O ‘mecanismo’ de avaliação dos candidatos a governantes tem um pecado original: foi desenhado à pressa, em ‘cima do joelho’, para aliviar a pressão sobre António Costa e desviar as atenções da série de casos imperdoáveis que afetaram – e afetam – o Governo, a braços com uma instabilidade inédita.
Foi, aliás, visível, o embaraço da ministra Mariana Vieira da Silva na conferência de imprensa em que anunciou o novo dispositivo, materializado num longo questionário, para tentar cobrir o desnorte em que caiu o primeiro-ministro, um político calejado, mas que está a pagar a fatura de querer rodear-se, apenas, de gente oriunda da corte de fiéis e do seu universo partidário.
Com estas autolimitações à partida, o resultado só poderia ser, como é, desastroso, faltando ainda saber quantos governantes atuais sobreviveriam se fossem submetidos às mesmas 36 perguntas…
O PS teve pressa em capturar o aparelho de Estado, incluindo a maioria dos organismos de matriz independente, vocacionados para serem contrapesos do sistema. Costa repetiu, afinal, a mesma lógica e a mesma ‘receita’ usadas por Sócrates na anterior maioria. Sabemos como acabou.
Quanto Costa ‘subiu ao muro’, em 2015 – depois da cambalhota que ‘reverteu’ a derrota eleitoral –, o PS logrou neutralizar as oposições e ganhar uma hegemonia que fica nas fronteiras de ser ‘dono disto tudo’.
Para dar corpo a esse poder, o PS contou com a fraqueza e a cumplicidade dos partidos à sua esquerda, e com uma direita perplexa, desde logo, com a incompetência de Rui Rio, líder da oposição por alcunha.
Ao abdicarem do protesto, em nome de uma estratégia oportunista, o Bloco e o PCP cavaram a sua irrelevância.
Consolaram-se na órbita do poder, sentados à mesa do Orçamento. Sonharam alto, até com um ‘up grade’ que lhes permitisse por um pé no Governo.
Resgataram esse erro com uma queda a pique nas últimas legislativas, que os forçou a despedimentos em casa, como qualquer patrão aflito com as contas.
O declínio e a menor visibilidade mediática, aguçou-lhes, contudo, o engenho.
Enquanto o novo líder do PCP, Paulo Raimundo, já se oferece para entrar no Executivo, com a treta da «alternativa patriótica e de esquerda», Catarina Martins, à falta de melhor, decidiu aproveitar a alma de atriz para reinventar-se em poadcasts, convidando, para começar, ex-ministros socialistas desejosos de palco.
Claro que tais poadcasts servem o objetivo único de provocar ‘ruído’, que sirva para tirar o partido do desalento em que se encontra.
Catarina sobreviveu ao desaire nas urnas, sem nunca ter tirado as consequências, ao contrário de Louçã, em 2012, que renunciou à liderança em circunstâncias idênticas.
Por seu turno, o PCP ao escolher para secretário-geral um antigo funcionário do partido, apostou no carreirismo mais fiel à ortodoxia dominante.
Na altura, até Arménio Carlos, um sindicalista que se presumia candidato a sucessor de Jerónimo (tal como João Ferreira ou Bernardino Soares), não se conteve, mostrando-se desiludido com a opção do comité central, uma «surpresa» para a «generalidade dos militantes».
A realidade é que a margem de manobra de Raimundo no PCP é curta, e no BE, Catarina, não está melhor.
Por isso, e aproveitando os embaraços no PS, o PCP ‘pisca o olho’ a Pedro Nuno Santos – a quem manifestamente, quer encorajar para ser o futuro líder socialista –, tão cedo António Costa decida ‘meter os papeis para a reforma’.
No meio deste imbróglio, que fez o líder da oposição? É verdade que Luís Montenegro endureceu o discurso e passou a estar mais atento às histórias do dia.
Infelizmente, porém, o PSD não escapou ileso e tem, também, os seus ‘telhados de vidro’, envolvendo, designadamente, o ex-vice-líder parlamentar, Pinto Moreira, investigado sobre o período em que foi autarca em Espinho.
Montenegro tentou aproveitar uma entrevista na SIC, em ‘prime time’, para se antecipar aos efeitos da borrasca. Mas depressa se apercebeu que o convite estava inquinado, saindo-lhe na ‘rifa’ um entrevistador, mais apostado em massacrá-lo do que em ouvi-lo.
Se não quiser ser outro líder de passagem, Montenegro terá de mostrar que tem fibra, e impor-se na agenda política, sem esperar que o Governo apodreça por dentro.
Os portugueses agradecem.
Nota em rodapé: Na escola pública, no pós-covid, os professores decidiram promover greves em cascata, a pretexto da carreira e das condições de trabalho. A sorte dos alunos, como de costume, não conta nem consta das suas palavras de ordem. Para compensar, lá estará o facilitismo do ministro, sempre disponível, desde os tempos de secretário de Estado, para suprimir exames e inventar avaliações ‘faz-de-conta’.
Para os ativistas das várias agremiações sindicais, dar aulas é uma maçada… a começar por Mário Nogueira.