por Ester Amorim
Aproximam-se os cinquenta anos do 25 de Abril de 1974 em Portugal. Foi um Golpe Militar que se transformou numa Revolução (Revolução dos Cravos) que pôs fim a 41 anos de ditadura. Numa mudança de regime existem sempre excessos e Portugal viveu uma crise político-militar comandada pelo Partido Comunista Português (PCP) com a conivência de alguns setores militares de esquerda radical querendo impor um regime satélite da URSS, ligado ao Pacto de Varsóvia.
Os militares, fizeram a revolução para pôr fim a uma guerra colonial, acabar com regime de ditadura, o reconhecimento da independência das colónias e passar o poder aos partidos políticos. Mas se era essa a vontade da maioria dos militares não era o propósito de todos nem do PCP e essa anarquia só terminou com a determinação e coragem de militares moderados como Melo Antunes, Vasco Lourenço, Jaime Neves, Ramalho Eanes e de dois líderes partidários de enorme sentido de Estado e de grande coragem, Mário Soares e Francisco Sá Carneiro. Com eles o 25 de novembro de 1975, trouxe-nos de facto a Democracia plena. A verdadeira democracia a liberdade o respeito pelas instituições e uma maior igualdade no trabalho nas profissões na remuneração e nos deveres de cidadania entre homens e mulheres. Já lá vão quase cinquenta anos.
Por vezes todos nós nos interrogamos, porque é que o 25 de Abril de 1974, foi um golpe militar e não um movimento político-militar. Porque na realidade os partidos políticos com exceção do PCP não existiam. Vejamos a sua origem: o Partido Socialista português foi fundado a 10 de janeiro de 1875, por José Fontana e Antero de Quental, mas foi dissolvido pelo Estado Novo, após a sua ilegalização pela Constituição de 1933 e só voltou a ser formado passado 45 anos a 19 de abril de 1973 na Alemanha, com um grupo de fundadores entre os quais Mário Soares que foi designado secretário-geral. O PPD/PSD é fundado a 6 de maio de 1974 por Francisco Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota, mas só foi legalizado em 25 de janeiro de 1975 e teve como primeiro secretário-geral Francisco Sá Carneiro tornando-se mais tarde o primeiro presidente do PPD/PSD.
Mas se o 25 de Abril é feito pelo Movimento dos Capitães, não tenho qualquer dúvida que os grandes responsáveis por um país livre e democrático, foram Mário Soares e Francisco Sá Carneiro. Não tinham cobiça um do outro e admiravam-se mutuamente. Faziam política e eram adversários mas respeitavam-se. A dignidade era para eles um compromisso assumido. Assim o refere Mário Soares numa frase: «Nunca tive mau feitio, sempre considerei as pessoas com qualidade, mesmo quando não são meus amigos em funções políticas. O Eanes e Sá Carneiro são dois tipos de qualidade». Já Sá Carneiro dizia «A política sem risco é uma chatice, mas sem ética é uma vergonha».
Mário Soares e Francisco Sá Carneiro, foram duas personalidades de enorme intuição política, dotadas de grande cultura intelectual. Tinham trajetos diferentes, mas o mesmo objetivo. Mário Soares no seu exílio a lutar por um país livre e democrático. Sá Carneiro na Assembleia Nacional a denunciar uma ditadura, lutando para que Portugal se tornasse um país livre e democrático. Mas tinham mais coisas em comum. Em 1969 Mário Soares foi candidato a deputado à Assembleia Nacional, pela CEUD. Sá Carneiro foi candidato pela U.N. A partir do 25 de Abril de 1974 estiveram juntos no Governo e no 25 de novembro de 1975 estiveram contra a uma extrema-esquerda militar e contra o PCP. Em 1976 os dois apoiaram Ramalho Eanes para ser candidato à Presidência da República e foi eleito. Curiosamente em 1980 nem Mário Soares nem Sá Carneiro apoiaram Ramalho Eanes na sua segunda candidatura. Em comum também tinham a Coragem e a gentileza de aceitarem todos aqueles que discordavam dentro dos próprios partidos. Para eles as roturas era os seus combates mais aliciantes. Mário Soares não apoiou Ramalho Eanes em 1980, mas o PS apoiou-o e num ato de coragem Mário Soares suspendeu o seu lugar de secretário-geral. Sá Carneiro teve o mesmo procedimento e algumas vezes aconteceu entrar em rotura com o seu próprio partido demitindo-se de presidente do PPD/PSD, mas voltava, porque para ele era ponto de honra lutar pelas suas convicções. A sua coragem não tinha limites ao ponto de proferir esta frase: «Nunca me senti tão sozinho e nunca tive a certeza de estar tão certo». Mário Soares, fez o seu percurso, desempenhou os mais altos cargos da nação e a sua longevidade deu-lhe tempo de nos deixar as suas memórias. Francisco Sá Carneiro, deixou-nos no auge da sua juventude. Transmitiu-nos a sua sabedoria e os seus valores tudo tão rápido quase como se fosse um curso intensivo. Talvez Deus lhe comunicasse que o amanhã podia não chegar. Não sei se continuariam a ter coisas em comum, provavelmente teriam sido os dois candidatos nas eleições presidenciais de 1986, mas apenas são suposições, porque o futuro é desconhecido, mas tenho uma certeza de que passados 48 anos estas duas Personalidades, são os maiores símbolos do regime democrático e da liberdade.
Foram tão fortes e tão carismáticos que as suas lideranças, passado tantos anos, os partidos que fundaram PS e PPD/PSD continuam a ter o apoio de mais de 75% dos portugueses e a ter a possibilidade de formar governo.
Mas na vida e na política é sempre muito difícil falar do passado sem o comparar com o presente. Sabemos que antes, tudo era feito com mais proximidade e afetividade e hoje nada tem rosto, tudo se resume às redes sociais e aos mídias, como veículos de informação rápida e global e escrutinados ao segundo. De facto, o mundo mudou e os procedimentos também mudaram, mas será que o legado que nos deixou Mário Soares no PS e Francisco Sá Carneiro no PSD, está a ser cumprido? Sinceramente penso que não.
Nestes dois partidos falar da sua fundação ou dos seus primeiros líderes, às vezes ficamos com a sensação de que só interessam para a história ou quando algo é assinalável. A 4 de dezembro assinala-se a data do falecimento trágico de Sá Carneiro e lá vem o saudosismo, com missas e alguns nas primeiras cadeiras para serem vistos. Mas onde está a recordação e o seu exemplo?
Começando pelo PS. Talvez a longevidade de Mário Soares ainda seja um legado presente no partido e o seu desejo esteja a ser cumprido. Politicamente posicionado no centro e reduzir toda a extrema-esquerda à sua insignificância. Compreendendo-se assim, a permanência do PS no Governo com uma maioria absoluta no Parlamento, nas Autarquias e em todos os lugares de nomeação e tanto mais.
O que resta ao PPD/PSD o maior partido de oposição? Infelizmente muito pouco e o legado de Sá Carneiro muitas vezes não está presente. O seu posicionamento foi sempre social-democrata e assim alcançou sucesso, ganhou eleições e foi Governo. No entanto o PPD/PSD ao ganhar as eleições em 2011, desviou-se da social-democracia para políticas liberais e aí começou o seu declínio, perdendo uma grande parcela do seu eleitorado. O PPD/PSD está preparado para vencer as próximas eleições legislativas? Sinceramente acho difícil. Este partido, está muito descaracterizado. Sá Carneiro não foi apenas um líder político respeitado, foi um ‘caçador de talentos’ dele fizeram parte a maioria das elites intelectuais portuguesas. E hoje o partido tem essas elites bem preparadas? Talvez tenha. Mas estão esquecidas, desiludidas ou até desprezadas. Com algumas exceções o partido sustenta-se de muitos doutores do voto, mas nos seus trajetos pessoais não passam de um percurso exíguo e sem sucesso. O PPD/PSD precisa urgentemente de ter nas suas estruturas, militantes com qualidade para ir captar esses votos que está a perder para partidos á sua direita e que se está a tornar trágico.
Para bem de Portugal é importante e necessário que o PS e o PPD/PSD se entendam em várias matérias sem perderem a sua identidade. Se não o fizerem corremos o risco de ter uma extrema-direita, xenófoba destruidora dos valores democráticos, nas decisões do país.