Infelizmente, por todo o mundo – nuns locais mais urgente que noutros -, a igualdade de género continua a ser uma tarefa pendente. Com o retrocesso a que assistimos depois da conquista do Afeganistão pelos talibãs – que têm afastado fugazmente a figura feminina da vida em sociedade -, vale, contudo, também a pena lembrar os passos dados na direção contrária. No mês passado, Cuba autorizou a prática de boxe feminino após a proibição de mais de 60 anos, sendo a modalidade vista até então, como “demasiado perigosa para as mulheres”. Por isso, até ao momento, as mulheres cubanas só praticavam o desporto de forma clandestina.
Na altura, o anúncio foi feito pelo Instituto Nacional de Educação Física e Recreação (Inder): “Vamos recuperar o que perdemos. Foi feito um estudo profundo, não nos deixámos pressionar pelo tempo, hoje estamos convencidos, depois de todas as investigações realizadas. Este é um passo seguro, este é o momento e não corremos nenhum risco”, afirmou Alberto Puig de la Barca, presidente da Federação Cubana de Pugilismo. Numa primeira fase, explicou o dirigente, a federação quer, “conseguir bons resultados e medalhas em competições continentais”, para, numa segunda, “pensar nos Jogos Olímpicos”.
Além disso, o presidente da Federação, revelou que se iria realizar uma competição de 42 pugilistas ainda esse mês para escolher 12 atletas para uma equipa feminina. A seleção vai disputar os Jogos da América Central e do Caribe em El Salvador, em maio deste ano – a sua primeira estreia internacional. A competição será o primeiro passo rumo aos Jogos Olímpicos de 2024, em Paris. O vice-presidente do Inder, Ariel Sainz, justificou o regresso da modalidade na vertente feminina com o princípio de igualdade entre homens e mulheres, consagrada na constituição de 2019.
Recorde-se que o pugilismo feminino foi proibido em Cuba depois da revolução de 1959, liderada por Fidel Castro, com o argumento de que o desporto “era demasiado perigoso para as mulheres”. Além disso, a posição de Cuba no boxe caiu muito desde que o resto do mundo começou a deixar as mulheres lutar e “a ilha comunista se agarrou a uma visão ultrapassada de feminilidade defendida pela falecida esposa de Raul Castro, Vilma Espin”. A esposa do ex-Presidente cubano era a chefe da Federação de Mulheres Cubanas (FMC) e supostamente considerava os rostos das mulheres cubanas “muito bonitos e preciosos para serem manchados pelo boxe”.
Em 2009, quando o Comité Olímpico Internacional anunciou que o boxe feminino faria, pela primeira vez, parte das Olimpíadas em 2012, partilhando a opinião de Vilma Espin, o então técnico da seleção masculina de Cuba, Pedro Roque, disse a um grupo de jornalistas que “as mulheres cubanas estão lá para mostrar os seus belos rostos, não para levar socos”.
Ansiosa por competir Segundo a BBC, para a pugilista cubana Joanna Rodriguez, já na casa dos 30 anos, o tempo estava a esgotar-se rapidamente, distanciando-a da possibilidade de vencer o título olímpico de boxe. A jovem trabalhava como segurança de um bar, mas agora espera que o seu nome possa ficar um dia ao lado de grandes nomes do boxe cubano como Felix Savon ou Teófilo Stevenson.
“Esta (nova regra) vai mudar tudo!”, afirmou à agência de notícias do Reino Unido, após um treino cansativo numa academia suja no centro de Havana. “Isto pode até mudar a maneira de pensar de muitos porque há machismo entre homens e mulheres aqui”, acredita.
Já para a mulher a que Joanna chama de “pioneira do boxe feminino em Cuba” – a sua treinadora, Namíbia Flores -, a decisão do Governo cubano “veio com uma década de atraso”.
De acordo com a mesma publicação, o boxe feminino foi introduzido como disciplina olímpica nos Jogos de Londres 2012. A pugilista conheceu Namíbia alguns anos depois desses jogos, quando esta se preparava para deixar Cuba para seguir a carreira no exterior. Contudo, conta, a importância da família e a paixão por casa, acabou por fazê-la voltar.
Atualmente muito velha para poder lutar competitivamente por Cuba, Namíbia diz que para si, este é um momento “agridoce”, depois de “duas décadas de dedicação a um desporto no qual não tinha permissão para competir”: “Estou muito feliz que tenha acontecido, claro! Mas, ao mesmo tempo, sinto-me um pouco triste, porque esperava que fossem os meus punhos, as minhas luvas a trazerem a vitória de Cuba”, afirmou.
Para compensar, escreve a BBC, esta espera participar como treinadora principal de boxe feminino do país com o maior número de ouros olímpicos no boxe do mundo. “Estou apenas a tentar fazer a minha parte”, acrescentou.
Destaque de Cuba no Boxe Segundo a Globo, na história olímpica, o boxe cubano masculino já conquistou 41 medalhas de ouro e é, há décadas, a maior força mundial na modalidade. Em Tóquio, no ano passado, por exemplo, conquistou quatro ouros e um bronze, enquanto as mulheres do país nem sequer puderam disputar os torneios de qualificação.
No mês passado, as lutas para a escolha da equipa feminina foram realizadas em sete categorias de peso e após uma luta “exaustiva”, a pugilista Idamelys Moreno foi uma das escolhidas.
“Toda a gente sabe o que é que os homens cubanos fizeram no boxe ao longo dos anos. Atingiram um padrão incrível”, defendeu a desportista em entrevista à BBC. “Em relação ao resto do mundo, nós cubanas estamos um pouco atrasadas porque esta mudança acaba de ser aprovada”, continuou. Felizmente, acredita, “já existe uma riqueza de conhecimento e experiência em relação ao boxe feminino”.
Apesar de este ter sido um passo importante na luta de igualdade de género no país, a autorização surge numa altura em que Cuba enfrenta “a sua pior crise económica desde a Guerra Fria”. De acordo com a mesma publicação, há muito tempo que é difícil encontrar itens essenciais da modalidade como luvas de boxe, sacos de boxe e cordas de saltar. Além disso, também é difícil encontrar comida ou vitaminas suficientes, especialmente para o regime de um lutador de elite.
A desigualdade de género no mundo Segundo o mais recente relatório Global Gender Gap Report publicado pelo Fórum Económico Mundial, a desigualdade de género global só acabará daqui a 132 anos. De acordo com a publicação, a pandemia da covid-19 e a lenta recuperação da economia são as causas do retrocesso da paridade de género em pelo menos “uma geração”.
Apesar da melhoria em comparação ao ano passado – em que era preciso esperar mais de 135 anos para acabar com a desigualdade de género -, a estimativa é preocupante, até porque a Global Gender Gap Report verifica esta desigualdade dentro de quatro dimensões principais: participação e oportunidades económicas, nível de educação, saúde e empoderamento político.
Na comparação regional do relatório, a América Latina e o Caribe ocupam o terceiro lugar de todas as regiões, depois da América do Norte e da Europa, no índice geral. A região superou 72,6% da lacuna de género, um aumento de quase 0,4 pontos percentuais desde a edição anterior. Com base no ritmo atual de progresso, a América Latina e o Caribe reduzirão a desigualdade de género em 67 anos.
Segundo a publicação, seis dos 22 países latinos analisados melhoraram a sua pontuação de diferença de género em pelo menos um ponto. Entre eles, Peru, Guiana e Chile foram os que mais subiram nas suas pontuações de paridade de género. Em contrapartida, países com mais população, como o Brasil, o México e a Argentina, apresentaram uma estagnação.
Este ano, Comores entrou no ranking pela primeira vez, enquanto Bahamas, Cuba, Croácia, Iraque, Mauritânia, Papua Nova Guiné, Federação Russa, Síria, Trindade e Tobago, Venezuela e Iémen não estão incluídos nesta edição de 2022.