A ascensão e queda de Andrew Tate, rei da masculinidade tóxica

Ninguém se pode queixar que o antigo kickboxer não praticava o que pregava. Tate, que encabeçava um exército de homens furiosos e ficou conhecido por incentivar à misoginia, foi detido em Bucareste sob acusação de obrigar duas mulheres a ter sexo perante as câmaras, ameaçando-as com violência.

O guru adorado por uma turba de homens furiosos foi detido pela polícia romena, sob suspeita de tráfico humano, violação e formação de uma organização criminosa. Já os leais seguidores de Andrew Tate estão convencidos que se trata de uma manobra da Matrix – referência à saga de filmes homónima, frequentemente mencionada por Tate como equivalente vago ao ‘sistema’ – que tentará silenciar a mensagem deste antigo campeão de kickboxing, que o feminismo estará a por em causa a natural dominância dos homens e a subjugá-lo. Tate tinha conseguido tornar-se uma figura à escala global criando uma comunidade própria e ensinando os seus fiéis a jogar com o algoritmo das redes sociais. Bombeando conteúdo polémico – polémico seria eufemismo, discriminatório e violento são os adjetivos mais recorrentemente usados – que conseguia engajar multidões de utilizadores, nem que fosse pela negativa. Esta estrela da internet acabou apanhado pela polícia romena devido a uma troca de provocações no Twitter com Greta Thunberg, para delicia de milhões de internautas.

Emory Andrew Tate III, um anglo-americano de 36 anos, nascido em Chicago e criado em Luton, hoje é alcunhado de «Rei da Masculinidade Tóxica», sendo também apelidado pelos fãs de «Top G», a forma abreviada de ‘o maior gansgter’, em inglês. No entanto, em tempos foi sobretudo conhecido por ter vencido três vezes o campeonato do mundo de kickbox, entre 2008 e 2013. Após alguns anos sem que se falasse muito de Tate, este lançou-se na ribalta de novo como concorrente no reality show Big Brother. Ganhando infâmia quando foi expulso do programa pela direção do Channel 5, após surgirem imagens suas aparentemente a bater numa mulher com um cinto e ameaçar matá-la caso mandasse mensagens a outro homem, tendo noutro vídeo exigido que a mesma mulher contasse as nódoas negras que Tate lhe causara. Além das sucessivas notícias nos tablóides britânicos quanto a sucessivos comentários homofóbicos e racistas do antigo kickboxer.

Poderia ser um começo pouco auspicioso para alguém que procuraria vender-se como uma espécie de life coach. Mas para o público alvo de Tate, as alegações de misoginia contra este eram mais currículo do que cadastro. O antigo boxer, conhecido fã de Donald Trump, conseguiu cavalgar o ressentimento de homens fartos de um suposto «declinío da civilização ocidental», escreveu no Facebook. Não queria uma sociedade que «encoraja raparigas a ir de férias em vez de as encorajar a serem mães carinhosas e esposas fieis». 

Tate estabeleceu a sua própria academia online, a que chamou de Hustler University, um termo inglês que significa uma mistura entre ‘pessoa despachada’ e ‘vigarista’. O nome é justificado perfeitamente pela fama da instituição, acusada de ser um vulgar esquema de pirâmide, pelo qual se paga 49 dólares por mês ganhando-se bónus por recrutar outros. Além da Hustler University prometer ensinar copywriting, ou seja, a produção de textos persuasivos para ações de marketing, assim como a fazer dinheiro com os NFT, tokens virtuais que estavam numa bolha especulativa a até o seu mercado colapsar de forma especular, junto com as criptomoedas, em novembro. Num anuncio, a Hustler University gabou-se de ter mais de 168 mil alunos, alguns com apenas 13 anos.

Seja verdade ou não, Tate soube utilizar bem os seus seguidores. Estes foram incentivados a atrair «comentários e controvérsia», mostrava um guião visto pelo Guardian, explicando: «O que idealmente queres é uma mistura de 60-70% de fãs e 40-30% de gente que te odeia. Tu queres discussões, tu queres guerra». E o antigo kickboxer conseguiu-o, declarando que as vítimas de violação deviam assumir que parte da culpa eram delas, que gostava de andar com jovens de 18 anos para as marcar, entre outros comentários misóginos que incendiaram a internet.

Após ser bloqueado na maior parte das redes sociais por incentivo ao ódio, pediu aos seus alunos da Hustler University que inundassem o Tik Tok com contas falsas com clips de vídeos seus, misturando clips mais inofensivos – «homens a sério têm cães», descrevia num deles – com mensagens explicitamente misóginas. A estratégia correu tão bem que Tate subiu para o topo das buscas nas redes sociais, tornando-se mundialmente famoso de momento para o outro. E enganando os algoritmos ao ponto de ser automaticamente recomendado a qualquer rapaz adolescente que fizesse uma conta no TikTok, mostrou uma investigação do jornal britânico.

Algumas intervenções do antigo kickboxer eram particularmente brutais. Num dos seus vídeos explicou que «40% dos motivos» porque se decidiu mudar para a Roménia foi por ser mais fácil evitar investigações por abusos sexuais. Noutro, garantiu que, se alguma mulher o acusasse de a trair, lhe daria com uma machete na cara e a agarraria pelo pescoço, gritando-lhe: «Cala-te p***».

Não eram ameaças vazias, tendo a polícia romena apreendido várias machetes na buscas a casa de Tate, além de onze carros de luxo. O «Rei da Masculinidade Tóxica», detido junto do seu irmão mais novo, Tristan, de 34 anos, passava muito do seu tempo a filmar-se com armas, a fumar charutos e beber whisky caro, além de aproveitar ter tido a sua conta de Twitter desbloqueada após a plataforma ser comprada por Elon Musk. Mas, nos seus tempos livres, seduziu duas jovens, prometendo casar com elas, e levou-as para os arredores de Bucareste, onde as obrigou a ter sexo perante as câmaras, com o propósito a lucrar com isso, através de «violência física e coerção mental», bem como «intimidação, controlo e vigilância constante», anunciou a polícia romena, citada pelo Sun.

A operação policial contra Tate terá sido despoletada graças a uma troca de insultos entre este e Greta Thunberg. Quando o antigo kickboxer se gabou de quanto os seus carros desportivos consumiam, numa mensagem dirigida à jovem, esta insultou o tamanho do pénis deste, relacionando-o com a sua necessidade de se gabar. Tate não gostou, divulgou um vídeo a criticar Greta, comendo pizza e prometendo não reciclar a caixa. Só que a caixa ficou visivel, mostrando uma cadeia de pizzarias que só existe na Roménia. E provando aos investigadores que Tate estava no país, que podiam detê-lo. «Isto o que acontece quando não reciclas as tuas caixas de pizza», troçou a jovem ativista no Twitter, após se saber o desfecho da operação policial.