Por José Manuel Azevedo, economista
O termo ‘catarse’ tem origem filosófica e significa limpeza ou purificação pessoal. De uma forma mais ‘terra a terra’, trata-se de um caminho pelo qual limpamos as emoções negativas que carregamos, permitindo que estas fluam para ambientes mais saudáveis dentro de nós.
Inundados pela banalidade, mediocridade e vazio da espuma doméstica dos dias, a tarefa não é fácil. Exceções também as tem havido, felizmente.
Começando, justamente, pelo Qatar e pelo Mundial de Futebol que terminou no dia 18 de dezembro, sobre o qual tanta tinta – recentemente – correu e vozes ‘indignadas’ se fizeram – tardiamente – ouvir:
1. Será a maioria dos migrantes que acolhemos, em especial os asiáticos, melhor tratada por nós?
2. Que sentido fez, depois da eliminação da seleção nacional da competição, fazer aprovar na Assembleia da República um projeto de resolução do PAN que condena as violações dos direitos humanos e ambientais no Qatar por causa da organização do dito campeonato?
3. E tê-lo feito depois de o próprio Presidente da República e representantes de outros órgãos de soberania aí se terem deslocado?
4. Não teria sido mais adequado, por ocasião da análise dos processos de candidatura, ter-se Portugal oposto desde logo à atribuição dessa responsabilidade ao Qatar?
5. Apesar de tudo, foi ou não um campeonato bem disputado, cheio de surpresas e eliminações precoces de alguns dos chamados ‘tubarões’? Não foi a final emocionante? Não foram as cerimónias de abertura e encerramento magníficas? Não são os estádios fascinantes, tanto no plano estético como no funcional?
Nunca tive grande vocação, ou vontade, para fazer análise política. Não posso, contudo, deixar passar em branco a insolência alarve do atual primeiro-ministro, no decorrer deste ano, quer nas intervenções a que me coube assistir na AR, quer na recente entrevista a um órgão da comunicação social! Sobre esta última já tudo terá sido comentado nos últimos dias. Tudo? Ainda não. Porque não me lembro de ouvir referência aos risinhos do(s) entrevistador(es), bem audíveis na passagem aos ‘queques que guincham’. E obedecerá esta grosseria a um novo modelo criado pelo seu ‘homem de sombra’ da comunicação? Ou é apenas um desejo de criar os anticorpos necessários para que a sua pessoa prossiga a sua ambição em paragens onde os prados são mais verdes e as tarefas mais interessantes?
Caros leitores, não há paciência! Não há paciência para a tendência de desresponsabilização sistemática dos nossos órgãos de soberania. Não há paciência para tanto disfarçar, contornar, mentir, banalizar e esperar que passe, sem quase se dar por isso, quando as coisas correm mal na vida dos portugueses. Não há paciência para a necessidade doentia de proferir banalidades por dá cá aquela palha, desde jogos de futebol às cheias de Lisboa. E para quê? Justamente, para nada dizer. É obra! E os noticiários, que já não apetecem, de tal forma são repetidos, de ano para ano, o falhanço ou a má notícia exactamente sobre a mesma situação, na mesma altura do ano, parecendo gravações dos anteriores. ´
São os casos que se arrastam na justiça, são os professores, são os incêndios, são os bombeiros a quem o Estado não paga o que deve, é a habitação, são os mesmos (ou mais) pobres que recorrem à ajuda alimentar, etc. etc. Somos levados a crer – mas sem querer – que o Espírito do Natal Passado, do Natal Presente e do Natal Futuro por aqui será sempre o mesmo.
Não há paciência – ah, mas aí tem de haver, e não é pouca, que a saúde não tem preço, mas tem um custo – para a atual situação no SNS, que não é assim tão actual porque se tem vindo a deteriorar ao longo dos últimos anos, mesmo à nossa frente, os seus tempos desumanos de espera, quer para consultas quer para intervenções cirúrgicas.
Como podemos satisfazer-nos com tempos de espera para cirurgias cardíacas e oncológicas que evidenciam um aumento da taxa de incumprimento dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos, relativamente ao primeiro semestre de 2021? Com aumentos de 11% no número de doentes oncológicos em lista de inscritos para cirurgia, de 16% no número de utentes a aguardar cirurgia de cardiologia; e como podemos aceitar os aumentos muito significativos no número daqueles que aguardam primeiras consultas hospitalares? Para já não falar no aumento do número de portugueses que continua sem médico de família…
Hubris? Não. No meu tempo – que ainda é o de hoje – chama-se má criação.