Num piscar de olhos, tal como descreve o jornal espanhol, El Debate, a agitação política em Espanha escalou, depois do Parlamento ter aprovado uma reforma judicial que vai trazer mudanças no Tribunal Constitucional e no Código Penal, com a oposição a acusar o primeiro-ministro Pedro Sánchez de tentar controlar os principais órgãos do aparelho do Estado, tecendo comparações com aquilo que políticos como Hugo Chávez ou Nicolas Maduro fizeram na Venezuela.
«Pedro Sánchez quer uma maioria progressista no Tribunal Constitucional que será mais confortável para a Moncloa (sede central da Presidência do Governo) quando chegar a altura de deliberar leis polémicas», pode ler-se num editorial publicado no El Español.
«A operação do Governo é extraordinariamente séria, tanto no conteúdo quanto na forma. Ninguém questionará se a maioria legislativa tem o direito de mudar qualquer lei. Mas, claro, sem abusar desse direito ou laminar o exercício da oposição parlamentar, que ontem teve apenas cinco minutos para se opor àquela reforma na Comissão de Justiça».
As reformas judiciais de Pedro Sánchez, que ficaram conhecidas como as «reformas Junqueras», foram discutidas esta quinta-feira no Parlamento e, apesar de ter sido aprovada (com 184 votos a favor, 64 contra e uma abstenção), a oposição de direita conseguiu adiar a decisão sobre o Tribunal Constitucional para segunda-feira.
Entre as mudanças previstas na reforma, está uma alteração ao Tribunal Constitucional que permitirá novas nomeações. Ou seja, tornará possível a eleição de novos membros e a aprovação de reformas com apenas uma maioria simples, em vez dos atuais três quintos do Conselho Geral do Poder Judicial.
«A convulsiva situação política que vivemos na Espanha nas últimas semanas, como resultado da obsessão do Governo Sanchez em controlar todas as instituições do Estado, faz-me lembrar as advertências que os meus amigos venezuelanos me deram anos atrás, quando os bolivarianos liderados por Chávez destruíram a democracia venezuelana e economia», escreveu o antigo membro do Partido Popular, Francisco Javier León de la Riva, acrescentando que nunca pensou assistir a este cenário no seu país.
Polémica instalada
Sánchez pretende também eliminar o crime de sedição do Código Penal, com penas de 10 a 15 anos de prisão, que será substituído pelo crime de «desordens públicas agravadas», com penas de três a cinco anos de prisão para detentores de cargos públicos, e alterar o de peculato (desvio de fundos públicos), que levaram à condenação de nove dirigentes da Catalunha envolvidos na tentativa de autodeterminação da região em 2017 e que foram acusados de utilizar verbas públicas para organizar o referendo, considerado ilegal.
Os líderes deste movimento foram acusados de crime de sedição e de desvio de fundos públicos em 2017, quando Carles Puigdemont assinou o referendo sobre a independência e declarou a independência catalã de forma unilateral. Portanto, esta alteração poderá beneficiar o ex-presidente regional, ajudando-o a escapar à justiça, ou o líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Oriol Junqueras, permitindo que este regresse à política mais cedo do que o previsto.
Numa altura em que o partido de Sánchez, o PSOE, tem contado com os independentistas catalães (e também com os bascos, além de outras formações mais pequenas) para aprovar leis como o Orçamento do Estado, analistas afirmam que esta reforma tem como intenção garantir o apoio dos independentistas nas próximas eleições legislativas, que acontecerão daqui a um ano.
As críticas a esta reforma chegam de diversos lados, com o líder do Partido Popular da Galiza, Alberto Núñez Feijóo, a acusar o «código penal feito à medida dos condenados», acrescentando que este está a utilizar o seu poder como um «déspota».
O partido de exterma-direita, Vox, não esteve com meias medidas e, face a estas propostas, apelou a que fosse feito um voto de não-confiança ao primeiro-ministro. Esta seria a segunda vez que o partido tentaria depor Sanchéz, – a primeira foi em outubro de 2020, mas a proposta foi chumbada.
Para várias bancadas, o parlamento espanhol não vivia uma crise tão grave desde 23 de fevereiro de 1981, quando elementos da Guarda Civil entraram armados no plenário com o objetivo de fazerem um golpe de Estado.