por Felícia Cabrita e João Campos Rodrigues
Após as obras no antigo Hospital Militar de Belém “derraparem”, excedendo em mais de 2,4 milhões de euros (com IVA) o valor estipulado pelo Ministério da Defesa no contrato inicial, Alberto Coelho confidenciou a um dos elementos que o rodeavam quando era diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional que o ministro João Cravinho “sabia de tudo, mas formalmente não havia nada escrito”.
Foi o que relatou ao i esse homem da sua confiança, que à época trabalhava na Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN). Aliás, Coelho acabaria premiado pelo ministro, que o nomeou para presidente do Conselho de Administração da Empordef Tecnologias de Informação (ETI), uma empresa da holding IdD Portugal Defence (Indústrias de Defesa), detida pelo Estado. Entretanto, Coelho deu por si como principal alvo da operação “Tempestade Perfeita”, na qual a PJ deteve cinco suspeitos, esta terça-feira, constituindo dezanove arguidos após denúncias por corrupção.
Coelho até já aceitara voluntariamente pagar uma multa de 15.300 euros devido a uma ação instaurada no Tribunal de Contas, no rescaldo de uma auditoria de 2020 da Inspeção Geral da Defesa Nacional (IGDN). Em que se notou “a ausência de competência por parte do Diretor-geral da DGRDN para autorizar a despesa” no derrape no Hospital Militar de Belém, ou para “escolher as entidades a convidar, aprovar as peças do procedimento e decidir a adjudicação”. Agora, a tese da Unidade Nacional de Combate à Corrupção é que esses ajustes diretos tenham sido adjudicados a troco de subornos.
Junto com Coelho foram detidos dois empresários, um outro antigo dirigente da Defesa, assim como Francisco Marques, atual coordenador para a comissão técnica do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA. Antes de ser nomeado para este posto pela sucessora de Cravinho como ministra da Defesa, Helena Carreira, Marques estava no círculo mais próximo de Coelho dentro da DGRDN. Para a fonte do i, que trabalhava nesse mesmo meio, não faria sentido que Coelho, após 18 anos a liderar a DGRDN, pensasse que poderia ter gastos dessa dimensão sem falar com o ministro da Defesa, João Cravinho, que agora detém a pasta dos Negócios Estrangeiros.
O objetivo das obras em três dos cinco pisos no Hospital Militar de Belém, anunciadas em março de 2020 e cujo custo se previa que rondasse os 750 mil euros, seria permitir às forças armadas apoiar o Serviço Nacional de Saúde no combate à covid-19. A perspetiva era que o centro começasse a funcionar o mais depressa possível, acabando por ser equipado com 140 camas de enfermaria, de maneira a receber doentes covid-19 pouco graves.
Em outubro desse ano, já Cravinho assumia perante o Parlamento que houve “um desvio muito significativo” no valor das obras. Mesmo assim, três meses depois, o ministro não resistiu em acompanhar uma visita da imprensa às instalações, na qual o i esteve presente, gabando o seu funcionamento.
Mesmo estando os gastos no Hospital Militar de Belém já sob suspeita, Cravinho não deixou de defender Coelho quando o substituiu na DGRDN, elogiando-o como uma “pessoa extremamente qualificada e capaz” e lembrando que “prestou enormes contributos ao Ministério”, como explicou numa audiência parlamentar, em fevereiro de 2021. Meses depois, escolhia-o para presidente do Conselho de Administração Empordef Tecnologias de Informação (ETI), um cargo que ocupou até recentemente.
Na operação “Tempestade Perfeita” foram executados 59 mandados de busca, dos quais 29 buscas domiciliárias e 30 buscas não domiciliárias, anunciou a PJ em comunicado. As buscas decorreram em Lisboa, Porto, Alter do Chão, Almada e Comporta, tendo participado cerca de 200 investigadores e peritos, além de um Magistrado Judicial e dois Procuradores da República. Pretendiam investigar suspeitas de crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e branqueamento.