Autoridades ucranianas apelam à retirada dos civis que restam em Kherson, depois da troca de fogo de artilharia de um lado para o outro do rio Dnipro ter escalado nos últimos dias. Só na quarta-feira houve 33 ataques com artilharia e um míssil russo a atingir a cidade, anunciou o Estado Maior ucraniano. Não há grandes perspetivas de que nenhum dos lados consiga fazer avanços neste ponto da frente, estando ambos entrincheirados em margens opostas do Dnipro. No entanto, as ofensivas ucranianas de inverno provavelmente não irão passar por esta cidade – durante esta semana será discutido o plano para o próximo ano, garantiu Volodymyr Zelensky – não torna a vida dos civis em Kherson muito mais fácil.
Não espanta que se vejam filas com centenas de veículos à saída da cidade, cheios de civis aterrorizados, que tinham os seus documentos verificados a cada posto de controlo. “Não conseguimos aguentar mais. Os bombardeamentos são tão intensos”, lamentou uma moradora de Kherson, Iryna Antonenko, falando com um correspondente da BBC dentro do seu carro.
Ainda no mês passado, a cidade irrompera em celebrações para receber as tropas ucranianas, que conseguiram forçar a guarnição russa a recuar, cercando-a com ataques metódicos às suas rotas de abastecimento, cortando o acesso à margem leste do Dnipro. Mas mesmo durante a festa ouviam-se alguns estrondos de artilharia disparada do outro lado do rio, indicando o que vinha aí. Aliás, perto do local onde uma multidão em êxtase se reunira a celebrar, acenando bandeiras ucranianas, morreram onze pessoas e dezenas ficaram feridas num ataque com morteiros na véspera de natal.
“Ficámos este tempo todo e pensámos que iria passar, que seriamos sortudos”, continuou Antonenko enquanto fugia.
“Mas um ataque atingiu a casa ao lado da nossa e a casa do meu pai também foi bombardeada”, explicou, contando que se dirigia a Kryvyi Rih, onde tem alguma família, no centro da Ucrânia e longe da linha da frente.
No entanto, se mesmo alguns daqueles que tinham tido a resiliência para aguentar a ocupação russa agora fogem, outros recusam, sobretudo os idosos e doentes. “Tenho dito a estas pessoas que Kherson é das cidades mais perigosas agora”, explicou Dmytro Poddubniy, membro do conselho municipal, falando à CNN. “Peço-lhes que imaginem que estão a ir de férias durante umas semanas. Pode ser mais fácil para eles decidirem partir desta maneira”, contou. “Ainda assim, muitas pessoas estão a ficar na cidade”.
Em termos militares, as forças do Kremlin parecem ter muito pouco a ganhar com estes ataques tão devastadores para os civis. Chegando a recorrer a munições incendiárias ou bombas de fragmentação, ou seja, bombas que soltam explosivos, devastando uma enorme área.
Talvez não passe de um ato de crueldade. Afinal, a única rota viável para a Ucrânia atingir as linhas russas em Kherson parece ser o cordão litoral de Kinburn, que cruza o estuário do Dnipro, a jusante de Kherson. Sendo que ainda a semana passada fontes russas se gabaram de terem repelido assaltos ucranianos contra este cordão litoral, protegido por 4 km de mar e fortificado pelos russos.