Num momento crucial da guerra na Ucrânia, em que os comandos militares ucranianos receiam que o Kremlin prepare um novo exército para avançar contra Kiev esta primavera, Volodymyr Zelensky visitou os seus aliados mais próximos, procurando auxílio militar para atacar já durante o inverno, aproveitando que os russos estão na defensiva, por agora. O Presidente ucraniano encaminhou-se para Washington num avião militar, esta quarta-feira, para uma visita surpresa ao seu homólogo americano, Joe Biden, um dia após ter visitado tropas no ponto mais quente da linha da frente, Bakhmut.
Trata-se da primeira vez que Zelensky saiu do seu país desde que este foi invadido, em fevereiro. A visita foi organizada em segredo ao longo da última semana, avançou a CNN, sendo considerada uma deslocação de alto risco. Tendo o Presidente ucraniano ido para a Polónia de comboio, até à estação de Przemysl, onde seguiu numa mota 4×4 branca, escoltada por um forte contingente de seguranças, para apanhar boleia numa aeronave militar americana.
O objetivo da visita de Zelensky a Washington é ir buscar “armas, armas e mais armas”, resumiu o seu conselheiro político Mykhailo Podolyak, à Reuters. “É importante explicar pessoalmente porque precisamos de alguns tipos de armas”, frisou. “Em particular veículos blindados, as mais avançadas defesas contra mísseis e mísseis de longo alcance”.
Enquanto o regime de Vladimir Putin segue a estratégia de destruir a infraestrutura elétrica ucraniana, lançando mais de três dezenas de drones iranianos só na madrugada de segunda-feira, a Casa Branca recebeu Zelensky com o anúncio do envio de 1,8 mil milhões de dólares em ajuda militar, o equivalente a 1,7 mil milhões de euros, incluindo uma bateria MIM-104 Patriot.
Este sistema de defesa aérea americano, com tecnologia de ponta, estava há muito na lista de compras do Governo de Kiev, mas Washington hesitava com receio que ao enviar os Patriot provocasse Moscovo. Esta bateria de mísseis pode transformar a capacidade dos ucranianos no que toca a destruir aviões, helicópteros ou até mísseis de cruzeiro, que os russos também têm usado para atingir a rede elétrica ucraniana. Contudo, os Patriot são muito pouco eficazes contra os Shahed-136.
Aliás, os drones iranianos têm provas dadas contra estas defesas aéreas americanas. Os Qasef, um outro modelo de drones kamizaze iranianos, foram usados pelos houthis, um grupo rebelde iemenita alinhado com Teerão, atingindo instalações petrolíferas da Arábia Saudita apesar desta possuir os Patriot, que têm alguma dificuldade a detetar alvos tão pequenos, que voam a baixa altitude. Depois ainda há a questão financeira. Não compensa ter uma bateria que dispara mísseis que custam mais de um milhão de euros para abater vagas de drones comprados por poucas centenas de milhares de euros cada.
Apesar da ameaça dos drones iranianos, Zelensky saudou o alívio que esta bateria Patriot trará ao seu país, vendo-o como “o elemento mais importante deste pacote” de ajuda militar, numa conferência de imprensa conjunta com Biden. “É fundamental criar um espaço aéreo seguro na Ucrânia”, salientou. Descrevendo o envio de equipamento tão avançado como uma demonstração de que Kiev entrou numa “nova fase” na sua já forte relação com Washington. E “cada dólar deste investimento vai reforçar a segurança global”, garantiu Zelensky.
Janela de oportunidade
Zelensky sabe que tem de aproveitar agora para assegurar mais apoio dos americanos, dado que na Ucrânia se vive uma “pausa operacional”, salientou Frank Ledwidge, professor de Estratégia na Universidade de Portsmouth, à NBC. O duro inverno ucraniano dificulta quaisquer manobras ofensivas. E a retirada da guarnição russa de Kherson, que estava vulnerável e isolada na margem ocidental do Dnipro, deixou poucos pontos fracos óbvios que as forças de Zelensky possam atingir. “A Ucrânia está preocupada porque a guerra será longa. E o tempo provavelmente favorece muito a Rússia”, avisou Ledwidge.
O próprio ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, veio anunciar planos para expandir as forças armadas, de pouco mais de um milhão para 1,5 milhões de efetivos, esta quarta-feira. Planeando estender a idade máxima para ser chamado para o serviço militar obrigatório de 27 para 30 anos. Putin, falando aos seus comandantes nesse dia, veio dizer que concordava com o plano apresentado por Shoigu, não surpreendendo ninguém.
“Os russos estão a preparar cerca de 200 mil tropas frescas”, avisou este fim de semana o general Valery Zaluzhny, comandante em chefe das Forças Armadas ucranianas, em entrevista ao Economist. Essas tropas seriam em boa parte recrutas à força, apanhados na mobilização militar parcial de Putin, que ao contrário de outros não foram logo mandados para a linha da frente, cavando trincheiras, guarnecendo fortificações e servindo de carne para canhão
Esse novo exército estará a ser construído na Rússia mas também na Bielorrússia, cujo ditador, Alexander Lukashenko, tem feito tudo para se manter nas boas graças de Putin exceto enviar tropas para a Ucrânia, cedendo ao invés disso os seus treinadores militares. Quando essas novas forças russas estiverem operacionais, “não tenho dúvidas de que farão outra tentativa contra Kiev”, frisou o general Zaluzhny. Ainda por cima a Bielorrússia fica mesmo ali ao pé da capital ucraniana, tendo já servido de rampa de lançamento das forças do Kremlin no início da sua invasão.
Se a performance desastrosa das forças armadas russas têm surpreendido os analistas desde então, os comandantes ucranianos recusam subestimar um inimigo que receiam que volte à carga no próximo ano.
“Os russos não são idiotas”, salientou o general Oleskandr Syrsky, o número dois das forças armadas ucranianas, à publicação britânica. Sabe bem do que fala, tendo ele próprio nascido na Rússia e estudado numa das mais prestigiadas instituições militares russas, onde foi colega de boa parte dos comandantes que agora combate. Avisando que a mobilização parcial de Putin já se faz sentir na linha da frente, com cada vez mais recrutas a chegar. Mas as batalhas na Ucrânia têm sido vencidas pelo lado que tem conseguido fazer chegar munições mais depressa à linha da frente, considerou Syrsky. Daí que o seu Presidente tenha ido esta quarta-feira a Washington, para pedir mais armas.