Por Alexandre Faria, Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia
Num mundo cada vez mais fustigado pelas alterações climáticas, sem medidas significativas oriundas das sucessivas e frustrantes conferências sobre o clima, permitindo que os fenómenos naturais se intensifiquem de uma forma devastadora, continuamos a insistir no lucro fácil e irresponsável assente numa construção desenfreada, concentrada num litoral inundado pelas águas descontroladas e pela impunidade dos seus decisores públicos.
Nem as inundações causadas pelas chuvas prolongadas, ou a evidente impossibilidade de a terra absorver a água, possibilitaram uma reflexão nacional mais profunda, preferindo as entidades públicas por permanecer impávidas perante o estrangulamento dos leitos, a impossibilidade de drenagem e a urgente necessidade de uma revisão exaustiva das políticas de ocupação do solo.
Conhecida por impermeabilização do solo, a perda da capacidade de absorção da água pela terra sucede maioritariamente nas grandes cidades do litoral, em virtude do asfaltamento das estradas, das calçadas nos passeios, da colocação de cimento nos quintais das casas, criando uma capa sufocante que impede a infiltração das águas. Trata-se de uma das principais causas da degradação dos solos, afetando as terras férteis e colocando em risco a biodiversidade, constituindo um dos factores mais graves para o aquecimento global e consequentes impactos negativos.
Neste contexto, persistir na linha de um péssimo planeamento urbanístico prosseguido há demasiados anos, alicerçado no excesso de edificação que visa apenas a voracidade das receitas municipais, não é só perigoso como deveria ser sancionado como o mais sério crime ambiental dos nossos tempos.
Para além disso, Portugal prolonga a agonia do despovoamento do interior, acentuando desequilíbrios na distribuição da população e aumentando, de década para década, a litoralização do país e a concentração junto à capital. Enquanto 20% das pessoas se concentram nos sete municípios mais populosos numa área de 1,1% do território e 70% residem ao longo da faixa costeira, as estatísticas até revelam que metade da população vive em 31 concelhos, ou seja, num décimo dos municípios existentes em Portugal, praticamente todos nas regiões de Lisboa e Porto.
Como não é expectável qualquer sucesso ou resultados imediatos no combate às alterações climáticas, que as centenas de milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência destinadas à habitação, para além da imprescindível transparência, assumam, de uma vez por todas, a responsabilidade de uma necessária coesão e correção territoriais em Portugal, sob pena de ser demasiado tarde, hipotecando, em definitivo, o espaço nacional. E que se compreenda o erro tremendo da doentia obsessão pela pressão urbanística, em vez de se optar pelo desenvolvimento sustentável.