A felicidade de um país rendido a Messi

O Mundial mais mediatizado da história terminou com a vitória da Argentina, após uma final épica em que derrotou os anteriores campeões do mundo. Ao 29.º dia o futebol descansou, mas ficaram histórias por contar.

Quem não perdeu tempo foram os argentinos, que entraram em êxtase assim que Montiel marcou a grande penalidade que garantiu o título mundial. O Presidente da Argentina, Alberto Fernández, entrou na festa e decretou feriado nacional no dia em que a seleção chegou a casa com a taça. No preciso momento em que Messi atingia o Olimpo do futebol e era presenteado pelo emir, Tamim Bin Hammad Al Thani, com um bisht, a tradicional capa masculina normalmente usada em ocasiões especiais e associada à realeza, mais de um milhão de argentinos com bandeiras, camisolas e bonés com as cores da albiceleste festejaram o tricampeonato, nas ruas ensolaradas de Buenos Aires, como que se não houvesse amanhã. O momento alto da festa coletiva teve lugar ontem à tarde quando os novos campeões do Mundo percorreram as principais avenidas da capital e levaram a taça FIFA à Praça da República, onde está o célebre Obelisco, epicentro das celebrações – foi a caravana da felicidade. Muitos ‘hinchas’ não dormiram à espera da seleção e outros garantiram que iriam festejar a semana toda. Verdadeiramente, os novos campeões do Mundo começaram a festa ainda no Qatar, pois saíram do estádio num autocarro panorâmico pintado com as cores nacionais e percorreram as principais artérias de Doha acompanhados por milhares de pessoas, e até os prédios foram iluminados com as cores da bandeira argentina. Para a festa ser completa, à chegada a Buenos Aires a seleção argentina já tinha à sua disposição a camisola com as três estrelas, que simbolizam a conquista do tricampeonato.

Este triunfo serve também para aliviar a tensão social num país em que a inflação, a crise económica e o desânimo empurraram grande parte da população para a pobreza. Mas agora o orgulho argentino saiu à rua, milhões de pessoas em todo o país abraçavam-se, dançavam, choravam, enfim, estavam felizes. Os argentinos precisavam de um estímulo e de motivos para sorrir, e eles vieram do Qatar na forma de uma taça feita a peso de ouro. A crise socioeconómica pode esperar.

 

A grande final

Como sempre acontece, os caminhos cruzam-se entre a felicidade de uns e a tristeza de outros. Em França, os ultras saíram à rua em Paris, Lyon e Bordéus e usaram, uma vez mais, o futebol como pretexto para destruir tudo o que lhes aparecia pela frente. Em resultado disso foram detidas 227 pessoas. Foi a passagem à prática daquilo que se escrevia no Instagram com violentos insultos racistas a Kingsley Coman, atacante da seleção francesa, que falhou um penalti. O Bayern de Munique tomou posição sobre os ataques racistas ao seu jogador e escreveu na página oficial: “O Bayern condena de forma categórica os ataques racistas de que foi alvo Kingsley Coman! A família do Bayern está do teu lado, querido Kingsley. O racismo não tem lugar no futebol e na nossa sociedade”. Além de Coman, também o médio Aurelien Tchouaméni, outro jogador que falhou um penalti, foi alvo de comentários racistas por parte dos adeptos nas redes sociais. A federação francesa já fez saber que irá avançar com uma queixa junto das autoridades contra os insultos racistas aos jogadores.

Num jogo de grande intensidade e muitos golos, os adeptos puderam comemorar, discutir, chorar… ou festejar. A América do Sul não ganhava um Mundial há 20 anos, quando Luiz Felipe Scolari levou o Brasil à vitória no campeonato realizado na Coreia do Sul e Japão. Muitos especialistas continuavam a pôr todas as fichas numa seleção europeia, indo ao encontro da ideia de Kylian Mbappé de que “na América do Sul, o futebol não é tão avançado quanto na Europa”. Enganou-se! Nos nove embates entre seleções dos dois continentes, os sul-americanos venceram quatro e empataram quatro, a única vitória europeia foi de Portugal frente ao Uruguai.

Foi a segunda vez que a final do Campeonato do Mundo ficou resolvida na sempre ingrata decisão por grandes penalidades, a primeira vez foi no Mundial dos Estados Unidos, 1994, o jogo terminou empatado (0-0) e, nos penaltis, o Brasil venceu a Itália (3-2). Desta vez, a vitória sorriu à Argentina (4-2). O Mundial do Qatar foi o que teve maior número de penaltis falhados desde o Mundial de 1966, segundo os dados da Opta. No total, houve 64 pontapés de grande penalidade (no tempo normal de jogo, prolongamento e séries de penaltis) e 21 foram desperdiçados, o que representa um índice de erro de 33%. Espanha e Japão foram os que mais falharam (3). O quadro de honra do Mundial elaborado pela FIFA só deu Argentina e França, com uma única exceção: o português Bruno Fernandes com três passes para golo foi considerado, a par de Messi e de Griezmann, o melhor nas assistências.

 

Mundo árabe

O Qatar 2022 deixa também um importante legado para o mundo árabe. A excelente campanha de Marrocos (4.º classificado) deixou uma imagem de unidade entre os adeptos. Quando a Arábia Saudita ganhou surpreendentemente à Argentina, podiam ver-se bandeiras qataris, marroquinas, tunisinas, egípcias e libanesas, esse apoio acompanhou depois Marrocos até às meias-finais.

O Mundial do Qatar contou com estádios praticamente cheios em todos os jogos (a média de ocupação foi de 96,3%) e entrou para a história como a terceira edição com mais adeptos. No total, foram 3.404.252 aqueles que assistiram ao vivo aos 64 jogos, com uma média de 53.191 espetadores por jogo. O jogo Portugal-Uruguai, no estádio Lusail, foi dos mais vistos durante o mundial, com 88.966 espetadores (99,7% da lotação). O campeonato de 1994 realizado nos Estados Unidos continua a ser aquele que teve mais gente a assistir, com 3.568.567.

A dois dias do início da competição a organização decidiu proibir a venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios. A situação teve desenvolvimento com o pensamento obtuso dos engravatados senhores da FIFA que abriram um processo disciplinar ao Equador por causa dos cânticos dos seus animados adeptos que no jogo de abertura do Mundial gritaram “Queremos cerveza!”, momento que se tornou viral nas redes sociais. Mas não foi assim para todos. Os bilhetes de acesso aos espaços VIP dos estádios incluíam cerveja, champanhe, vinho e bebidas espirituosas, por valores que oscilavam entre os 900 e os 29 mil euros.