Foi um ano estranho este 2022 que ora se despede. Portugal marcou passo, embora o primeiro-ministro diga o contrário e o Presidente da República não o desminta. O eleitorado, amnésico, voltou a coroar o PS com uma maioria absoluta, varrendo da memória as agruras passadas com a primeira maioria socialista de Sócrates, cujos principais atores políticos dessa época continuam impavidamente em cena.
Agravaram-se as desigualdades, as manchas de pobreza e as dependências do Estado. O desenvolvimento económico não descolou, e a inflação voltou em força.
Resignado, o País não vai além de um modesto 56.º lugar no ranking mundial da Felicidade das Nações Unidas, enquanto a Finlândia ocupa o primeiro lugar pelo quinto ano consecutivo.
Talvez menos resignado, António Costa vê comprometidas as possibilidades de alcançar um cargo europeu, o que poderá explicar, segundo alguns observadores, o seu destempero.
Foi num cenário pintado de incertezas que o Governo, os partidos com assento parlamentar e os representantes da Justiça, se deslocaram, em romaria, a Belém, para cumprir o ritual das boas festas.
São tradições propícias à partilha de discursos cerimoniais, logo submersos pela vaga de demissões.
As histórias multiplicaram-se. Mal extintos os ecos do caso do ex-secretário de Estado, Miguel Alves e dos ajustes diretos, sem garantias, na Câmara de Caminha, e depressa subiu a cena a indemnização milionária paga pela TAP a Alexandra Reis – meteórica governante no Tesouro -, quando renunciou à administração da companhia aérea. O ‘negócio da China’ custou-lhe ter a cara estampada nos jornais e a presidência da NAV, por acaso, sob a mesma tutela de Pedro Nuno Santos.
A demissão de Alexandra Reis, a ‘convite’ de Fernando Medina, foi o corolário de outra polémica.
Mas faltava a ‘cereja em cima do bolo’, que apareceu noite fora, com a demissão de Pedro Nuno Santos, o desastrado ministro das Infraestruturas que não resistiu às ‘ondas de choque’ provocadas pela saída de Alexandra Reis.
Reconduzido no mesmo ministério, Pedro Nuno Santos cedo entrou em desatino ao anunciar a localização do novo aeroporto de Lisboa, à revelia do primeiro ministro. Embora desautorizado por este publicamente, não renunciou e sujeitou-se a um vexatório ‘perdoa-me’.
Fragilizado, o putativo candidato a sucessor de António Costa reconheceu, por fim, não dispor de condições para prosseguir.
Por ironia do destino, a TAP e o aeroporto adiaram ou liquidaram as aspirações políticas do ex-ministro que, dificilmente, terá condições para ‘levantar voo’.
Em menos de nove meses de Governo, assistiu-se à queda de uma dúzia de governantes. É obra.
Por isso, os ‘recados’ natalícios ganharam peso, perante um executivo que tem vindo a hipotecar a credibilidade em episódios burlescos.
Culpa de António Costa, a quem faltou o ‘golpe de asa’ para se rodear de gente capaz, em vez de ‘pescar’ na corte dos fiéis.
Por exemplo:
A Saúde mudou de ministro, mas não de política, com os dramáticos atrasos de cirurgias e de consultas de especialidade, e a confissão de impotência, espelhada no rosário dramático das urgências hospitalares. Um atestado do fracasso do SNS.
Na Educação promoveu-se um secretário de Estado a ministro, como se este não tivesse já dado fartas provas de facilitismo nos programas de ensino e de tolerância em relação às ‘azias’ da Fenprof, sem resolver as vicissitudes nas escolas públicas, penalizadas nos rankings anuais.
Nas Finanças, não se encontrou melhor solução do que recuperar o autarca e ‘delfim’ vencido em Lisboa e entregar-lhe uma pasta para a qual não dispunha de currículo técnico, embora lhe sobrasse ambição. E depressa se embrulhou na contratação do ex-diretor de informação da TVI, a quem devia o favor da tribuna televisiva.
Para os Negócios Estrangeiros, transitou um ministro que deixou histórias por contar na Defesa, como se viu agora no desfecho da investigação ao escândalo do Hospital Militar de Belém – cujas obras triplicaram em custos -, ao serem detidos vários quadros superiores, incluindo o diretor-geral, por suspeitas de crimes de corrupção, entre outros.
E nas Infraestruturas, foi o que se sabe.
Nos derradeiros dias do ano vingaram os ‘estados de alma’ de Marcelo Rebelo de Sousa, reconfortado com a ‘ginjinha’ do Barreiro e a popularidade incólume nas sondagens.
Marcelo previu que os portugueses na ceia de Natal, «baixinho, para a família (…) vão dizer mal do Presidente e um pouco do Governo». Não precisou de esperar muito. Em Murça, interpelado por dois populares, ouviu o que decerto nunca esperou ouvir.
E enquanto o Governo se esboroa, Marcelo voa para Brasília, para assistir à ‘entronização’ de Lula, num país dividido.
Entre a Operação Lava Jato e a Operação Marquês que venha o diabo e escolha…