não atua vêm falar comigo”, disse.
Além da insegurança, há outros problemas perfeitamente identificados que preocupam os residentes de Alvalade, caso do ruído dos aviões e de uma mega cozinha. Em relação aos aviões, trata-se de um problema estrutural de difícil resolução, mas que tem merecido comentários do tipo “começou o ‘ataque aéreo’ a Lisboa pelas cinco da manhã”. A instalação de 22 cozinhas no mesmo edifício destinadas ao ‘delevery’ numa zona classificada pelo Plano Diretor Municipal como residencial deixa os moradores receosos com o fumo e a presença de grande número de entregadores nesse local. Os Vizinhos de Alvalade fizeram uma petição contra a instalação da referida dark kitchen.
Outro assunto que teve participação ativa foi a chamada de atenção para a tentativa de burla de falsos assistentes médicos. Há quem telefone para as pessoas de idade dizendo que são do centro de saúde e que se disponibilizam para ir a casa medir a tensão arterial e entregar medicamentos. Apresentavam-se com bata médica e máscara, mas a sua intenção era assaltar as pessoas e habitações.
Ai o jardim!
Campo de Ourique é um bairro muito sui generis. Desde os anos 50 que é das zonas mais bem vistas da cidade pela apresentação cuidada, com jardins vistosos e equipamentos destinados a crianças e idosos. As pessoas dizem com vaidade que moram em Campo de Ourique. Aí residiram intelectuais, escritores e políticos marcantes, casos de Fernando Pessoa, Bento de Jesus Caraça, Rómulo de Carvalho, António Gedeão, Fernando Assis Pacheco, Luís Sttau Monteiro e Jorge Sampaio. Os Fãs de Campo de Ourique é outro grupo que mostra grande dinamismo no Facebook em defesa daquilo que consideram ser a ‘joia’ do bairro. Desde que o Metropolitano de Lisboa considerou construir uma estação da Linha Vermelha sob o jardim da Parada, a uma profundidade de 35 metros, que surgiram dezenas de comentários de desagrado pelo impacto que pode causar nesse espaço verde de “características únicas”, e pediram uma solução alternativa. Foi, inclusivamente, criada a petição ‘Salvar o Jardim da parada”, que já reuniu mais de 7600 assinaturas, e o Movimento Salvar o Jardim da Parada tem usado esta rede social para mostrar os valores culturais do bairro, realizar ações de sensibilização com artistas e afirmar “Todos a favor do Metro, mas fora do Jardim!”.
Bons exemplos
O grupo Vizinhos de Benfica publicou um interessante ‘post’ de um cidadão sueco onde diz que, em Malmoe, as pessoas colocam o excesso de comida num saco e deixam na rua, em zonas especificas, para que aqueles que não têm comida suficiente se possam alimentar, o post é acompanhado por uma fotografia bem elucidativa. Neste grupo foi também possível aprender a fazer uma horta urbana através de workshops realizados em Carnide, com os moradores que se tornaram especialistas no tema.
Outro bom exemplo é dado pela página Vizinhos de Arroios, que permite agendar o pedido de isenção para o passe social a pessoas com mais de 65 anos, basta clicar no link dedicado para esse efeito. Mas a zona de Arroios tem naturalmente problemas, e a insegurança é o tema que mais preocupa. Os moradores usaram a página de os Vizinhos de Arroios para se queixaram dos assaltos, da violência e da falta de policiamento, e pediram a reabertura da 10.ª esquadra de Polícia de Arroios. Desde o seu encerramento em 2018, aumentou a criminalidade e a insegurança da população. De acordo com alguns testemunhos colocados na página do Facebook, tem havido ataques indiscriminados a viatura, assaltos a casas, a moradores e a comerciantes da freguesia, de que resultaram várias pessoas feridas – tudo isto aconteceu nos meses de verão. Em junho, foi criada uma petição a pedir a reabertura da esquadra e aprovado o regresso do guarda noturno em vários locais da freguesia. Na sequência desses pedidos, a Polícia Municipal de Lisboa disponibilizou um reforço adicional de cinco elementos, entre as 22 horas e as 4.00 horas, todas as sextas-feiras, sábados e vésperas de feriado para garantir a segurança dos residentes. O ruído noturno causado por bares e esplanadas levou os Vizinhos de Arroios a exigir a redução de horários e o encerramento noturno das esplanadas, seguindo o exemplo das medidas que estão a ser adotadas em grandes cidades europeias. Noutro ponto da cidade, a junta de freguesia da Misericórdia foi suscetível às reclamações online dos moradores e teve a coragem de enfrentar umas dezenas de bares, impondo o encerramento das esplanadas às 23 horas.