21 de Dezembro de 1932. Por ser um grande piancho o Faquista dava facadas à toa!

Emborrachado de vinho e de aguardente vai de espetar duas facadas nas costas de um homem que não conhecia de lado nenhum, a meio da noite, no Alto dos Toucinheiros. Lá de facas sabia ele!

Tinha uma alcunha desagradável: o Faquista. Puxa logo ideia para manguela que não consegue andar sem o pente no bolso de trás e a ponta-e-mola na meia. Júlio Lourenço: era assim que se chamava o malandro. Não faziam farinha com ele, mas também não teve tino para se manter longe de tranquibérnias, vinha-lhe de miúdo, o problema era a ponta-e-mola, ou se não era a ponta e mola era outra navalha qualquer, andava sempre com uma à mão de semear, não era o Faquista por acaso. Até para tirar um naco de febra de porco ou uma lasca de bacalhau lá do dente furado que tinha ao fundo da boca sacava da lâmina quanto mais quando um tipo de falinhas mansas, que morava no Alto dos Toucinheiros, que resolvera mangar com ele numa noite mais bem emborcada. O esfaqueado dava pela graça de Ernesto Morais Ferreira e foi encontrado esvaído de todo à custa de duas facadas nas costas. O Júlio foi caçado pela guarda dois dias mais tarde e não ofereceu resistência. Estava sentado no café ao lado de casa a emborcar traçadinhos, completamente piancho, apareceram-lhe três calmeirões fardados, percebeu que não tinha cabedal para entrar em questões.

Mas, na sala de tribunal, perante o trio de juízes formado pelos drs. Nunes de Carvalho, Simão José e Gomes Paulo, deixou-se ficar mudo e quedo. Não tinha nada para dizer.

O esvaimento de Ernesto foi brutal mas não fatal. Viu-se obrigado a passar uns dias valentes num quarto de hospital, submeteu-se a duas transfusões, mas era tipo rijo, não foi desta para melhor, escutaram-lhe a versão dos acontecimentos e há que dizer que era uma visão um bocado para o esquisito: afirmou que fora atacado à traição sem fazer ideia porquê e que não conhecia de lado nenhum o tal de Júlio Lourenço.

Por outro lado, uma das testemunhas abonatórias do Faquinhas quase chorou quando falou do seu compincha: “Estou aturdido. Falamos de um homem que é um verdadeiro socialista. É capaz de tirar da boca para dar de comer a um pobre. Tanto o que repartiu com os seus camaradas desempregados. Não acredito como pode ser acusado de tal barbaridade”. Advogado de Júlio, o dr. Duarte Viveiros, interrompeu de uma vez por todas aquela verborreia torrencial. “Oh meu caro senhor. Está aqui para abonar a favor do seu amigo, mas há algo que não se pode ignorar – no momento em que foi levado à esquadra confessou o crime sem qualquer rebuço!” E o amigo, vermelho de apoplexias: “Duas facadas nas costas? Ora, isso era por estar bêbado como um cacho!”

O dono da taberna ajudou à festa: “O Faquinhas!? Ò senhores doutores! É um dos meus melhores clientes. Chega a beber um litro de vinho seguido de um decilitro de aguardente!” E o dr. Viveiros, com um gesto compreensivo: “Pois! Já percebemos todos. A sua perdição é o vinho!” Os juízes não retiraram ao vinho a sua tão apregoada responsabilidade. Mas, por coisas lá deles, enfiaram o Júlio, o Faquinhas, três anos na pildra. Com uma nota acrescentada para que não lhe fornecessem nem vinho nem aguardente enquanto cumprisse pena. É pena!