Qualquer um fica doente só de ouvir falar da Saúde…

Finalmente, tenho ouvido por demasiadas vezes alguns desabafos médicos, quiçá verdadeiros, sobre a inexistência de articulação entre os cuidados primários e os serviços de urgência.

Falar da Saúde é falar da situação penosa em que se encontra o SNS, motivado primordialmente por falta de organização, mas também por falta de pessoal em todas as classes profissionais, sejam médicos, enfermeiros ou pessoal auxiliar. Esta a realidade para a qual se têm sucessivamente criado diversas comissões que muito discutem, sem resultados práticos, corroborando a ideia que quando se cria uma Comissão para resolver algum problema, a única coisa certa que temos como resultado, é ter um problema adicional.

A agravar o problema, existe a perceção generalizada pelos utentes de que quando precisam de um médico, o mais seguro é ir até às urgências, porque muitos estão profundamente traumatizados pelos centros de saúde que não respondem, sensação agravada pela falta de médicos de família (1,4 milhões de utentes em outubro 2022). Depois, a realidade da falta de formação cívica, que deveria ser impulsionada por informação aos utentes sobre as consequências das deslocações por razões de ‘lana caprina’ e que só contribuem para ‘entupir’ os hospitais, causando pressões muitas vezes ingeríveis. Finalmente, tenho ouvido por demasiadas vezes alguns desabafos médicos, quiçá verdadeiros, sobre a inexistência de articulação entre os cuidados primários e os serviços de urgência.

Não sendo da área médica, mas tendo experiência profissional adquirida em múltiplas empresas nos mais variados setores, também na Saúde, atrevo-me a sugerir algumas ideias organizativas, em tempos discutidas e partilhadas com certos especialistas: (i) Promover campanhas massivas a informar o público de que a ida às Urgências não é panaceia adequada para múltiplas situações, devendo optar por Unidades de Saúde Primárias. Estas campanhas seriam acompanhadas com simulações de sintomas e doenças; (ii)Para os doentes considerados ‘não urgentes’, quando dos exames da Triagem de Manchester, dever-se-ia alvitrar se prefeririam aguardar ou, como parece mais lógico, irem para casa esperar até serem chamados (ou, em alternativa, encaminhados para unidades de cuidados primários); (iii) Finalmente, defendo a especialização hospitalar das urgências nos grandes centros, ou seja, consoante a doença em causa, assim se dirigiam aos diferentes hospitais. Esta situação possibilitaria desviar casos não essenciais, permitindo melhor atendimento aos verdadeiramente urgentes. 

Claro que estas medidas jamais serão suficientes se não existirem médicos de família, capazes de responderem às solicitações dos utentes, para o que se torna fundamental articular com outras que adiante abordarei.

Além destas razões, existem outras que muito contribuem para esta deterioração acentuada da qualidade de serviços, nomeadamente de caráter político, económico e social, todas elas desde há muito conjugadas para originar o atual caos de tantas urgências assoberbadas ou encerradas, a causar tanto padecimento aos utentes que não têm alternativas senão esperar horas por consultas, seja nos centros de saúde e/ou urgências.

As de natureza política são por demais conhecidas e só as relembro por serem relevantes. Os privados são um papão para os defensores dos serviços públicos e na saúde (como na educação) são politicamente escorraçados, como sucedeu nas PPP’s. Exemplo recente registou-se quando o ministro Pizarro admitiu (e muito bem) a utilização, mesmo que a título excecional, de privados no apoio aos cuidados básicos de saúde. A resposta foi célere, um ‘Aqui d’el Rei’ de gritaria pelos tais zelosos defensores, para quem a cartilha e/ou dogmas políticos se sobrepõem à qualidade de serviço. O lamentável é que este acentuado caos nos serviços públicos acaba por ter efeitos boomerang, dada a realidade de cada vez mais pessoas recorrerem a seguros privados de saúde, assim fomentando a procura de médicos pelo setor privado que, com facilidade, ‘pescam’ no SNS, com a vantagem de virem já formados.

Se formos para as razões económicas, assistimos a um férreo ‘apertar de cinto’ nas Finanças, que dificulta pagar melhor a quem opta pela profissão na Administração Pública, realidade particularmente gravosa para todas as carreiras com alternativas. As consequências aí estão, neste caso na Saúde, em que a retenção não é premiada e os melhores se fartam e são atraídos, ou para o privado ou para o estrangeiro.

Finalmente, as razões sociais, em que demograficamente assistimos ao envelhecimento da população portuguesa que se vem acentuando desde há décadas, a esmagadora maioria a viver de parcas reformas e a necessitar de cada vez mais onerosos cuidados de saúde, sem outra solução que não seja pressionar o SNS.

Agora, depositamos todas as esperanças num novo CEO no SNS (Fernando Araújo), mas, salvo melhor opinião, as mezinhas são conhecidas. Além das reformas organizativas que urge abordar, há que ser prático e rever as tabelas salariais, por forma a se pagar competitivamente ao pessoal que permanece, incluindo incentivos, visando estancar a presente sangria e, se possível, tentar aliciar o regresso de uns quantos. Adicionalmente, há que atuar sem pruridos na utilização de todos os meios de saúde disponíveis (leia-se, trabalhar ‘com’ e não “contra” os privados).

Uma coisa eu sei: só com medidas concretas e imediatas se defende o SNS e, sejam estas ou outras as sugestões a serem seguidas por quem vive por dentro e conhece melhor o assunto, há que ser célere para que haja consequências ou nada se irá alterar e continuaremos a assistir a reportagens mostrando as angústias das pessoas que por razões económicas não têm alternativa.

P.S. – Fernando Santos demonstrou finalmente a sua liderança e a Seleção goleou a Suíça, jogando com prazer e alegria contagiante, galvanizando os portugueses, como tantas vezes CR o soube fazer com a sua genialidade. Os anos passaram, mas neste grupo que defende as cores de Portugal, o nosso ‘capitão’ será sempre, assim ele o queira, um líder de importância única na agregação deste grupo, esteja no campo ou no banco.